Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 15 de abril de 2007

Tartarugas Ninja – O Retorno

Leo, Rapha, Mic e Donnie estão de volta, agora em forma de animação 3D. "Tartarugas Ninja – O Retorno" certamente irá agradar aos jovens dos anos 80, hoje bem amadurecidos, por apresentar um visual bem mais sério. Uma boa diversão para os jovens de ontem e de hoje.

Posso fazer parte de um grupo seleto que se denomina 'fã de Tartarugas Ninja', mas assumo que seria errôneo se declarasse o contrário. Assisti aos três filmes em live-action das personagens ainda nos cinemas, colecionava gibis e brinquedos, não perdia um só episódio do desenho animado e passava horas bitolando no game lançado pela Konami para Super Nintendo e Mega Drive. Assim, o quarteto de comedoras de pizzas simplesmente marcou a minha infância. Quando soube que um novo filme sobre elas seria feito, e em forma de animação 3D, fiquei muito feliz, afinal, seria estranho nos dias de hoje ver um filme com pessoas vestindo fantasias de tartarugas. Juntando com o fato de em animação ser aberto um leque de situações impossíveis de serem feitas por humanos, tudo ficou melhor ainda quando soube que a produção teria uma cara bem mais séria. Dito e feito! "Tartarugas Ninja – O Retorno" é um filme feito para os fãs dos anos 80 que hoje cresceram. Ainda peca por superficialidade, mas a diversão é mais do que garantida.

Trata-se de uma adaptação da revistinha original criada por Kevin Eastman e segue o clima sombrio da revista. Na trama, Leonardo esteve fora em uma missão de treinamento especial na selva, o que fez com que seus irmãos Michelangelo, Donatello e Raphael ficassem sem orientação. Enquanto isso, a equipe parou de lutar contra o crime, passando a levar uma vida pacata. A exceção é Raphael, que se torna uma espécie de super-herói solitário chamado 'Vigilante Noturno'. Michelangelo passa a trabalhar com entretenimento, animando festas infantis. Já Donatello trabalha com suporte técnico de computadores via telefone. Quando estranhos eventos ocorrem em Nova York, contando com o envolvimento do milionário industrial Max Winters, as Tartarugas Ninja, com a ajuda do mestre Splinter, mais uma vez se reúnem para proteger a cidade.

Acertadamente, o clima sério adotado pelo novo desenho das personagens, exibido pelo canal "Jetix", prevalece durante toda a projeção, com fotografia escura e uma história bem mais madura, mas que mesmo assim consegue agradar às novas gerações por abordarem mitologias. Por isso, as crianças atuais que forem esperando ver mais um 'desenho animado' (assim chamado por elas) poderão se surpreender, mas não irão desgostar do que verão. As poucas piadas existentes se aplicam ao ar infantil – e sempre divertido – de Michelangelo. Inclusive a dublagem está bem de acordo, feitas por profissionais da área – nada de atores globais -, com as vozes das Tartarugas se mostrando bem mais maduras, ao invés daquelas fanhas a que estávamos acostumados. Infelizmente, apenas chegaram aqui cópias dubladas, por isso, não pude conferi as dublagens de Chris Evans (Casey Jones), Sarah Michelle Gellar (April), Patrick Stewart (Winters), Zhang Ziyi (Karai), Kevin Smith (o cozinheiro Diner) e Laurence Fishburne (narrador). O resultado é bem sucedido devida boa condução do diretor e roteirista Kevin Munroe (criador do game “Freaky Flyers” do Xbox, PlayStation 2 e GameCube).

