Cinema com Rapadura

Entrevistas   quinta-feira, 18 de março de 2021

[Entrevista] Edmilson Filho fala sobre a mistura de comédia e ação no filme Cabras da Peste

Ator e coreógrafo conta como foi o processo de elaboração e filmagem das cenas de luta, que é o carro chefe dessa nova comédia de ação brasileira.

[Entrevista] Edmilson Filho fala sobre a mistura de comédia e ação no filme Cabras da Peste>

Não é nenhuma novidade que o gênero da comédia tem um destaque especial quando se fala de cinema brasileiro, com várias franquias de sucesso. A Netflix vem apostando nesse escopo, e desta vez traz o longa “Cabras da Peste” para preencher um subgênero da comédia pouco explorado atualmente: a comédia de ação.

O filme conta a história de dois policiais, Bruceuilis (Edmilson Filho) e Trindade (Matheus Nachtergaele), que vão ao resgate de Celestina – uma cabra considerada patrimônio de uma cidade no interior do Ceará – e acabam se envolvendo em um grande caso. Com o humor característico da bem-sucedida parceria de Edmilson Filho e Halder Gomes – retornando aqui como coordenador de ação e produtor-, e expandindo ainda mais as cenas de luta dos filmes anteriores da dupla, a obra, que conta com a direção de Vitor Brandt, amplia outros horizontes para a comédia brasileira. Grande parte desse êxito vem pela experiência do primeiro protagonista, que além do talento para atuar é coreógrafo de luta e campeão brasileiro de taekwondo. O Cinema com Rapadura teve a chance de bater um papo com o ator, que você pode ler abaixo.

CCR: Tanto na comédia quanto em cenas de luta, o timing é essencial. O quanto o Edmilson taekwondista contribuiu para o Edmilson comediante e vice-versa nesse sentido?

“Com tudo! A arte marcial pra mim é uma ferramenta importantíssima no meu trabalho. Eu me considero um ator muito corporal. Não só em relação às artes marciais, mas à dança também. Dificilmente você vai ver um filme meu que eu não faça algo corporal, até no meu jeito de falar e andar etc. Mas especificamente as artes marciais pra esse filme é um carro-chefe, é o grande diferencial. Porque temos vários comediantes no Brasil, mas comediantes que fazem a coreografia, dirigem a cena e fazem a luta, eu só conheço eu nesse mercado (risos). É um diferencial que eu valorizo muito, de conseguir fazer essa comédia de ação. Quero aproveitar enquanto eu estou com saúde, jovem e com joelho bom e as costas boas pra não me machucar tão cedo e estar fazendo muito filme assim ainda”.

CCR: Como foi o processo de elaborar e filmar as coreografias de luta?

“A gente lê o roteiro primeiro e daí eu e o Halder [Gomes], que produziu também, fomos alguns meses antes pros Estados Unidos e ficamos criando essas coreografias, logicamente dentro de uma sequência de número de páginas que coubessem nos minutos do filme. Depois fizeram um teste de seleção, em São Paulo, com os atores que fazem a cena de luta comigo. Tinham vários atores pra escolher, mandavam pra mim e eu via a qualidade técnica de cada um e fazia uma seleção por vídeo”.

“Depois disso, cheguei em São Paulo, recebi os escolhidos, tive uma reunião com todo mundo e dei uma espécie de workshop pra eles. Porque quando você pega as pessoas que já tem um histórico de artes marciais, mas não são atores e nunca fizeram nada direcionado pro cinema, a gente tem a tendência de querer ser real, e não é. Nenhum chute ali pega de verdade, ninguém levou soco na cara. Então você tem que explicar como é que é a distância, o que tem que fazer, que o que vende o golpe é o ângulo da câmera e não o contato físico”.

“E aí a gente passou algumas semanas lá ensaiando até acharmos que estava num grau que desse para chegar no set sem perigo. Aí vem a pré-produção e então começa as filmagens, foi basicamente isso. A gente criou as coreografias, e aí conheceu esse pessoal de São Paulo que fizeram as cenas ficarem tão boas”.

CCR: E o que é mais desafiador pra você, lutar num campeonato ou no set?

“Hmm… São dois desafios completamente diferentes. No campeonato é pior porque se você perder você se machuca de verdade (risos) e no set você não vai levar um chute na cara. Mas, por exemplo, a cena da luta final é uma cena que não tem nem três minutos, dois minutos talvez, e a gente levou a noite toda, das cinco da tarde às cinco da manhã pra fazer. É muito tempo! Eu acabei exausto porque eu estava fazendo a cena, corrigindo coreografia e dando os ângulos de cena na direção junto com o Vitor [Brandt]. Porque nessa parte ele praticamente deixou na minha mão, especificamente essa luta. Porque como eu tinha criado a coreografia, tem o ângulo exatamente onde você vai colocar a câmera, os cortes, o momento que para e reposiciona a câmera, enfim. É bem complicado. A gente vê a luta e acha que é simples, mas o fazer é desafiador”.

