Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 16 de abril de 2024

Guerra Civil (2024): espetáculo sensorial, contexto minimalista

Primeiro filme com ambições de blockbuster da A24 desafia o espectador em cada minuto de suas quase duas horas de duração.

Uma das queridinhas dos fãs de cinema e entretenimento nos últimos anos, a A24 vem se esforçando para diversificar seu catálogo. Ao começar como uma distribuidora de produções  independentes, muito de sua imagem como estúdio também ficou marcada por isso: obras focadas em jornadas individuais, fáceis de se identificar para quem vive o século XXI no cotidiano corrido, um pouco mais contemplativos. Pois não espere nada disso ao sentar para assistir a “Guerra Civil” nos cinemas. Este é o primeiro filme com ambições de blockbuster da A24, e desafia o espectador em cada minuto de suas quase duas horas de duração.

A trama acompanha a fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst) e o redator Joel (Wagner Moura) em meio a uma guerra civil que dividiu os Estados Unidos em diversas facções políticas num futuro não tão distante — e não tão improvável. A dupla pretende conseguir a entrevista final com o último presidente dos EUA (Nick Offerman), mas para isso, precisa atravessar um país dividido e enfrentar uma sociedade em guerra consigo mesma. A coisa piora quando Joel, que costuma se deixar levar por impulsos, convida o veterano Sammy (Stephen McKinley Henderson) e a novata Jessie (Cailee Spaeny) para acompanhá-los, contrariando Lee e adicionando um peso à jornada que pode mudar completamente seu destino.

Ao longo do trajeto, o grupo se depara com cenários grotescos sob todos os aspectos. O longa faz questão de deixar claro que boa parte dos conflitos que estão acontecendo no país naquele momento ocorrem apenas porque um lado apontou a arma primeiro, sem que haja necessariamente uma razão ideológica ou política por trás. Mas se engana quem acha que “Guerra Civil” é um filme apolítico. Com um contexto minimalista, a direção de Alex Garland é carregada de nuances, algo que pode enganar um espectador desavisado. A identificação está nos detalhes, e é isso que desafia a noção corriqueira de um blockbuster: talvez seja preciso mais de uma assistida para perceber o que realmente está acontecendo naquele país. O próprio Garland preferiu retirar uma cena inicial de contextualização, para que tudo ficasse realmente a cargo do espectador.

O principal destaque, entretanto, fica por conta das atuações poderosas do elenco principal. O contraste entre a sisudez de Kirsten Dunst e a impulsividade de Wagner Moura age quase como uma guerra civil dentro do próprio carro onde boa parte do filme se passa, regendo o tom de toda a produção. É o primeiro trabalho de Dunst e Moura sob a batuta de Alex Garland, e o entrosamento da dupla conduz atuações igualmente contundentes por parte dos já habituados Henderson e Spaeny.

O fato de os protagonistas serem jornalistas dá a Garland um pretexto para colocá-los dentro da ação de uma forma que nem eles, nem o público, provavelmente já estiveram. Isso é possível graças a um trabalho impecável de edição de som, o grande responsável pelo efeito imersivo de “Guerra Civil”. À medida que os protagonistas se aproximam de seu destino, o som da guerra se torna tão presente que é incorporado ao de qualquer momento cotidiano até tornar-se ensurdecedor e subjugar os próprios personagens, experientes em cobertura de guerra.

“Guerra Civil” é um verdadeiro desafio ao espectador. Apesar da palavra “blockbuster” normalmente carregar uma conotação contrária ao que a A24 e Alex Garland costumam levar aos cinemas, seu novo filme é um um banquete para espectadores atentos. Longe de ser vazio ou “chapa branca”, ele também é um convite para aqueles que estiverem dispostos a se abrir para esse novo modelo.

Julio Bardini
@juliob09

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