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Colunas   sábado, 30 de novembro de 2019

The Mandalorian – Quarto episódio combina influência de Akira Kurosawa com AT-STs

"Sanctuary" tem direção de Bryce Dallas Howard e marca a estreia de Cara Dune, personagem de Gina Carano, na série.

Atenção: este texto contém spoilers do terceiro episódio de “The Mandalorian”. Siga por sua conta e risco.

Não é segredo para ninguém que “Star Wars” teve forte influência de Akira Kurosawa. “Uma Nova Esperança” leva muito de “A Fortaleza Escondida” (1958) em seu enredo e personagens, e “Os Últimos Jedi” faz um belo aceno a “Rashomon” (1950) com seus flashbacks por diferentes perspectivas. Agora, como não poderia deixar de ser, chegou o momento de essa influência se fazer sentir também em “The Mandalorian”, com seu quarto episódio, “Sanctuary”, bebendo da fonte de “Os Sete Samurais” (1954).

A história já é bem conhecida: um vilarejo pacato é alvo constante de ataques de bandidos e, tentando resolver de vez esse problema, contrata um grupo de guerreiros para lidar com os invasores. No caso, não são sete (como o próprio nome da obra original indica), mas apenas dois: o Mandaloriano (Pedro Pascal) e a ex-soldado rebelde Cara Dune, interpretada por Gina Carano. Os bandidos, aliás, também não são nada convencionais e contam com a retaguarda de um veículo AT-ST imperial modificado.

A responsabilidade de adaptar uma história de Kurosawa nunca é pequena, por mais liberdade que se possa ter. Em “Sanctuary“, ela recai sobre a direção de Bryce Dallas Howard, mais conhecida por seus trabalhos como atriz. Seu pai, Ron, já dirigiu “Han Solo: Uma História Star Wars“, e agora ela se torna a segunda mulher a dirigir um episódio da série. Mesmo com a pouca experiência na direção, Bryce comanda o episódio com naturalidade. Apesar disso, este é o primeiro episódio que deixa a desejar com o roteiro de Jon Favreau, com diálogos comparáveis aos de “Ataque dos Clones“, momentos de proximidade forçada e soluções simplórias para problemas complexos.

O episódio começa mostrando uma pacata vila de pescadores no planeta Sorgan. Seus habitantes vivem de subsistência nesse local idílico, mas sofrem nas mãos de bandidos selvagens que atacam a vila. Mais parecidos com os orcs de “O Senhor dos Anéis” em seu visual e violência, eles não encontram resistência alguma para tomar o que bem entendem.

Enquanto isso, abordo da Razor Crest, o Mandaloriano e a Criança (conhecida internet afora como “Baby Yoda”) buscam um planeta remoto que possa servir de refúgio após sua fuga no final do episódio anterior. Com todos os caçadores de recompensa da galáxia atrás de ambos, quanto mais remoto o planeta, melhor, e Sorgan parece seu o lugar ideal. Ao aterrizar, a dupla rapidamente encontra uma cantina onde buscar informações sobre o local, e acabam descobrindo que o lugar já tem uma fugitiva: Cara Dune, que deixou seu posto no exército da Nova República por aversão à política que tomou conta do regime após a queda do Império. Há um rápido desentendimento (leia-se “luta”) entre ela e o Mandaloriano, mas ambos acabam baixando a guarda quando a Criança os descobre fora do bar.

Infelizmente, como Dune também está sendo procurada, agora há fugitivos demais em Sorgan, o que pode causar problemas. O Mandaloriano, então, decide procurar outro lugar para se esconder com a Criança… Até ser abordado por uma dupla de nativos que reconhecem sua armadura mandaloriana e pedem ajuda para enfrentar os bandidos que aterrorizam a vila onde vivem. Ao conhecer a vila, o protagonista acredita ter encontrado o lugar ideal para deixar a Criança: acolhedor, com crianças com quem ela poderá brincar e crescer em paz. Após resolver o problema dos bandidos, claro.

