Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

Verônica

A tentativa de criar um thriller nacional encabeçado por um papel feminino resulta em "Verônica", um filme sobre as problemáticas do País. Sem muitas inovações ou apuro técnico, o longa aparece como mais uma produção brasileira mediana, com o gosto azedo de uma realidade e um desfecho pouco convencional.

A trama segue Verônica (Andréa Beltrão), uma professora que está nas salas de aula por mais de 20 anos e sente o peso da carreira nas costas. Ensinando em escolas públicas, ela convive diariamente com a ameaça da violência externa. Verônica também passa por um problema familiar. Sua mãe precisa de uma cirurgia, porém o hospital público sempre adia o procedimento. Estressada, um dia Verônica chega na sala e percebe que não consegue mais lidar com as crianças. Neste mesmo dia, ela fica até mais tarde com Leandro (Matheus Sá) na escola, já que os pais do garoto não foram buscá-lo. Então, a protagonista decide deixar Leandro pessoalmente em casa, mas, ao chegar no local, descobre que os pais dele foram assassinados por traficantes. A partir daí, Verônica precisa proteger o menino, que guarda um segredo que muitos querem descobrir, principalmente a polícia.

Não é ser chato falar que filme nacional sempre aborda as mesmas coisas; isso é ser redundante. A violência do país chegou ao ápice com "Tropa de Elite", bem como o tráfico e uso de drogas com "Meu Nome Não é Johnny". A loucura social foi brilhantemente registrada em "Bicho de Sete Cabeças" e a sensibilidade dramática tomou conta de "Central do Brasil" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias". O sexo poluiu "Cidade Baixa" e "Amarelo Manga", bem como outra boa parte de filmes. Não pretendo afirmar que o Brasil precisa encontrar novos temas. O cinema americano também trabalha em cima de heróis, adaptações, fantasias, etc., e nem sempre possui um resultado negativo. O problema é que o cinema nacional parece querer seguir sempre a mesma identidade. Em mais um filme-denúncia sobre o País, "Verônica" não inova, mas ainda assim apresenta-se como um bom filme que pode abrir espaço para novas experimentações e trabalhos autorais de cineastas brasileiros.

Dirigido por Maurício Farias, responsável por "A Grande Família – O Filme" e "O Coronel e o Lobisomem", o longa tem parceria de Farias e Bernardo Guilherme no roteiro. O ponto mais forte da história é a construção de Verônica. Ao contrário do que se pode esperar pelo condicionamento proporcionado por uma grande parcela de filmes, a protagonista não é boazinha por natureza. Ela grita com seus alunos e questiona se precisa vender o corpo para que o ex-marido a empreste dinheiro para pagar a cirurgia da mãe. Verônica mora vulgarmente em uma casa que nem comida tem, mas que quando pede uma pizza por telefone paga em dinheiro. Ela vive à mercê de uma sociedade louca, que vive mal e cujos conflitos parecem apenas importar a quem os vive. Verônica não tem a voz bonita (Andréa Beltrão tem um timbre um pouco estridente, nem sempre se encaixando em todos os personagens, apesar de ser uma boa atriz), não se veste bem, tem o cabelo bagunçado e se sente falsamente protegida pelo ex-marido que é da polícia.

O filme realmente devia se chamar "Verônica" por ser realmente a protagonista que valha a pena ser desvendada e acompanhada. A vida de Verônica se modifica com a entrada de Leandro, vítima de traficantes de drogas que assassinaram por queima de arquivo sua família. Sem parentes no mundo, Leandro é acolhido por Verônica, apesar de ela não estar em um momento muito fraternal. De acordo com que os fatos revelam para a protagonista o por quê de Leandro também estar sendo caçado, Verônica se apega, mas não morre de amores. Ela entra em um desequilíbrio emocional, que muitas vezes resulta em uma cena onde ela joga na cara de Leandro que os pais dele morreram ou que é preciso ela brigar com o garoto por algo banal. Ela gosta de Leandro, mas gosta do jeito dela. Verônica quer protegê-lo e é nos seus braços que isso é possível, já que a polícia não parece tão confiável assim, nem mesmo seu ex-marido. Em paralelo a isso, sua mãe passa pela problemática da saúde pública brasileira, vivendo enquanto as filas dos hospitais deixarem.

Andréa Beltrão é a responsável por trazer a grandeza de "Verônica" à tona. O filme não é inovador e pode-se até imaginar o desenrolar dos fatos e os conflitos que Verônica e Leandro passarão, mas é a competência e naturalidade de Beltrão que dá relevância à trama. Verônica nunca deixa de ser interessante. Leandro, mesmo sendo o motivador de tudo, acaba ficando em segundo plano. Ali é a história de uma brasileira que precisa correr para viver. Verônica corre quase a la "Corra, Lola, Corra". O que é mais importante observar da história é como a protagonista precisa se virar dentro de uma sociedade cujas regras nem no papel estão. É isso que permite os roteiristas causarem um final pouco convencional, onde a sensação é de que "não acabou" ou então que o público precisa criar um desfecho para a história dos dois. Porém, a eficácia do final está justamente nisso, em mostrar que, por mais que a gente corra e defenda algo, a única esperança é aquela que cada pessoa carrega consigo.

Se por um lado tudo isso compensa a ida ao cinema, por outro os roteiristas constroem os "vilões" como meros canastrões, quando a subjetividade seria bem vinda neste caso. A polícia, ora protetora ora ameaçadora, tem pouco espaço para ser explorada. Os traficantes seguem estereótipos da favela e corrompem crianças que começam na vida do tráfico ainda cedo. O policial Paulo (Marco Ricca), ex-marido da protagonista, sofre com o pouco tempo para mostrar a versatilidade que é atribuída ao seu personagem. O próprio Matheus de Sá tem pouco a expressar em cena. A subtrama da precariedade da saúde pública é deixada de lado, inclusive por Verônica. Se existe uma falha na personagem, é se abster da mãe durante seu envolvimento com Leandro, principalmente no último ato.

Como diretor, Maurício Farias não estabelece critérios rigorosos para usar visualmente no longa-metragem, a não ser a granulação da imagem e a fotografia típica para registrar a favela. A edição do filme não oferece uma montagem regular, apesar de que a narrativa se dê de uma forma clara e pouco cansativa. O produto final dá um gostinho de que aquilo já foi visto, mas que mesmo assim valeu a pena acompanhar a virilidade de Verônica, a protagonista. É de grandes personagens que o cinema nacional precisa. Não adianta inserir violência, sexo e drogas para fazer sucesso. O que adianta é ter a consciência de que um grande personagem pode oferecer uma ótima história. Verônica o faz, mesmo que não completamente.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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