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Colunas   quinta-feira, 05 de outubro de 2017

Cyberpunk: Do visual neon à distopia futurista

"O céu sobre o porto tinha a cor de televisão sintonizada num canal fora do ar". William Gibson - "Neuromancer".

“Blade Runner” é um dos filmes mais importantes para a ficção científica. Os subtextos, os conceitos e o visual são tão únicos que basta olhar para uma cena isolada e é fácil saber qual filme estamos vendo. E com a sequência, “Blade Runner 2049”, é muito provável que teremos algo parecido. Ao menos é o que o material de divulgação tem nos apresentado. Mas de onde exatamente vem esse conceito visual? O Cinema Com Rapadura reuniu várias informações para te deixar muito bem informado sobre o tema.

Cyberpunk

O cyberpunk pode ser considerado um subgênero da ficção científica. É uma temática que nasceu na literatura e não demorou muito para chegar ao cinema. E o livro “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” – que deu origem ao “Blade Runner” (1982), é um dos precursores desse estilo. Mas definir o ponto de partida seria um erro anacrônico.

Como quase todos os gêneros ou temáticas na literatura, o cyberpunk é a soma de diversas características anteriores ao próprio termo. Da série “Robôs” de Isaac Asimov ao “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” de Philip K. Dick, existem diversos elementos que fazem parte do que veio a ser chamado de cyberpunk nos anos 80, mas a essência está na abordagem de sociedades distópicas, num mundo excessivamente cibernético, com doses de romance noir. Tudo isso para criar elaboradas críticas à sociedade, em obras que parecem estar cada vez mais atuais.

Mas, mesmo não tendo apenas um livro que criou toda essa temática, existe uma obra que nasceu intencionalmente com esse conceito. Foi criada a partir desses elementos e foi fundamental por popularizar o gênero. “Neuromacer” conta a história de Case, um cowboy do ciberespaço e hacker da matrix (mundo virtual). Depois de tentar enganar seus chefes, seu sistema nervoso foi contaminado por uma toxina que o impede de entrar na matrix. Agora, ele vaga pelos subúrbios de Tóquio, cometendo pequenos crimes para sobreviver, e acaba se envolvendo em uma jornada que mudará para sempre o mundo e a percepção da realidade.

“Neuromancer” é uma evolução direta de “Blade Runner” e a base para o clássico moderno “Matrix” (1999). Romance de estreia de William Gibson, um dos escritores que melhor conseguiu utilizar a temática na literatura. O livro ainda conta com duas continuações, “Count Zero” e “Monalisa Overdrive”, que fecham a chamada “Trilogia do Sprawl”, talvez a representante máxima do cyberpunk. Mas como um estilo não se limita a seu principal exemplo, são dignos de notas escritores como Bruce Sterling, John Shirley, Walter Jon Williams, Pat Cadigan e George Alec Effinger

No cinema

Naturalmente, com o sucesso dos livros e a riqueza visual da temática, não demorou muito para que o cyberpunk virasse temática de diversos filmes. E os anos 80 nos presentearem com obras maravilhosas dentro desse subgênero, que segue influenciando obras até hoje. Abaixo segue uma lista com alguns dos mais clássicos e outros menos conhecidos, mas que merecem uma chance na lista de todo o cinéfilo.

Crazy Thunder Road / Kuruizaki Sanda Rodo (1980)
Direção: Gakuryu Ishii

Quando o líder da gangue de motociclistas de Tóquio se apaixona por uma garçonete e rapidamente perde os seus ideais rebeldes, o resto da gangue se sente traída. Ken, o garoto supostamente perturbado, se volta contra seu ex-amigo e encoraja os outros membros a se juntar a ele na formação de uma nova gangue. A atitude hostil da gangue nova faz com que a outras gangues declarem guerra, e como Ken não é poderoso o suficiente para se defender dos outros, ele precisa da ajuda do antigo líder.

Matrix (1999)
Direção: Lana Wachowski e Lilly Wachowski

Thomas Anderson, jovem programador de computador atormentado por estranhos pesadelos, nos quais encontra-se conectado por cabos, e contra a sua vontade, em um imenso sistema de computadores do futuro. Em todas essas ocasiões, acorda gritando no exato momento em que os elétrodos estão para penetrar seu cérebro. À medida que o sonho se repete, Anderson começa a ter dúvidas sobre a realidade. Por meio do encontro com os misteriosos Morpheus (Laurence Fishburne, “Batman vs Superman”) e Trinity (Carrie-Anne Moss, “Frankstein”), Thomas descobre que é, assim como outras pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real enquanto usa os cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia.

Existenz (1999)
Direção: David Cronenberg

Uma importante e experiente designer de jogos de realidade virtual é a criadora de um novo jogo interativo chamado eXistenZ, e acaba por ser vítima de uma intensa e feroz perseguição por um grupo de fanáticos fundamentalistas que a querem morta. Em fuga desesperada, ela é obrigada a esconder-se juntamente com um segurança que está decidido a protegê-la contra os fanáticos. Todavia, durante a perseguição, os dois foragidos experimentam um mundo novo e desconhecido onde os limites entre a fantasia e a realidade não existem e nada é o que aparenta ser.

Avalon (2001)
Direção: Mamoru Oshii

Num futuro não muito distante, Avalon é um viciante jogo de realidade virtual que oferece generosas recompensas financeiras, bem como uma tentadora e arriscada fuga à realidade esbatida do dia-a-dia.

