Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de abril de 2020

Sergio (Netflix, 2020): quando a grandeza está além da obra

Filme sobre o diplomata brasileiro Sergio de Mello tem boas atuações, mas se perde em clichês hollywoodianos.

Para a construção do cenário político brasileiro, certas figuras foram essenciais. Dentre elas, Sergio Vieira de Mello, diplomata brasileiro e funcionário da Organização das Nações Unidas que ganhou notoriedade ao se destacar como um exímio negociador e protetor dos Direitos Humanos, chegando a ser considerado o maior nome para substituir o então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan. O trabalho de Sergio era tão crucial para a Organização que, em 2003, Annan o indicou como seu representante especial no Iraque, para que este assumisse o papel de mediador das mudanças que ocorreriam após a queda de Saddam Hussein. Baseado na vida do diplomata brasileiro, “Sergio” retrata o caos político-social que era vivido naquele momento.

O filme dirigido por Greg Barker, que também realizou um documentário homônimo sobre o diplomata, é contado a partir de uma narrativa não-linear de acontecimentos importantes que marcaram a vida (pessoal e profissional) de Sergio de Mello (Wagner Moura). Ele destaca dois momentos específicos: entre 1999 e 2002, quando trabalhou como administrador de transição da ONU em Timor-Leste, onde conheceu Carolina Larriera (Ana de Armas), economista argentina com quem manteve um relacionamento até sua morte; e em 2003, quando serviu como mediador no Iraque e, por isso, acabou sendo alvo da Al Qaeda.

Logo em seus primeiros minutos, o protagonista é mostrado fazendo um discurso para um vídeo motivacional da ONU. Com a voz impostada, o semblante sério e a postura impecável, ele se apresenta, já nesse momento preliminar, como um homem poderoso e de extrema influência. Ouvi-lo se manifestar é como escutar um super-herói motivar sua equipe antes de uma missão importante. Apesar de a princípio não conseguir captar totalmente o personagem, Wagner Moura vai, aos poucos, se encontrando no papel de Sergio, encarnando toda a sua gestualidade, inclusive seu sorriso largo e simpático, uma das maiores marcas do carioca.

Porém, o grande imbróglio quando se trata da sua representação no longa é a forma como Barker, em sua direção, o transforma em uma versão diplomata e latina de James Bond, sempre o colocando em uma posição de grande virilidade. As cenas em que ele pratica exercícios e na forma como acelera sua moto sem parecer ter preocupação alguma são alguns exemplos disso. Ao fazer isso, o diretor desperdiça a chance de mostrar Sergio em toda sua heterogeneidade e complexidade (sua fama de mulherengo e sua relação com os filhos, por exemplo, são pouquíssimo exploradas), além da intriga política que o cercou. Ela que deveria ser o ponto central da história acaba perdendo lugar para uma narrativa que ressalta mais o seu status de galã do que seu trabalho como diplomata e representante da ONU.

Se tratando de Carolina, que é tão essencial para a obra quanto seu protagonista, Ana de Armas convence ao entregar uma personagem de uma elegância e graciosidade distinta, fazendo com que sua relação com Sergio seja o que há de mais interessante no filme. A química entre os dois atores, aliás, é notória. Assim, vê-los se conhecerem, flertarem, se apaixonarem e ficarem juntos cativa a audiência mais que os eventos paralelos, trazendo para si o protagonismo da trama. Porém, por mais agradável que sejam Moura e de Armas juntos, isso se perde quando o roteiro, assinado por Craig Borten, e a direção de Barker optam por retratar essa relação utilizando clichês que parecem terem sidos tirados de uma comédia romântica dos anos 1990. Trata-se da cena do beijo na chuva; do passeio de moto com Sergio dirigindo e Carolina na garupa; da cena de sexo abrupta e totalmente desnecessária, apesar de bem fotografada. Quando esses clichês juntam-se ao caráter de galã que foi colocado em Sergio, a ‘jamesbondização’ afeta a produção e a sensação é, justamente, de estar assistindo 007 e uma de suas bond girls.

Mesmo com todos os problemas, “Sergio” tem seu mérito ao contar a história de um homem que tanto significou para o nosso país e para o mundo. Sua morte foi tão significativa que mudou os moldes das Nações Unidas até os dias de hoje. Além disso, consegue entreter ao apresentar uma narrativa equilibrada, fácil de entender e bem filmada (destaque para as cenas pós-bombardeio). Mas, ainda assim, a grandeza do longa parece estar mais presente em seu nome do que no filme em si, que acaba se tornando esquecível por apostar em uma fórmula que não se encaixa em sua história.

Ana B. Barros
@rapadura

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