Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O jornalismo aplicado no filme “REC” pode ser considerado verossímil?

Saindo das telas e indo para a discussão.

O Cinema se apropria de diversas artes para construir suas histórias. Não é novidade que o Jornalismo e jornalistas já foram temas de vários filmes, desde o acompanhamento mais detalhado da profissão a meras citações em comédias românticas. Filmes como “Cidadão Kane”, “Mera Coincidência”, “O Quarto Poder”, “Todos os Homens do Presidente”, “A Vida de David Gale” e “Capote” traçam perfis, analisam o lado profissional, abordam a ética, o sentimentalismo (ou a falta dele), o exercício da notícia, a ânsia por uma verdade, seja esta verdadeira ou inventada.

Várias facetas do Jornalismo podem ser vistas e, para os estudantes da área, profissionais ou espectadores comuns, a curiosidade pela profissão rende sempre bons frutos. Em épocas em que o Cinema está cansado de criar e vive a Era das Adaptações (e simpatizantes), o filme espanhol “REC” chegou não só para aterrorizar o público mundial com suas cenas viscerais, mas também para puxar, mais uma vez, o exercício jornalístico nas telas.

Atualmente, uma longa discussão sobre o exercício jornalístico nas mídias é alvo de especialistas e estudantes. A obrigatoriedade de um diploma para exercer a profissão é questionada. Uns acham que saber, na teoria e na prática, o que é o Jornalismo é a melhor forma de aprender a segurar um microfone, fazer uma investigação ou atuar em qualquer área jornalística. Outro acham que o diploma é questionável, já que alguns sem especialização podem exercer a profissão de forma tão competente quanto um jornalista graduado. Mas não é essa a discussão que quero levantar. A idéia ao tocar neste ponto é voltar a analisar o lado jornalístico em “REC”.

No filme de Jaume Balagueró e Paco Plaza, conhecemos desde a primeira cena a repórter Angela Vidal, vivida pela atriz Manuela Velasco. Junto a seu câmera Pablo, eles gravam mais uma edição do programa “Enquanto Você Dorme”, que acompanha uma equipe do Corpo de Bombeiros em uma noite rotineira. A primeira observação é o aparente despreparo de Angela frente à câmera, por não passar tanta credibilidade e ser apenas uma jovem simpática fazendo reportagem. Seria ela uma jornalista graduada? Particularmente, esse foi o primeiro pensamento que eu tive. Ela segue alguns padrões básicos do telejornalismo, como a confiança constante no cinegrafista para saber mais sobre enquadramento, plano adequado, se “valeu ou não”, mas ao mesmo tempo esbanja uma imaturidade que às vezes percebemos ser da própria personagem, não da profissão.

Por ser um programa de variedades, Angela é uma repórter quase investigativa, mas que acompanha de perto cotidianos que talvez nem sempre são atrativos. É interessante um argumento que um dos bombeiros usa quando ela diz o nome do programa para qual trabalha: “Enquanto Você Dorme”. O bombeiro diz: “Então quem assiste?”. Ela não responde. Às vezes, Angela se preocupa em seguir uma linha jornalística certinha, preocupada com o público, mas em outros momentos é tomada por um provável sensacionalismo. “Não pare de filmar”, ela diz algumas vezes. Estaria ela tão preocupada mesmo com a situação dentro do prédio ou ela queria só uma fita com um grande furo para ficar bem no meio dos grandes editores televisivos? Isso porque a fita que Pablo consegue filmar é incrivelmente fantástica para denunciar problemas sociais avassaladores. Angela queria mesmo essa denúncia? A história a ser registrada seria aquela mesma ou teria um pouco mais de sal após um processo de edição e exposição nas telas?

Como repórter, Angela demonstra sua esperteza ao entrevistar as vítimas apelando para alternativas diversas. Os chineses e a pouca capacidade de se expressar às vezes causam risos, enquanto Angela repete a mesma pergunta e dá a resposta por si só. A menininha é quase um melodrama mexicano, usada para sensibilizar o espectador. O casal de velhinhos disputa a atenção da câmera, e Angela prioriza seus argumentos baseado na experiência de vida deles, como se fossem incapazes de mentir e ignorando o fato de que eles podem sofrer de algum transtorno que altere os fatos decorrente da idade. Um morador começa a ter seu depoimento filmado antes mesmo de ser avisado disso. O outro, residente médico, é visto como o herói, e dá a Angela a oportunidade de filmar a carnificina nos corpos das vítimas.

Até onde o jornalista deve chegar para um furo? Existem perguntas cujas respostas acabam sendo respondidas em outras palavras. A fome por uma notícia faz com que os repórteres se submetam a situações extremas. Tim Lopes morreu para escrever seu nome. Em contrapartida, a importância de um furo também acaba dependendo muito da linha editorial de um jornal ou de uma emissora, e do próprio programa. A bomba que Angela tinha registrado na câmera de Pablo poderia ser simplesmente confiscada por agentes do governo ou pelos “poderosos”, dos quais nunca sabemos na realidade quem são. Angela poderia ter o maior furo epidêmico ou nuclear dos últimos tempos, mas tudo dependeria de alguém superior. Se Pablo parasse de filmar e tentasse ajudar as vítimas teria sido diferente? Valeria a pena? São perguntas a se pensar.

Inúmeros posicionamentos de Angela em “REC” poderiam ser debatidos, desde a simples ‘passagem’ feita enquanto a polícia arromba a porta de um dos apartamentos até o conflito que Angela cria quando o policial pede para a filmagem ser encerrada. Quem é mais poderoso? A imprensa ou a polícia? Não há regras. No Jornalismo, a única regra é mostrar o que acontece. Se são usados a verdade, a maquiagem, o sensacionalismo, isso depende da ética do veículo e do profissional. Onde está a importância de Angela vasculhar as paredes da cobertura e ler matérias que justificam em partes a epidemia? Seria mais rápido ela tentar fugir ou o risco de ficar ali mais tempo contribuiria para o furo jornalístico? Naquele instante, quando o filme está perto do fim, é mais importante ela sair viva ou registrar tudo? São questões que eu coloco para serem debatidas. Creio que não existam respostas científicas.

O segundo filme já foi lançado e foi para um lado total da ficção. Uma pena.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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