CCR: Existe uma homenagem ao cinema que a gente observa desde os trabalhos anteriores, e agora o próprio filme referencia várias personalidades com os nomes dos personagens, a começar pelo seu. Quais outras inspirações você buscou na construção do Bruceuilis?

“Eu sou um apaixonado por cinema. É a minha vida! Não só de fazer. De assistir, de estar por trás das câmeras, de produzir, de escrever… Eu também estou dirigindo alguns trabalhos, em breve vou dirigir meu primeiro longa. E essa coisa do Bruce, ele quer ser um herói, não tem jeito, ele quer ser o herói da cidade. Tanto que tem até uma fala que ele diz ‘rapaz, é um trabalho pra um policial da minha categoria, ficar cuidando de cabra?’ porque na cidade que ele mora não tem nada! Então, assim, eu queria colocar no Bruce uma coisa diferente do Francisgleydisson (“Cine Holliúdy”), uma coisa diferente do Aluizio Li (“O Shaolin do Sertão”) que é essa coisa de ser mais corajoso, sabe? Ele não faz nada normal; ele pula no sofá, conversa com uma pessoa já dá uma pirueta… é muito corporal! E eu quis tentar trazer isso, essa coisa do herói, de ‘eu não uso arma, eu sou minha própria arma’, ele tem essas referências assim de querer ser quase que um ‘Rambo’, ou então o ‘Stallone Cobra’. Como ele próprio fala no filme, ‘eu sou perigoso’, sem arma, sem nada, enfim. A construção é em cima desse personagem, esse cara que quer ser um herói, mas não tem problema nenhum pra ele resolver na cidade”.

CCR: Será que eu senti um Jackie Chan também…?

“O Jackie Chan é uma referência que eu assistia desde criança. Por conta daquela luta engraçada e tal, tenho muita referência de Jackie Chan, porém eu não estou reinventando esse formato de luta – essa coisa que vem lá de Hong Kong dos anos 70 – na verdade o que eu estou trazendo são essas referências, mas colocando a nossa comédia nordestina, a nossa fuleragem. É outra pegada! E hoje, até a nível mundial, você não tem um outro comediante que faça cenas de luta e que seja engraçado ao mesmo tempo, então tem um espaço aí aberto. No Brasil, nem se fala, mas até no mundo mesmo a gente tá com falta disso, dessa comédia engraçada corporal. Eu acho que pode ter um nicho bom aí pra a gente investir cada vez mais”.

CCR: Você deixa bem claro nos seus trabalhos o enaltecimento da cultura cearense, e “Cine Holliúdy” já foi um grande marco contra a hegemonia sudestina no cinema. E agora com a Netflix, “Cabras da Peste” vai ser distribuído para muitos países. Como você se sente com isso, e quais as suas expectativas?

“Vai ser pra mais de 190 países! Vai num lugar muito maior do que a gente imagina enquanto estamos fazendo o trabalho. Essa coisa de levar nossa cultura é uma responsabilidade, é uma missão que eu faço com muito carinho e serve também pra outras áreas do Brasil, outras regiões contarem suas histórias. E não de levar pra um lado de ser uma comédia regional. Eu odeio esse termo ‘comédia regional’. Qualquer história é universal. Se for pensar, um filme que foi rodado todo em Manhattan é regional, porque é uma região”.

“Então a gente leva nossa história, mas parando para pensar é um filme que foi rodado mais de 80% em São Paulo. É um encontro também dos nordestinos com os paulistanos, com gerações de comediantes diferentes. Tem o pessoal do Porta dos Fundos, do Choque de Cultura, a própria Rossicléa [Valéria Vitoriano] – que é a estreia dela no cinema – o Falcão, o Matheus [Nachtergaele] vindo de “O Auto da Compadecida”, enfim, é uma grande mistura de vários comediantes, mas no fundo tem aquela coisa que eu levo a minha cara. Olhou pra mim o cara já pensa logo: ‘vixe, é Nordeste, é Ceará’. E pra mim isso é só orgulho. É aquela coisa, em time que tá ganhando ninguém mexe, não! Deixe aí até quando der e vamos fazendo… apesar de eu ter outros trabalhos que eu não estou nessa pegada tão cearense, e trabalhos que estão por vir, mas eu me sinto muito orgulhoso. É um prazer estar representando meu povo, minha terra”.

O filme “Cabras da Peste” estreia hoje (18) no catálogo da Netflix.

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Tayana Teister
@tayteister

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