Cinema com Rapadura

Colunas   quarta-feira, 06 de novembro de 2019

Conheça 15 excelentes curtas nordestinos exibidos no Festival Curta Cinema

O Festival Curta Cinema acontece no Rio de Janeiro entre os dias 30/10 e 06/11.

O Festival Curta Cinema acontece no Rio de Janeiro entre os dias 30/10 e 06/11. Além de workshops, laboratório de projetos, palestras e debates (que acontecem na casa Firjan), há, obviamente, a exibição de curtas-metragens em caráter competitivo e informativo (na Estação Net Botafogo e no CineMaison). Entre as várias obras exibidas com, no máximo, 30 minutos de duração, quinze curtas nordestinos participam do festival. De variados temas e estilos, todos emocionam e desafiam o espectador.

Tipoia

Tipoia”, do diretor Paulo Silver, é um documentário ácido sobre a crise econômica pela qual o país vem passando há alguns anos. Com foco em apenas uma pessoa, o curta ilustra não só o impacto da injustiça sofrida pelo trabalhador de classe baixa, como ainda consegue comentar sobre o descaso do governo com a cultura. É uma narrativa montada em cima de imagens de elementos quebrados e gastos. Seu incômodo gera empatia.

Brasil, Cuba

Brasil, Cuba” é uma produção brasileira e mexicana. Os diretores Bertrand Lira e Arturo de la Garza trazem outro documentário sobre uma cidade chamada Brasil, localizada em Cuba. Lá conhecemos um avô e um neto, e por meio da narração do idoso, aprendemos sobre a realidade cubana numa camada abaixo da aparente, onde ele discorre sobre religião, devoção, dever e amor pelo neto.

Caranguejo Rei

Caranguejo Rei” é um curta de ficção cheio de suspense. Os diretores Enock Carvalho e Matheus Farias usam o artifício visual de uma infestação de caranguejos para entregar uma obra kafkiana, cujo uso fabuloso da trilha e dos efeitos sonoros mergulha o espectador na crescente sensação de agouro sentida pelo protagonista.

Marie

Marie” é, como diz sua sinopse, um road movie, e o diretor Leo Tabosa faz uso desse elemento com louvor ao ilustrar as jornadas emocionais de seus personagens, que precisam aprender a lidar com fantasmas de seus passados e encontrar o perdão necessário. É uma obra sensível que discute a realidade de pessoas transgênero sem apelar para sexo.

Pop Ritual

Em “Pop Ritual”, o diretor Mozart Freire entrega uma experiência narrativa intrigante ao mostrar um padre e um vampiro numa relação que levanta questionamentos sobre quem é o real predador. Uma obra sem diálogos que valoriza os elementos visuais e a trilha sonora inquietante para levar o público numa viagem assustadora e agoniante.

Tempestade

O diretor Fellipe Fernandes também discorre sobre a crise econômica e seu impacto no trabalhador de classe baixa no curta “Tempestade”, onde o protagonista luta contra o estresse do dia a dia e contra suas alucinações, trazendo uma obra com ricas metáforas sobre o nascimento de revoltas populares.

Aqueles Dois

Novamente trazendo a temática de pessoas transgênero, o documentário “Aqueles Dois”, do diretor Émerson Maranhão, percorre a vida de Caio José e de Kaio Lemos. Ambos homens transgêneros que contam sobre suas vidas e os desafios que tiveram que encarar (e os que ainda encaram) perante a sociedade preconceituosa do século XXI. Ao trazer depoimentos de familiares, o impacto emocional nessas pessoas é sentido, gerando momentos tocantes e outros melancólicos.

Pelano!

Outro curta sensacional é “Pelano!”, trazendo uma visão distópica sobre as consequências do descaso com o meio-ambiente. Os diretores Calebe Lopes e Christina Mariani trazem uma fotografia cheia de tons beges, marrons, amarelos, vermelhos e laranjas, que dão uma sensação vívida do calor sentido pela protagonista. É uma obra que crítica o menosprezo sofrido por nordestinos e exalta a necessidade de cuidados básicos com o local que provê o sustento da população.

Um Ensaio sobre a Ausência

O diretor David Aynan traz o documentário “Um Ensaio sobre a Ausência”, ilustrando a vida de Rômulo, morador da periferia de Salvador, e suas tentativas de melhorar de vida. Para tal, precisa estar na capital e longe da família. É uma realidade difícil, onde a busca de maior dignidade não existe sem que laços familiares sofram. O curta não tem receio de escancarar os problemas e injustiças sociais a que grande parte da população é submetida, pois a “ausência” do título tem mais camadas do que se imagina.

Volta Seca

Em “Volta Seca”, temos a história de Marieta, que retorna a sua cidade-natal com uma antiga máquina fotográfica, revivendo memórias ao mesmo tempo que busca respostas. Paralelamente, o diretor Roberto Veiga nos apresenta Inácio, morador da cidade que cuida do filho pequeno e da mãe doente. Por meio do magnetismo que ambos sentem por alguma forma de arte, suas histórias vão se entrelaçando de uma forma quase tarantinesca, surpreendendo até a última tomada.

Caçador

Caçador” é uma obra sobre a realidade indígena em algum ponto do país. O diretor Leonardo Sette apresenta Nakuá, seu protagonista que está numa jornada de aprimoramento e autodescoberta. Com uma narrativa interessante numa obra falada num idioma indígena, o curta traz um protagonista aparentemente apático, mas cheio de camadas a serem exploradas.

Auto Falo

Auto Falo”, do diretor Caio Dornelas, é um mergulho nas fantasias do protagonista. Com uma precisa mudança de cores na fotografia e no cenário, a sensação de hipnotismo e deleite é facilmente transmitida e, com o ator principal bastante solto e à vontade, a linha entre o bizarro e a realidade vai se quebrando conforme se aprofunda nos desejos mais íntimos do personagem.

Thinya

Com uma linguagem altamente experimental, o curta “Thinya”, da diretora Leticia Leite Lia, traz uma proposta intrigante de como um discurso pode mudar uma imagem. Visualmente composto apenas por fotografias antigas de pessoas da aristocracia europeia, há uma narração em língua indígena discorrendo sobre os acontecimentos. O contraste gerado por esse fato e a maneira com que a diretora não deixa as fotos apenas estáticas ilustra a hipocrisia da xenofobia, além de dar uma bela cutucada na mente colonizadora daqueles que se acham superiores.

A Ética das Hienas

O diretor Rodolpho de Barros traz o curta “A Ética das Hienas”, onde discorre sobre o jeitinho brasileiro e como ele foi deturpado de maneira que muitos acabam aceitando a corrupção como algo menos grave do que realmente é, sem receio algum de explorar as consequências da ganância e mostrando que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.

Ilhas de Calor

Por fim, “Ilhas de Calor”, do diretor Arthur Macedo Ulisses, retrata o convívio de adolescentes numa escola. Com hormônios a flor da pele, o foco em casais heterossexuais e na posição dominante que os homens tentam exalar para as meninas ganha mais impacto quando o filme explora o poema feito por seu protagonista homossexual, fechando um ciclo narrativo que explora machismo e masculinidade tóxica e suas consequências.

O cinema nordestino tem muito, mas muito a dizer. Seus cineastas trazem obras sensíveis e ácidas, emocionantes e incômodas, reais e fictícias. E neste festival o público é convidado a questionar muito do status quo e das injustiças oriundas do mesmo. Arte fazendo o que a arte faz de melhor.

Bruno Passos
@passosnerds

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