Para o próprio Mando, aliás, a vila é atrativa, com um possível interesse afetivo por uma das moradoras, Omera (Julia Jones). As interações entre ambos são o ponto alto do episódio, e revelam mais sobre o que há por baixo da armadura mandaloriana do protagonista. Inicialmente por curiosidade, mas depois por uma provável atração (mútua, que fique claro), Omera faz diversas perguntas para conhecer melhor o homem que se propôs a salvar a vila. É quando descobrimos que ele não tira seu capacete em público desde criança, quando fora resgatado por mandalorianos após seus pais serem mortos. Caso o tire, ele jamais poderá colocá-lo de novo. Ele foi criado dessa forma, esse é o caminho.

Como não há como defender uma vila sozinho contra uma gangue inteira, o Mandaloriano decide pedir ajuda para Cara Dune. Quem melhor que uma ex-soldado com experiência em combate contra stormtroopers, não? A dupla decide investigar a gangue, mas logo descobre que vai ter mais trabalho do que imaginava ao identificar as pegadas de um AT-ST, um transporte imperial de batalha com couraça e armamentos pesados. Se já era difícil em duas pessoas contra uma gangue, agora o buraco afundou ainda mais. Após se reunirem e debaterem com os moradores da vila, o jeito será enfrentar a gangue mesmo assim, mas treiná-los para que aprendam combate corpo-a-corpo e a manejar blasters. Por sorte, uma das moradoras já sabe atirar…

Com o treinamento dado pelo Mandaloriano, Dune e Omera, a vila agora está pronta para enfrentar os bandidos. O plano é simples: atrair o AT-ST até as lagoas que rodeiam a vila, de modo a fazê-lo tropeçar e cair. Enquanto o Mando e Cara vão até o esconderijo dos vilões, Omera lidera os moradores. Mas tarefa de atrais o AT-ST se mostra mais difícil do que o trio imaginara, já que ele simplesmente viu a lagoa e interrompeu seu avanço, preferindo atirar à distância. Simples. A solução encontrada pelos heróis é atirar no veículo até ele resolver dar um passo à frente. Uma solução simplória (e improvável) demais; se até ewoks conseguiram derrotar esses andadores em Endor (como visto em “O Retorno de Jedi“), espera-se que um notório caçador de recompensas e uma experiente soldado rebelde o façam com menos dificuldade.

Derrotado o AT-ST, a gangue de bandidos parte em debandada, pelo jeito para não voltar mais. Cara Dune e o Mandaloriano decidem seguir seus caminhos separadamente, apesar da boa dupla que formaram – a dinâmica de ambos funciona bem, apesar das deficiências do roteiro. O protagonista, vendo que a Criança se enturmou perfeitamente com os jovens locais, decide deixá-la na vila aos cuidados de Omera. Ela tenta persuadir ele próprio a ficar, sem sucesso. Antes do final, porém, Dune elimina um caçador de recompensas que buscava a Criança, deixando claro que Sorgan não é mais um lugar seguro para nenhum dos três.

Após o episódio anterior, a queda de qualidade em “Sanctuary” é sensível muito por conta do roteiro. A sensação de que funciona como side quest não é um problema e já funcionou antes, no segundo capítulo. As revelações do Mandaloriano sobre seu modo de vida, no entanto, contradiz parte do cânone previamente estabelecido nas séries “The Clone Wars” e “Star Wars Rebels“, que mostraram mandalorianos sem capacete diversas vezes. A expectativa por um esclarecimento mais profundo ficará para a segunda metade da temporada, com a questão dos refugiados mandalorianos também por ser resolvida.

“The Mandalorian” estará de volta na próxima sexta-feira, 6 de dezembro, via Disney Plus. Dave Filoni, que dirigiu o episódio de estreia da série, retorna ao posto.

Julio Bardini
@juliob09

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