Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de abril de 2024

Rivais (2024): desejo e conquista em jogo

O diretor Luca Guadagnino usa o esporte como metáfora para desejos e paixões neste longa sensual, visualmente deslumbrante e surpreendentemente divertido.

(Divulgação/Warner Bros.)

O desejo e a competição são coisas inerentes à experiência humana típica. Desejamos e competimos por melhores condições de vida, glória, parceiros sexuais… É algo primordial que, nos dias de hoje, tentamos racionalizar de várias maneiras em nossa civilização. “Rivais” trata disso, usando o esporte como metáfora — até por ser exatamente uma das formas socialmente aceitas para exprimir esses instintos.

Dirigido por Luca Guadagnino (“Me Chame Pelo Seu Nome”, “Suspiria”) e escrito por Justin Kuritzkes, o longa conta a história de dois amigos, Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor), tenistas cujas sinas se entrelaçam com a da prodígio do esporte Tashi (Zendaya) em um torneio juvenil.

Tashi e Art se casam depois dela ter tido sua carreira encurtada por uma grave contusão. Ambos se tornam o casal mais poderoso do mundo do tênis, ela agora no papel de treinadora e agente do marido, este cada vez mais desprovido de garra por ter chegado ao topo. Já Patrick tem seu potencial desperdiçado graças à própria displicência, estando bem próximo do fundo do poço sem jamais ter alcançado muita coisa. Ao se reencontrarem em um torneio em um momento crítico de suas vidas, após anos separados, os três têm de lidar com anos de conflitos e tensões nunca superados.

O roteiro logo de cara deixa claro que, mesmo sem envolvimento sexual, o casal inicial da trama é aquele formado por Art e Patrick, em uma relação de amizade que é abalada pelo mesmo objeto de desejo. Já Tashi, mesmo que diga que não é uma “destruidora de lares”, sente excitação por ser disputada pelos dois amigos. Enquanto juntos, Art e Patrick se completavam. Não só os defeitos e virtudes de um compensavam os do outro, mas havia toda uma troca estabelecida ali, piadas internas e uma cumplicidade óbvia e sincera, com os dois estando extremamente à vontade entre eles.

A química entre Mike Faist e Josh O’Connor aqui é excelente e deveras natural, com o maior recato de Art se mesclando com a impetuosidade de Patrick de forma única. Isto está presente também no visual dos atores, com os traços mais finos de Faist contrastando com a masculinidade mais tradicional e crua de O’Connor.

A chegada de Tashi é tratada pelo filme como seu principal evento provocador. Sua introdução nesta equação causa um claro desequilíbrio, algo que fica nítido desde o momento inicial, onde ela tonteia os dois com sua beleza e presença imponente. E é aqui que brilha a estrela de Zendaya. O grande desafio da jovem atriz — que ela consegue superar com êxito — é mostrar que as ações da sua personagem são fruto mais da sua própria natureza do que de malícia, impedindo que o público antipatize com ela, mesmo com todo o estrago que provoca. Impossibilitada de jogar o esporte onde ela centrava suas paixões e de toda glória o acompanhava, Tashi busca outras formas de exercer controle e agência, as coisas que a definem.

Tashi não é a trágica Catherine de “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois” (François Truffaut, 1962), por exemplo. Sua relação para com Art e Patrick está mais para aquela entre o personagem-título de “Tubarão” (Steven Spielberg, 1975) e a cidade de Amity, uma força da natureza que derruba todo um status quo estabelecido, mesmo — ou especialmente quando — ferida. Só que, ao contrário do “Bruce” de Spielberg, ela é atraída por tesão, joie de vivre, não por sangue. O grito dela ao perceber isso nela mesma ou em outros é o seu momento orgásmico.

Guadagnino e Kuritzkes usam uma partida entre Art e Patrick como base para a estrutura narrativa, algo similar ao que fez a animação “The First Slam Dunk” (Takehiko Inoue, 2022). O cineasta, seu diretor de fotografia, Sayombhu Mukdeeprom, e o montador, Marco Costa, todos colaboradores corriqueiros, estabelecem uma dinâmica única para a partida e para a trama, enriquecendo visualmente a metáfora sobre desejo e competitividade em um retrato único e emocionante do esporte na telona. Eles ainda espelham as relações pessoais entre seus personagens, tudo isso ampliado pela trilha absurda da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, em seu melhor trabalho desde “A Rede Social” (David Fincher, 2010).

Sexy, vibrante e surpreendentemente divertido, “Rivais” desde já se mostra como mais uma joia na ótima filmografia de Luca Guadagnino. Espero que o italiano continue a explorar as paixões e anseios humanos na telona por muito tempo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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