Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Batman – A Piada Mortal

Essa HQ é mais que uma mera história. É um marco para os quadrinhos.

Após ser republicada em 2006 no encadernado “Grandes Clássicos DC 09 – Alan Moore”, uma das histórias definitivas do universo do Batman ganhou no ano passado uma edição de luxo, compatível com sua importância. Estou falando de “Batman – A Piada Mortal”, uma das fontes principais de inspiração de Christopher e Jonathan Nolan para o mega-sucesso cinematográfico “Batman – O Cavaleiro das Trevas”.

Ao contrário do que aconteceu com “O Longo Dia das Bruxas”, os irmãos Nolan não utilizaram a história em si como base para o seu badalado filme, mas seu espírito. Na trama, escrita por Alan Moore (“Watchmen”) e desenhada por Brian Bolland, o leitor ganha acesso a uma das mentes mais distorcidas da história da nona arte, conhecendo profundamente o vilão Coringa. Foi a partir da graphic novel de Moore e Bolland que os roteiristas do longa e Heath Ledger moldaram a nova e anárquica versão cinematográfica do príncipe palhaço do crime de Gotham City.

A narrativa começa com Batman tentando dialogar com seu arquiinimigo no Asilo Arkham, tentando conseguir uma trégua entre os dois, apenas para descobrir que o Coringa conseguira fugir novamente do lugar. A partir deste momento, a trama se foca no Coringa e em seu trágico passado, ou no que pode ser sua origem, já que o próprio vilão declara que, se “for para ter um passado, que seja de múltipla escolha”. Os planos do palhaço criminoso envolvem muito de sua particular filosofia de vida e trarão consequências trágicas para o Comissário Gordon e sua filha, Barbara, que secretamente atua como a Batgirl.

Os fãs que adquiriram edições anteriores desta aventura possuem mais motivos para adquirir esta nova versão do que meramente a encadernação em capa-dura e a impressão no luxuoso papel LWC. “A Piada Mortal” fora inteiramente recolorizada pelo desenhista Brian Bolland que, finalmente, conseguiu deixar o visual da história da maneira que desejava. Não é segredo para os fãs de quadrinhos que Bolland e o colorista original da história, John Higgins, discordavam e muito sobre os métodos de colorização a serem utilizados.

Além do mais, há a inevitável passagem do tempo, que acabara por deixar o visual adotado na época um tanto quanto datado. Bolland não se limitou apenas a lançar novas camadas de cores nos quadrinhos em preto-e-branco, mas transformou toda a “fotografia” da trama, dando uma maior sensação de realismo às tonalidades de sobras e peles dos personagens, bem como adotando filtros diferenciados para as sequências de flashback do Coringa, em um magistral processo de “remasterização” da aventura, que não deixa nada a desejar às cobiçadas versões do diretor tão vistas nos cinemas de hoje.

Tais novas características visuais são o principal atrativo para os fãs antigos do universo do homem-morcego, que já possuíam versões anteriores da publicação. No entanto, a trama per si de Alan Moore continua sendo o prato principal. Moore nos leva a um perturbador mergulho rumo à insanidade, em um tour apresentado pelo próprio Coringa e sua filosofia de que qualquer um pode enlouquecer, desde que passe por um só dia terrível. O vilão enxerga isso no próprio Batman, que foi levado à sua cruzada por conta do assassinato de sues pais durante a infância.

Para o palhaço, no entanto, a sua possível perda parece ter tido um impacto bem mais significativo. No meio disso tudo, temos Gordon e Barbara, que são os elementos efetivamente humanos dentro da trama. Se temos agentes do caos e da ordem, representados pelo Coringa e pelo homem-morcego, respectivamente, Gordon representa a humanidade, algo que acaba sujeitando-o a tormentos inimagináveis, já que está preso entre duas visões de vida distintas.

A escrita de Moore casa perfeitamente com a narrativa visual de Bollnad, vide os enquadramentos escolhidos pelo desenhista em pontos importantíssimos da trama. Exemplos disto estão nos flashbacks do Coringa, na compra do parque, no passeio no trem-fantasma, na simetria entre o começo e o final da história (em estruturas rígidas de nove quadros) e, principalmente, no ataque à casa de Gordon, gerando uma das cenas mais controversas e de diferentes interpretações da história dos quadrinhos.

Sabendo que “A Piada Mortal” é uma única história com pouco mais de 40 páginas, a DC (e a própria Panini Comics) sabia que precisaria de um pouco mais para atrair os leitores. Então, lançou mão de alguns materiais adicionais, sendo os principais o perturbador conto “Sujeito Inocente”, escrito e desenhado por Brian Bolland, apresentado aqui pela primeira vez colorizado, pois fazia parte originalmente da série “Batman – Preto & Branco” e a clássica introdução do Coringa, publicada originalmente na primeira edição da revista “Batman”, lançada na década de 1940.

Escrita e desenhada por Bob Kane, criador do homem-morcego, é interessante notar como essa história, aqui um mero “extra”, traz elementos utilizados no filme, como um Coringa um pouco mais sério, o disfarce como policial adotado pelo criminoso e até mesmo o local de seu duelo com Batman. A publicação de luxo ainda conta com esboços de Brian Bolland para suas duas histórias, uma introdução pelo artista Tim Sale (responsável pela arte de “O Longo Dia das Bruxas”) e um posfácio pelo próprio Bolland.

Moore e Bolland tornaram “A Piada Mortal” algo mais que uma mera história, mas um marco para os quadrinhos. Lançada com o convidativo preço de R$ 19,90, a Panini fez um trabalho impecável com esta gema da nona-arte, que será uma ótima aquisição para qualquer fã do Cavaleiro das Trevas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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