Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 25 de maio de 2008

2 Dias em Paris (2007): uma comédia romântica imperdível

Filmes sobre romances em conflito já foram feitos aos montes. “2 Dias em Paris” tinha tudo para ser mais uma história de amor, mas consegue resultados incríveis sobre cumplicidade, fidelidade e até onde as pessoas estão dispostas a se render para salvar um relacionamento. Incrivelmente delicioso, Julie Delpy faz do longa imperdível.

Comédias românticas enchem os cinemas nacionais todos os anos. A maioria delas utiliza-se de tombos e fracassos para fazer rir, além de musiquinhas populares para criar a atmosfera do romance. Algumas até são medianas, outras que preferem sair do escracho para se tornar um marco, como “Closer – Perto Demais”, acabam se tornando as preferidas de muita gente. O que “2 Dias em Paris” promove é justamente isso: risadas, romantismo e dois protagonistas que são impagáveis e falam tudo de forma franca e realista, bem como “Closer”. Para quem gosta de discussões de relacionamento em bom estilo afrancesado, é impossível não se deliciar com Marion (Julie Delpy) e Jack (Adam Goldberg).

Marion é uma fotógrafa que enxerga “pontilhado”. Ela namora há dois anos com Jack, um designer de interiores que passa boa parte do seu tempo se preocupando em pegar uma doença grave. Eles passam as férias viajando de Veneza a Paris. É em uma dessas escalas que eles decidem passar dois dias em Paris, na casa dos pais de Marion. Aquela Paris iluminada e cheia de glamour dá espaço ao choque de culturas vivido por Jack e discussões sobre paixão, amor e rendição do casal. Um filme que cutuca verdades e expõe o público ao constrangimento de se entregarem pouco às paixões. Um filme que aborda a vida com humor negro, mas que quando precisa falar sério registra uma das cenas mais elaboradas em romances dos últimos tempos.

Julie Delpy provou talento em diversos dos filmes em que atuou. Agora como roteirista e diretora, ela traz versatilidade ao projeto. “2 Dias em Paris” é verborrágico por natureza. Eles falam de amor e podem mudar facilmente o discurso para a política americana atual. O texto corre solto e a química entre Delpy e Goldberg facilita o consumo da história. Tudo parece improvisado e a forma de registro que a diretora optou afasta o americanismo das comédias para algo mais alternativo. Delpy registra Paris de forma tímida, sem usar ao menos recursos de iluminação nas tomadas. Ainda assim, ela mostra personagens estranhos, como os pais de Marion, e hábitos que ferem diretamente a vida comum de Jack.

Aliás, esse conflito de culturas é um dos conceitos mais interessantes de Delpy. Marion joga a culpa de suas ações à criação que teve com sua família em Paris, enquanto Jack culpa a namorada por forçá-lo a estar ali. Jack reclama de tudo, não consegue ter intimidade com a cidade, muito menos com as pessoas, mas renuncia a tudo em nome de Marion e do respeito que tem por ela. Por mais que ele tenha uma personalidade mais despojada, Jack está em intenso conflito interno com medo de que o passado de Marion ou as incertezas do futuro amoroso do casal façam com que ele a perca. É o sentimento de posse natural dos relacionamentos e isso é trabalhado de uma forma cujos clichês não incomodam.

Marion e Jack estão em constante guerra dos sexos. Eles parecem querer provar que são bons um para o outro, como forma de manutenção do romance nesses dois dias conflituosos que passam na França. Para piorar, os pais de Marion não são parisienses muito ajustados, e o excesso de receptividade a Jack o assusta. Jack não fala mais do que as saudações em francês e suas caras e bocas de quem não entende o que falam a seu redor são fantásticas. Tudo conspira contra o herói, e as brigas ocasionais que tem com Marion são até divertidas de participar. Entretanto, chega um momento em que as piadas se acabam e, como tudo na vida, ganha seriedade. A cena final narrada em off é incrivelmente inesquecível. É um tiroteio de fatos que agridem qualquer pessoa que já amou, traiu ou decepcionou alguém.

Todo o sucesso da trama se dá também à competência do elenco principal e de apoio. Delpy está magnífica e longe do apelo de beleza física. Ela é argumentativa e explosiva, e tem uma afinidade eficaz com Adam Goldberg. O tom cômico de Goldberg já é conhecido, porém neste longa está ausente de qualquer exagero, sempre bem posicionado pelo ator. Abert Delpy se destaca como Jeannot, pai de Marion, e sua índole nada controlada. Marie Pillet é Anna, a matriarca, cuja sutileza em cena não exclui o talento cômico da intérprete. Daniel Brühl faz uma participação como o “terrorista” Lukas e suas cenas com Jack são hilárias.

“2 Dias em Paris” tem a magia de fazer torcer pelo casal do começo ao fim, inclusive compactuando com os fatos grotescos que vivem. As seqüências rodadas dentro de táxis em Paris são bem boladas, sempre revelando algo novo e importante para a socialização da trama. Essas passagens também têm a função de irem se degradando, bem como o conflito entre os protagonistas se degrada a partir do momento em que a França não parece o melhor lugar para estarem. Delpy faz com que a trama flua e o espectador não hesite em se envolver com ela, sendo impossível não se identificar com alguma coisa que eles falam. Qual casal nunca passou por situações constrangedoras juntos ou fez as pazes depois de uma briga séria? São pequenas coisas que Delpy reúne com o carisma do elenco para fazer um ótimo filme de relacionamentos.

Deliciosamente divertido, “2 Dias em Paris” é um compacto de abordagens amorosas que, mesmo em repetição, causa novas sensações. É impossível não rir das leis de Murphy interferindo na vida de Jack ou da forma com que Marion convive com o peso de seus relacionamentos anteriores. É impossível não compactuar com os pais desajustados ou identificar em algum amigo próximo características vistas nos personagens. Com a pretensão de ser divertido e inteligente, “2 Dias em Paris” se junta ao rol das comédias românticas imperdíveis e que, a cada vez que é assistida, fica melhor e revela novos olhares sobre a trama. Para os apaixonados (ou nem tanto), certamente valerá a pena.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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