“O Ladrão de Raios” coloca o clássico da mitologia grega com a atualidade
Obra marca o inicio de Rick Riodan na literatura infanto-juvenil.
A magia parece ter tomado conta da literatura na última década. O sucesso estrondoso da saga Harry Potter parece ter inspirado diversos autores a ingressarem no mundo “mágico” da literatura infanto-juvenil, o que de certa forma foi muito benéfico para o gênero que se viu renovado com vários títulos interessantes. Assim foi com Rick Riordan que já conhecido pelos premiados contos de mistérios para adultos “Tree Navarres”, resolveu contar, desta vez, uma história mais leve e visando um público diferente e assim, buscou na mitologia grega a inspiração para sua próxima história, “O Ladrão de Raios”.
O livro é o primeiro capítulo da saga Percy Jakson e os Olimpianos e narra à primeira aventura de Perseu Jackson, um problemático garoto de 12 anos que um dia descobre ser, na verdade, um semideus. Porém, a revelação é apenas o começo das aventuras do jovem que rapidamente se vê envolvido em uma grande missão para recuperar o raio primordial de Zeus, o senhor dos Deuses, que anteriormente havia sido roubado e assim, impedir uma grande guerra no Olimpo.
Sem medo de investir em um novo gênero, o escritor americano se sai muito bem em sua empreitada, encaminhando a aventura de Percy de uma maneira dinâmica, tomando cuidado para que o ritmo frenético que tenta dar a sua obra nunca seja perdido. Assim o livro dá pouco tempo para o leitor “respirar”, pois Percy sempre está envolvido em algum tipo de problema ou mistério, mas o escritor interliga estes momentos de tensão de maneira coerente sem que eles pareçam forçados demais. Riodan também confere um clima leve a sua narrativa ao pontuar diversas passagens com boas tiradas cômicas o que traz um clima ainda mais agradável a obra.
Contudo algumas vezes o escritor esquece de explicar corretamente alguns fatos importantes em sua narrativa o que pode deixar o leitor um pouco perdido algumas vezes. E confesso que ainda estou em dúvida sobre o real funcionamento da “névoa” que protege nós humanos das ações divinas, ou (e está é minha favorita) como um monstro mitológico conseguiria “rastrear” um celular, assunto que sem dúvida geraria ótimas discussões em palestras, ou aulas sobre mitologia grega.
O escritor se mostra pouco ligado a descrições, aparentemente mais preocupado com a história que está sendo contada do que com a aparência dos personagens ou com o local em que eles estão, deixando claro que o importante não é a aparência dos personagens e sim os seus feitos. Personagens estes bem construídos em sua grande maioria, o livro toma cuidado também com os coadjuvantes e assim apresenta um grande número de figuras interessantes, sempre constituídos de uma personalidade ou característica marcante.
É inevitável dizer que Percy e seus dois companheiros são as grandes estrelas do livro e sem dúvida é por conta deles que a narrativa de Riodan é tão bem sucedida. O trio se mostra muito carismático e tem uma “química narrativa” que não se perde com o passar das páginas, tendo suas motivações e personalidades trabalhadas de maneira transparente e inteligente pelo autor. Claro que é impossível não relacioná-los com um certo trio de bruxos já consagrado do muito literário, e assim facilmente comparamos o corajoso Percy com Harry, o atrapalhado sátiro Grover a Rony e a inteligente Annabeth a Hermione. Porém, estas alusões aos personagens de J.K. Rolling não chegam a tirar o brilho do trio criado por Riodan já que as semelhanças entre eles estendem-se apenas a suas funções narrativas (o protagonista, o alivio cômico e a personagem explicativa). Mas as comparações com Harry Potter não param somente em alguns personagens estendendo-se a varias outras características do livro como, por exemplo, o acampamento para semideuses, onde o protagonista aprende lições para tornar-se um herói.
Sendo o grande chamariz da obra, a mitologia grega está incrustada no livro que sempre procura fazer referências a diversas passagens mitológicas, seja nos acontecimentos do livro ou na própria construção dos personagens. O próprio Percy se mostra um exemplo perfeito disto ao ser construído a partir de características de vários heróis mitológicos como Jasão, Hercules ou o próprio Perseu (herói que dá nome ao protagonista). Riodan, claro, procura trabalhar os assuntos de forma favorecer sua narrativa, mas o autor trabalha com muito respeito o assunto de forma que os amantes dos grandes contos gregos ficaram satisfeitos com o autor.
Desta forma a obra torna-se bastante dinâmica. A narrativa evidencia demais todos os acontecimentos da aventuras de Perseu, característica que é espantosa vinda de um autor que tornou-se popular ao escrever livros de mistério. O escritor na maioria das vezes não consegue inserir os personagens mitológicos em nosso mundo sem evidenciar descaradamente a sua natureza, fazendo com que saquemos rapidamente quando uma batalha terá inicio ou qual ser mitológico será apresentado a seguir, o que torna certos acontecimentos tão óbvios que chegamos a duvidar da inteligência do trio de heróis. Afinal, se você soubesse que todos os monstros mitológicos são reais e que eles estão lhe caçando, você aceitaria o convite de uma senhora para entrar em sua loja de estatuas “incrivelmente bem feitas” para tomar um lanche?
Na verdade, surpreender o leitor parece ser a última coisa que Riodan pensa em fazer, já que este intencionalmente insere um oráculo na história, no que considero o maior equivoco narrativo da obra. Afinal, porque nos preocuparíamos ou temeríamos pela vida do herói quando já sabemos que este terá sucesso em sua missão? As previsões do oráculo dizem respeito a momentos importantes da jornada do protagonista e acaba privando o leitor de se surpreender com determinados acontecimentos da aventura.
Contudo, “O Ladrão de Raios” se mostra uma grata surpresa e embora, por enquanto pelo menos, esteja longe de suprir o “vazio” deixado pela saga Harry Potter, se mostra uma boa e agradável leitura, recomendável para os amantes de mitologia grega ou apenas para os que estejam procurando por um pouco de aventura em sua leitura.