Com o roteiro escrito em parceria com Peter Laird, o próprio criador dos personagens, Munroe apresenta uma trama bem amarrada, mostrando a difícil readaptação das Tartarugas no mundo novo, dominado pelo crime e, principalmente, a dificuldade em encontrar a si próprios, o instinto coletivo, para que enfim possam fazer justiça. Lógico que a estória da lenda envolvendo os guerreiros imortais tira a realidade da trama, mas se fosse um filme completamente pé no chão, sem monstro algum, não seria um filme das Tartarugas Ninja. Tudo é tratado com muito cuidado – começando pela necessária explicação da tal lenda como introdução ao filme -, diferenciando de uma animação pop qualquer, de modo que até o vilão Max Winters tem sua peculiaridade. Do contrário de Destruidor, que é um vilão nato, Winters é um magnata que tem como objetivo abrir mão de sua imortalidade, se tornar um humano comum, para salvar seus guerreiros de uma 'prisão'. No caso de um vilão estereotipado, seu objetivo não seria o processo inverso? A outra vilã, a ninja Karai, também se mostra bem diferente de uma vilã comum. Apesar de seu ar de mistério, ela é apenas uma contratada de Winters para sua missão, e sabe tomar o lado da razão quando o negócio aperta, mesmo que seus princípios destrutivos sejam mantidos. Visto, tirando os monstros, seres de pedras, não existem seres bons ou maus, visto que personagens considerados 'mocinhos' também têm atitudes questionáveis.

Os fãs do desenho podem ficar felizes pois os elementos essenciais podem ser conferidos, como a sabedoria do Mestre Splinter, a van amarela da turma, e personagens como o justiceiro rebelde Casey Jones (muito bem caracterizado, fazendo uma dupla dinâmica com Raphael) e a repórter April O'Neal (que erroneamente deixou de ser repórter para se tornar arqueóloga, algo que descaracterizou muito a personagem). Pena que o roteiro tenha lá suas falhas, talvez na tentativa de deixar o filme o mais rasteiro dentro de sua premissa e para atingir todas as idades. Os mais prejudicados com isso foram Michelangelo e Donatello, claramente negligenciados, e não temos muitas oportunidades de conferi-los exibindo suas habilidades com suas armas em ocasiões particulares. A caçada pelos tais monstros se mostra um tanto fácil e rápida, e detalhes como a captura do monstrinho vermelho que aparece num restaurante simplesmente são omitidos do público. Sem falar que muito mais dos conflitos internos e aprofundamento da personalidade de cada Tartaruga poderia ser feito, caso o filme tivesse uma maior duração (no total, chega a ter menos de 85 minutos). Com meia hora a mais, teria tudo para ser um filmaço.

Mas a superficialidade do roteiro acaba sobreposta pela ótima direção de Munroe, que acerta na mão desde o início, quando as Tartarugas são apresentadas individualmente, exaltando suas personalidades: Leonardo é o mestre democrático; Raphael o pavio curto; Michelangelo o extrovertido um tanto infantilóide; e Donatello o intelectual. Ótima a idéia de apresentar cada um com uma pausa na tela e uma tarja com seu nome, assim os personagens estão sendo apresentados às novas gerações, e marcando com estilo seus retornos aos que cresceram vendo-os. Muitas são as cenas em que Munroe se destaca, como quando o quarteto, mais Casey Jones, April e Splinter correm e lutam ao mesmo tempo com centenas de ninjas, numa impressionante confusão visual em um momento quase "Madrugada dos Mortos". Mas o ápice se encontra mesmo na sensacional luta entre Leonardo e Raphael (que são na verdade os verdadeiros protagonistas do filme). Num sufocante duelo de egos, a luta muito bem coreografada, é um momento de delírio para qualquer fã (ressalto que nesse momento, o efeito da chuva pingando na pele de ambos ficou simplesmente perfeito).

Assim, a participação das "Tartarugas Ninja" nesse revival dos anos 80 (que inclui a volta de Rocky Balboa, Superman, e em breve Transformers, Indiana Jones, entre outros, inclusive a animação de "G-Force", comandada pelo próprio Kevin Munroe) se mostrou de maneira bem positiva. No geral, trata-se de uma animação de ação, ideal para quem curte socos, chutes, e seres que fogem do padrão da realidade – algo semelhante ao que fora feito em "Os Incríveis", porém, com qualidade bastante inferior. O resultado tem seus pontos baixos, mas os fãs (como eu) certamente ficarão felizes por ver que tudo fora feito pensando em seus amadurecimentos, e as crianças gostarão de ver os bichinhos exóticos. Então, diversão completa, e que venha a continuação! Cowabanga!

Thiago Sampaio
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