Nascida em uma pequena província francesa em 1883, Gabrielle Bonheur Chanel, filha de um caixeiro-viajante e uma camponesa, viveu em meio à lavoura até os oito anos de idade quando ela e a irmã, Adrianne, foram enviadas a um orfanato onde também funcionava um colégio particular freqüentado pela elite da cidade de Obazine. Em meio a austeridade do local, Gabrielle começou a perceber as meninas de famílias abastadas e suas vestimentas de bom corte e caimento perfeito – tão diferentes de sua farda preta e seus abrigos em tecidos grossos.

Para fugir de um destino pobre, Gabrielle e a irmã mais nova começaram a trabalhar em uma loja de tecidos durante o dia e a cantar e dançar no café-concerto La Rotonde de Moulins à noite. Foi onde Gabrielle conheceu Étienne Balsan que, por conta da música “Qui qu’a vu Coco” cantada por ela e a irmã no café, a apelidou de Coco. No emprego diurno, Gabrielle aprendeu o ofício da costura – algo que não gostava, mas já nessa época demonstrava habilidade incomum.

O humor ácido e a visão crítica da sociedade destacavam Coco das demais. Foi justamente essa característica que fez com que ela fosse despedida do café-concerto. Sem a irmã, que se mudara para casar, Coco procura a ajuda de Balsan e passa a morar com ele em um castelo nas proximidades da Cidade-Luz. É nessa época que Coco começa a experimentar os prazeres de uma classe social que repudiava tanto quanto encantava. Entretanto, ela fazia questão de se diferenciar dos demais e nesse ponto as roupas que vestia tinham papel fundamental.

Dirigido por Anne Fontaine, o filme “Coco antes de Chanel” (Coco avant Chanel, 2009) é uma história de amor. Um amor que vai além do sentimento que Coco nutria por Boy Capel – o inglês que conheceu através de Balsan e foi seu grande amante. A paixão que ela tinha pela estética prevalece em sua trajetória mesmo à revelia, sem que ela perceba. Sutilmente, Fontaine mostra o início do flerte de Chanel com peças e tecidos que passavam a integrar seu guarda-roupa pessoal e, posteriormente, definiriam o estilo da mulher moderna: o tweed, o jérsey, as pérolas, a renda preta, a blusa listrada (navy), entre outros.

Durante a trama, arranjar um emprego para que possa se estabelecer em Paris se mostra como a principal intenção de Coco. “Não quero ser sustentada, quero trabalhar”, diz em uma cena. É justamente esta sede por trabalho, somada à vivência no campo, no orfanato e nos ateliês que fazem com que Coco veja a roupa sob outra perspectiva. Ela não pensa a moda como os grandes estilistas que desenham roupas extravagantes para mulheres hedonistas da alta sociedade. Esse é o maior drama de Coco em relação à vestimenta feminina. Em outra cena, ela fala: “os enfeites impedem a mulher de pensar”. Coco defende que a mulher precisa de roupas práticas que permitam amplos movimentos e antes de tudo, sejam confortáveis. Uma roupa que sirva à mulher e não o contrário.

Os adornos excessivos a incomodavam a ponto de Coco assumir para si a antítese desse estilo – a praticamente monocromática indumentária masculina. Por conta dessa bagagem de quem provém de camadas proletárias, Coco revolucionaria a moda do século XX. Uma camisa masculina somada ao tecido de uma velha roupa se transforma em um vestido para festa. Com alguns ajustes, as roupas de montaria de Balsan agora lhe servem com perfeição. Um pijama de seda vai às ruas, sem problemas. Com esse ar inventivo e inovador, Coco parece flutuar em meio a um ambiente dominado por brilhos, plumas e sorrisos demais. Sua simplicidade e a adoção da indumentária masculina causam espanto e fascínio entre todos ao seu redor (reações que devem ter sido muito maiores na realidade que na Coco interpretada pela atriz Audrey Tautou).

Com um histórico recente de filmes onde os trajes usados pelas personagens eram mais focados pelo público do que a história em si (“Sex and the City”, “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom” e, claro, “O Diabo veste Prada”) é de se esperar que um filme que fala da criadora de uma grande maison de moda tenha as atenções voltadas para o figurino. Neste caso, porém, ele tem função ainda maior podendo ser o único elo entre a poderosa Coco Chanel presente no imaginário popular e a frágil e sonhadora Gabrielle apresentada nas telas.

Algumas frases conhecidas de Coco Chanel:

“Quem não gosta de estar consigo mesmo em geral está certo.”

“Não há tempo para a monotonia do previsível. Há tempo para o trabalho. E tempo para o amor. Isso nos toma todo o tempo.”

“Já que tudo está na nossa cabeça, é melhor a gente não perdê-la.”

“Meus amigos, não tenho amigos.”

“A lenda é a consagração da celebridade.”

“Eu não entendo como uma mulher pode sair de casa sem se arrumar um pouco – mesmo que por delicadeza. Depois, nunca se sabe, talvez seja o dia em que ela tem um encontro com o destino. E é melhor estar tão bonita quanto for possível para o destino.”

“‘Onde uma mulher deve usar perfume?’, perguntou-me uma moça. ‘Onde ela quiser ser beijada’, eu respondi.”

“A moda virou uma piada. Os designers se esqueceram que existe mulheres dentro das roupas. A maioria das mulheres se veste para os homens e quer ser admirada. Mas elas também precisam andar, entrar num carro sem arrebentar a costura! Roupas têm que ter uma forma natural.”

“Moda é arquitetura: é uma questão de proporções.”

“Uma mulher possui a idade que merece.”

“O luxo precisa ser confortável, senão não é luxo.”

“Elegância é recusar.”

“Não existe moda para os velhos.”

“A moda é feita para se tornar demodê.”

“Uma moda que não chega às ruas não pode ser chamada de moda.”

“A moda não é algo presente apenas nas roupas. A moda está no céu, nas ruas, a moda tem a ver com idéias, a forma como vivemos, o que está acontecendo.”

“Quantos cuidados uma pessoa precisa tomar quando decide não ser algo mas sim alguém.”

“A moda reivindica o direito individual de valorizar o efêmero.”

“Eu já não sou o que era: devo ser o que me tornei.”