Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Bad Boys Para Sempre (2020): o amadurecimento chega à bala

Terceira parte da história sobre a dupla policial discute o peso da culpa e do legado que Mike e Marcus estão deixando no combate ao tráfico em Miami, mas não sem escorregar em alguns estereótipos cansativos.

Quando se planeja uma continuação de um longa lançado em 1995, que também teve sua segunda parte lançada 17 anos atrás, é difícil querer que as coisas continuem da forma como surgiram, ainda mais mantendo o elenco principal que tanto marcou época. Falar sobre passado, culpa, redenção e legado se torna inevitável, e nem sempre estes temas são abordados com boa vontade. Felizmente, no caso de “Bad Boys Para Sempre”, o bom humor é o fio usado para costurar o peso do passar do tempo junto às cenas de ação que conquistaram o público há 25 anos, mas sem perder o carisma enquanto mostra que as coisas mudaram, e que isso faz parte.

Difícil não pensar que parte desta evolução se deve ao fato de o cargo de diretor não estar mais nas mãos de Michael Bay, que deu origem aos “bad boys”, mas sim dos cineastas belgas Adil El Arbi e Bilall Fallah, que aqui assumem o comando e o roteiro do primeiro blockbuster de suas carreiras. Com a mudança, o pano de fundo no qual Marcus Burnett (Martin Lawrence) e Mike Lawry (Will Smith) estão inseridos ganham alguma profundidade. Marcus se torna avô e vê no neto recém-nascido uma possibilidade de viver de forma diferente. Mike se recusa a admitir que pinta seu cavanhaque para esconder os fios brancos para que, assim, possa manter sua pecha de policial galã que anda em carros de luxo pelas ruas de Miami sem assumir qualquer responsabilidade que a maturidade traz consigo. Afinal, “somos bad boys”.

Mas Marcus não consegue parar de “identificar sinais” de que chegou a hora da aposentadoria, sendo o mais óbvio deles uma tentativa de assassinato cometida contra Mike pelo filho da “rainha” de um dos maiores cartéis do México (e até apelando para a religiosidade e a moda atual do mindfulness). E mesmo após a experiência de quase morte, Mike continua negando que já não é mais tão ágil quanto antes, e que sua missão de vida é matar bandidos, especialmente o que tentou tirar sua vida. Porém Mike aprende do pior jeito que a vida cobra as dívidas pendentes, e Marcus tenta arrumar algum sentido para a sua própria existência enquanto ambos se veem sendo ultrapassados por um esquadrão da polícia mais jovem e mais tecnológico, mas que mantém o respeito pelo legado da dupla.

Não só a direção de El Arbi e Fallah tenta se manter com os pés no chão e atento aos novos desafios de Mike e Marcus como também tenta trazer um frescor à trama que ultrapassa a inclusão do esquadrão de jovens que auxilia a dupla a descobrir quem tentou matar Mike. A ambientação neon que se tornou quase obrigatória nos clipes de música mais recentes (especialmente em videoclipes de reggaeton) e adição de dois nomes grandes da música contemporânea, como o reggaetonero Nicky Jam no papel de um dos principais traficantes do cartel e o produtor DJ Khaled interpretando (ainda que quase como uma participação especial) um açougueiro e vendedor ilegal de armas e munição, também faz parte da tentativa de modernização da franquia e contextualização da imagem atual de uma Miami culturalmente diversificada.

Ao mesmo tempo, “Bad Boys Para Sempre” ainda derrapa em estereótipos já cansativos de filmes sobre cartéis e sobre cultura latino-americana, como a vilã mexicana que é tachada de bruxa pela dupla americana porque reza para a Santa Muerte, figura popularmente conhecida pela cultura católica do México e fortemente associada a traficantes e cartéis; as policiais mulheres “osso duro de roer” que ainda cumprem o papel de femme fatale durante a missão que exige um certo nível de disfarce; e até mesmo algumas decisões tomadas pela dupla protagonista no desenrolar do filme. Ironicamente, a continuação também tenta corrigir outros vícios narrativos do gênero, mostrando um dos policiais jovens com porte de homem bruto como um cara que só quer trabalhar na parte mais tecnológica da polícia e viver longe da violência que marcou seu passado; enquanto outro toma a liberdade de peitar Mike e Marcus com o sarcasmo e a certeza de que sabe das coisas da vida que só a juventude traz.

A atmosfera de acerto de contas e completude construída em “Bad Boys Para Sempre” quase justifica o tom descompromissado e “estilo brucutu” de seus antecessores, que para uma geração mais nova possam ser lidos como ultrapassados, enquanto para aqueles que se apegam à nostalgia do longa de 1995 a conclusão pode ser de que o primeiro filme tenha “envelhecido mal” caso decidam revisitar a trama desde o começo. Entretanto, a terceira parte chega para mostrar que nunca é tarde para reconhecer e quitar suas pendências com o passado repleto de equívocos e culpa para se criar um presente sem ressentimentos e um legado digno de lembrança.

Jacqueline Elise
@jacquelinelise

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