THX 1138 (1971)
Direção: George Lucas

O primeiro filme dirigido por Lucas (“Star Wars”) é uma obra psicodélica sobre um futuro asséptico onde a população é forçada a viver em grandes cidades subterrâneas controladas por computadores. Coisas como o livre arbítrio, religião, desejos e sexo são proibidos. Todos são controlados por drogas que reprimem seus pensamentos e os deixam “dóceis” para fazerem suas funções na sociedade de maneira que não interfira no “equilíbrio” das coisas. Até que o humano THX-1138 (Robert Duvall, “O Juiz”) com sua parceira desafiam o sistema não apenas para defender seu romance (que é proibido), mas para tentar escapar da cidade subterrânea e viver livres no “mundo de cima”. Não é difícil notar as profundas influências de célebres obras como “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley e “1984”, de George Orwell. Lucas foi muito corajoso em fazer sua estreia no cinema com um filme tão “experimental” para a época, principalmente nos Estados Unidos (algo raro até hoje). O filme é muito bem montado e a caracterização é bastante convincente, levando em conta os recursos técnicos que tinham e o orçamento minguado.

Estranhos Prazeres / Strange Days (1995)
Direção: Kathryn Bigelow

Em 1999, a cidade de Los Angeles está dominada pela violência. Um contrabandista de emoções humanas gravadas em CD tenta resgatar sua ex-namorada das mãos de um terrível gângster e acaba se envolvendo com policiais corruptos, conflitos raciais e o submundo da cidade.

Dante 01 (2008)
Direção: Marc Caro

O sobrevivente de um massacre alienígena é acusado do crime e vai para a DANTE 01, uma estação espacial prisional que abriga os mais perigosos criminosos da galáxia. Mas ele foi afetado pelo alienígena, que lhe deu poderes sobrenaturais.

Hardware – O Destruidor do Futuro (1990)
Direção: Richard Stanley

Ar, comida e moradia de menos. Violência e radioatividade demais. Assim é o mundo do futuro. Dentro do seu apartamento, que é uma verdadeira fortaleza, a escultora Jill transforma o crânio de um robô numa obra de arte. Mas o crânio cibernético, pintado com a bandeira americana e encontrado no deserto por um andarilho, tem nome e função. Trata-se do Mark 13, arma secreta desenvolvida pelos militares para controlar a caótica situação do planeta. Durante a noite, Mark 13 usa seus poderes cibernéticos para se auto-reparar e cumprir uma programação diabólica: matar todos os seres humanos impiedosamente.

O Teorema Zero / The Zero Theorem (2013)
Direção: Terry Gilliam

Qohen Leth (Christoph Waltz, “007 Contra Spectre”) é um habilidoso hacker de computador que vive em uma constante crise existencial. Ele é instruído por uma empresa fantasma chamada Management para resolver o enigma do “Teorema Zero”, uma fórmula matemática que determinará a razão da existência dos homens e se a vida possui algum sentido. Obcecado por essa missão, ele encontra obstáculos que interrompem seu trabalho. Qohen espera por um telefonema que contém todas as respostas que ele procura.

O Vingador Do Futuro / Total Recall (1990)
Direção: Paul Verhoeven

O que é realidade quando você não pode confiar na sua própria mente? Douglas Quaid é um operário perseguido em sonhos por visões de Marte. Casado com Lori, ele vive uma vida tranquila e feliz. Até que um dia resolve procurar a agência de viagem Recall, empresa que oferece aos seus clientes a chance de ir para qualquer lugar da galáxia, sem sair do planeta. Mas durante a viagem ocorrem problemas, e quando Quaid retorna, passa a ser perseguido por aqueles que acreditava serem seus amigos.

Blade Runner e Blade Runner 2049

Mas quando se fala de cyberpunk no cinema, não tem como ignorar “Blade Runner, O Caçador de Androides”. Dirigido por Ridley Scott (“Alien: Covenant”), o filme conseguiu traduzir muito bem a linguagem usada por Philip K. Dick, ao mesmo tempo que criou uma obra que se mantém muito atual. No filme, um grupo de androides provoca um motim em uma colônia fora da Terra. Este incidente faz os replicantes (como são chamados os androides) serem considerados ilegais na Terra, sob pena de morte. A partir de então, policiais de um esquadrão de elite, conhecidos como Blade Runners, têm ordem de atirar para matar em replicantes encontrados na Terra. Até que, em novembro de 2019, quando cinco replicantes chegam à Terra, um ex-Blade Runner (Harrison Ford, “Star Wars”) é encarregado de caçá-los.

Com um visual que mistura muito bem o noir dos anos 40 com o neon da futurista Los Angeles, “Blade Runner” é fonte de inspiração para grande parte dos filmes que abordam a temática cyberpunk. O visual chique-brega e tecnologia futurista são apenas algumas das alegorias que o filme criou para questionar a nossa sociedade. O resultado é uma obra que pode facilmente ser considerada um clássico moderno do cinema.

E aproveitando o potencial criado pelo filme, a sequência “Blade Runner 2049” consegue manter a temática futurista ao mesmo tempo que atualiza a proposta. Desta vez o Blade Runner é o agente K (Ryan Goslig, “La La Land”) que precisa investigar uma ameaça que pode por em risco toda a espécie humana. O filme ainda trata dos mesmo temas, que procuram lançar um olhar de reflexão sobre a nossa sociedade. E, assim como o primeiro, utiliza o futuro que devemos evitar para nos mostrar o quão próximo dele nós já estamos. Essa é, talvez, a discussão mais importante do cyberpunk.

E você, gosta da temática? Qual sua expectativa para “Blade Runner 2049”? Escreva nos comentários!

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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