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Colunas   terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Por Zeus! – Os mitos gregos queimam no Tártaro do cinema

Ao longo dos anos, diversas produções buscaram recontar as fascinantes lendas gregas, a maioria sem sucesso.

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A mitologia grega surgiu principalmente da necessidade dos gregos desvendarem e explicarem a natureza do mundo, suas próprias origens e a definição de sua cultura e práticas rituais. Era também a forma que encontraram para preservar a história de seu povo e suas tradições, uma maneira de buscar fornecer um significado para suas questões políticas, econômicas e sociais.

Os mitos eram transmitidos oralmente por meio de contadores de histórias, oradores do povo. Por isso, não existe uma narrativa escrita 100% exata da mitologia original e várias publicações com leves diferenças uma para outra podem ser encontradas nas estantes de bibliotecas e livrarias. Essa tradição oral também incentivou a prática teatral na Grécia, sendo que sua mitologia era o principal tema abordado nas peças.

troia02Não existem dúvidas que a mitologia grega é uma das mais fascinantes da história mundial. Ela continua sendo fortemente estudada e extremamente valorizada em alguns países, como na Itália (que incentiva o aprendizado da língua grega em algumas escolas). Devido à forte influência e interesse gerado no público em geral, nada mais natural que os grandes mitos e heróis acabassem retratados pelo cinema. Ao longo dos anos, vários filmes trouxeram para mais perto de nós essas histórias.

No entanto, parece que existe uma áurea negra ao redor dos filmes mitológicos, já que são poucos aqueles que realmente conseguem ter uma repercussão positiva entre críticos e público em geral. É claro que é preciso ter um distanciamento ao apreciar uma adaptação, mas, ao contrário de outras adaptações, como de livros e HQs, grande parte das produções baseadas na mitologia grega procura desviar drasticamente dos mitos originais, usando os nomes tão conhecidos em histórias diferentes e novas.

Este ano, dois novos filmes mitológicos ganham destaque nas salas de cinema, ambos sobre um dos maiores heróis gregos: Hércules. A primeira versão do mito é protagonizada por Kellan Lutz (“Crepúsculo”), que já está em cartaz nas telonas, trazendo um Hércules bastante romantizado e melodramático. A segunda versão é protagonizada por Dwayne Johnson (“Velozes & Furiosos”) e está em fase de pós-produção. A trama irá focar em um período após os 12 Trabalhos e contará com um Hércules realmente musculoso e aparentemente mais brutamontes.

“Os 12 Trabalhos de Hércules” é uma das lendas mais conhecidas da mitologia grega. Originalmente, o herói nasceu de uma união entre Zeus e a mortal Alcmena, sendo odiado por Hera e perseguido pela vingativa deusa. Conhecido por sua força e por ser um grande guerreiro, Hércules se casou com Mégara. Em um acesso de loucura provocado por Hera, o herói grego matou sua esposa e filhos. Sua punição foi servir a seu primo Euristeu, rei de Argos, que o incumbiu de realizar 12 tarefas impossíveis de serem feitas por um simples mortal. Ao final de sua missão, Hércules conseguiu conquistar a imortalidade.

Separamos aqui alguns filmes que buscaram retratar a mitologia grega, entre eles a Guerra de Tróia, a Odisseia e as lendas de Perseu e Teseu.

“A Odisseia” (1997), de Andrey Konchalovsky

http://www.youtube.com/watch?v=iDIz4Ga7Mcg

Provavelmente o que mais fielmente retratou a mitologia grega dentre os filmes aqui listados. O longa-metragem foi feito especialmente para a televisão, mas é considerado por muitos críticos melhor que outras produções feitas para o cinema e que também contam as histórias narradas por Homero. O filme relata as aventuras vividas por Ulisses (também conhecido por Odisseu, em grego) para retornar ao lar e à sua família após a vitória na Guerra de Troia. Para poder se reencontrar com Penélope, sua amada esposa, Ulisses enfrenta vários percalços e conflitos com diversos monstros e deuses, sempre aconselhado por Athena. O filme também mostra brevemente a Guerra de Troia. Mesmo com efeitos datados, o figurino e o roteiro são muito bons e bem fieis à mitologia.

“Hércules” (1997), de Ron Clements e John Musker

Outra versão da história de Hércules, a animação possui o tradicional toque da Disney: leve, cheio de músicas, romance e aventura. Por mais que a mitologia original tenha sido bastante adaptada para amenizar a lenda do herói grego e poder ser mais bem apreciado por seu público infantil, o filme é delicioso de ser visto. Nessa versão, Hércules é filho de Zeus e Hera, enquanto na mitologia original esta odeia o semideus, por ele ser filho ilegítimo de Zeus e uma mortal. No filme da Disney, Hércules é adotado por um casal de mortais e sofre por não conseguir conter sua força sobre-humana. Ele precisa descobrir quem realmente é e, para provar ser digno de habitar o Olimpo junto com a sua família divina, deve enfrentar seus tão conhecidos 12 Trabalhos. No meio tempo, ele conhece e se apaixona por Mégara. O sucesso do filme levou à realização de uma série para TV.

