Cinema com Rapadura

Colunas   terça-feira, 27 de outubro de 2020

Viagem à Lua: como Georges Méliès levou o cinema a novos patamares

No início do século XX, o francês Georges Méliès transpôs barreiras da recém-inaugurada sétima arte para trazer sonhos e anseios à tela e maravilhar o mundo inteiro com uma obra que, basicamente, inaugurou o uso de efeitos especiais no cinema.

Ah, o cinema! Que arte belíssima é esta sétima que combina elementos de tantas outras de forma a levar o espectador a sensações de maravilhamento que vão muito além de simples escapismo. Se os irmãos Lumière fizeram as primeiras imagens mais famosas ao retratar o cotidiano com cenas naturais na sua busca pela captura de movimentos de sua invenção, o cinematógrafo, foi Georges Méliès que se apaixonou pela criação de Auguste e Louis e a uniu com seu talento para o ilusionismo para romper barreiras do que a criatividade visual poderia oferecer ao público em questões de experiência e narrativa. Inspirado por obras como o livro “Da Terra à Lua”, de Jules Verne, o mágico francês produziu um filme inegavelmente histórico: “Viagem à Lua”.

O trabalho como ilusionista o levou a explorar diferentes formas de criações visuais com a película e o cinematógrafo, o que basicamente o transforma no inventor de efeitos especiais. Valendo-se de técnicas de perspectiva forçada (a trilogia “O Senhor dos Anéis” não existiria sem elas), transições entre cortes com fade, sobreposições de filmes para que uma imagem seja repetida dentro da mesma cena, e outros, o francês oferecia algo inédito para o público da época e revolucionava a sétima arte.

O filme conta a história de um grupo de cientistas que constrói uma nave para ir à lua, onde, durante sua exploração, descobrem que ela é habitada por seres extraterrestres, com os quais lutam até que consigam retornar à Terra. A maneira lúdica e satírica com que a trama se desenrola é parte do charme desta obra. Os cientistas com túnicas e longas barbas mais se parecem com magos da literatura fantástica do que com pessoas que trabalham em laboratórios, e a proposta da viagem no quadro-negro se resumir a um simples desenho que aponta uma seta da Terra à lua reforça esta ideia. Nesta cena de abertura, já há um exemplo dos efeitos visuais que Méliès tanto gostava, com objetos se transformando por meio de um simples corte. Os atores paravam e se mantinham como estátuas, para que os objetos em suas mãos fossem trocados, e aí se mexiam de novo, bastava cortar a película e remover a parte indesejada, colar com fita adesiva e a troca de objetos parece magicamente instantânea. Truque simples para os olhos do espectador de hoje, mas revolucionário na primeira década de existência do cinema.

Méliès mantinha sua câmera estática, como se fosse a visão da plateia vendo uma peça de teatro, o que resume muitas de suas obras da época. Para suas elaboradas ilusões, ele criou o Star Film Studios, onde foi construído uma casa com tetos retráteis de vidro para fazer uso da luz do sol nas filmagens. Lá, um palco foi erguido onde a mágica (ilusionista e cinematográfica) acontecia, por isso seus planos costumam ser sempre posados. Interessante notar que, como não era possível a gravação de som na película, as projeções tinham acompanhamento musical ao vivo, juntamente com um conferencista dentro da sala que narrava o filme para os espectadores.

Foi neste palco onde os belos e ricos cenários de pinturas foram montados, onde atores em figurinos extravagantes, inventivos e elaborados contracenavam no que é considerado o primeiro filme de ficção-científica da história. O conteúdo visual é bastante rico e Méliès até providenciou cópias coloridas da obra, onde cada fotograma foi pintado individualmente. O resultado pode ser encontrado no YouTube e é hipnotizante.

É uma pena que Méliès não pôde usufruir de todas as recompensas financeiras do filme. A obra se espalhou pelos Estados Unidos graças a inúmeras cópias piratas vendidas por Thomas Edison, que fez uma pequena fortuna com a obra do francês.

O legado deste filme é tão significativo que nomes como Martin Scorsese (em “A Invenção de Hugo Cabret”) e Tom Hanks (na minissérie da HBO “Da Terra à Lua”) já demonstraram o amor por este em suas próprias obras, recriando cenas preciosas que retratam como as filmagens ocorreram. A cena em que a nave pousa no olho da lua é uma das mais facilmente reconhecidas e homenageadas da sétima arte, servindo como exemplo da criatividade de Méliès para efeitos visuais e como símbolo de que o cinema pode levar as pessoas a sonhar.

Méliès foi o responsável por esta obra que, com seu sucesso mundial, teve relevante papel na mudança de percepção do que o cinema poderia dizer para seu público. Ao sonhar em levar o homem à lua, o cineasta eleva a sensação de fascínio e deslumbre que pode vir de uma tela. De impacto e importância atemporais, “Viagem à Lua” é, inegavelmente, uma das obras mais importantes já produzidas para a sétima arte.

Bruno Passos
@passosnerds

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