“Troia” (2004), de Wolfgang Peterson

O filme busca narrar os eventos que envolveram a Guerra de Troia, embate causado pelo relacionamento complicado entre Páris e Helena. Ao mesmo tempo, o enredo explora um pouco mais a história de Aquiles, o guerreiro imbatível, colocando-o como personagem de destaque da trama junto a Páris e Heitor. No entanto, apesar de a premissa parecer explorar bem a mitologia grega, o filme exclui totalmente qualquer intervenção e influência divina, os relacionamentos entre deuses e mortais e o próprio conflito entre as divindades com relação ao lado vencedor da guerra e suas artimanhas para ajudar seus protegidos mortais. Existem alguns outros desvios realizados na história, dentre eles a duração da guerra e a super romantização do relacionamento entre Páris e Helena. Afora esses conflitos costumeiros entre adaptação e mitologia original, o filme não recebeu resposta positiva da maioria dos críticos de cinema, apesar de ter alguns pontos de destaque, como figurino, efeitos especiais e as cenas de combate.

Fúria de Titãs” (2010), de Louis Leterrier, e “Fúria de Titãs 2” (2012), de Jonathan Liebesman

O primeiro filme e sua sequência se baseiam no mito de um dos heróis gregos mais conhecidos: Perseu. Sua história já havia sido contada anteriormente em 1982 em um filme britânico de mesmo nome, dirigido por Desmond Davis e com participação das incríveis criaturas do mago da animação Ray Harryahausen. Na trama, existe um conflito crescente entre os deuses do Olimpo e os humanos. Para se vingar, Zeus intende liberar o Kraken, terrível monstro marinho, para destruir a cidade de Argos e devorar a princesa Andrômeda. Para combater essa adversidade, Perseu, também filho de Zeus, deve partir em uma missão para descobrir como matar o monstro. No segundo longa, Perseu enfrenta diversos monstros, tais como a Quimera, o Minotauro e ciclopes, com o objetivo de impedir a ascensão dos titãs e o fim do mundo. Apesar de ser um filme de ação, o primeiro capítulo de “Fúria de Titãs” é bem chato e recebeu várias críticas negativas, principalmente pela atuação insossa de Sam Worthington. O segundo se mostra mais dinâmico e cativante, principalmente pela luta tão aguardada entre deuses olímpicos e os monstruosos titãs. Mesmo assim, existem várias diferenças entre os filmes e a mitologia original, principalmente no segundo longa, que procura inserir aventuras e tramas de outros heróis.

“Percy Jackson e o Ladrão de Raios” (2010), de Chris Columbus, e “Percy Jackson e o Mar de Monstros” (2013), de Thor Freudenthal

A série de filmes é baseada nos livros escritos por Rick Riordan sobre semideuses e os deuses do Olimpo. Na trama, a mitologia grega é trazida para os dias atuais, tendo como adicional a criação dos semideuses (filhos dos deuses) e seu acampamento onde são treinados e podem ser quem realmente são longe dos olhos mortais. Percy Jackson é filho de Poseidon e, no início do filme, desconhece sua história e a existência das divindades olímpicas. Assim como Harry Potter, ele se vê envolvido em uma série de aventuras com os dois melhores amigos, Annabeth (filha de Athena) e o sátiro Grover, até o momento em que descobre seu potencial para ajudar a salvar o mundo. No segundo filme, Percy descobre não ser o único filho de Poseidon no acampamento e conhece seu meio irmão e ciclope, Tyson. Os filmes não tiveram uma boa recepção dos fãs da obra de Riordan, não só pelo tradicional conflito entre obra original e adaptação, mas por serem considerados ruins mesmo. Principalmente o primeiro.

“Imortais” (2011), de Tarsem Singh

Talvez uma das piores adaptações já realizadas baseadas em mitologia grega, acumulando várias críticas negativas. Em um mundo que parece estar chegando ao fim, Teseu é o único que pode enfrentar o Rei Hipérion e impedi-lo de libertar os titãs, assim salvando tanto mortais quanto os deuses olímpicos. Por mais que possa parecer um bom filme de ação, a trama é bastante cansativa, principalmente para os espectadores que realmente se incomodam com mudanças drásticas na mitologia original. Tarsem Singh parece abusar da livre interpretação e apenas usa os nomes dos heróis e mitos em uma história totalmente nova. Acredito que seja bem difícil encontrar apreciadores de um mundo onde o deus Apolo pode ser morto por um chicote flamejante (Zeus aparentemente abandonou seus famosos raios), os monstruosos titãs se assemelham a zumbis carbonizados e o temível Minotauro não passa de um homem mascarado e sem testículos. Visualmente falando, ainda é notável observar a inspiração que “300″ (Zach Snyder) exerceu sobre a direção de arte de “Imortais”.

Adele Lazarin
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