Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de maio de 2007

Um Crime de Mestre

Um ótimo thriller de tribunal, com ótimas interpretações, personagens complexos e um final que, além de surpreender o espectador, faz sentido. Tais elementos tornam este "Um Crime de Mestre" uma experiência cinematográfica recompensadora.

Ultimamente, bons thrillers vêm sendo cada vez mais raros. Desde "O Sexto Sentido", parece que os "finais surpresa" vêm sendo escritos antes do resto do roteiro, tornando as tramas frágeis e os personagens desprovidos de um comportamento racional (vide o recente "A Estranha Perfeita"). O que esses filmes falham em perceber é que a história deve seguir naturalmente rumo a um clímax, e não girar em volta dele. Esta é a grande qualidade deste "Um Crime de Mestre". A produção não tenta reinventar a roda, mas consegue manter o espectador em estado de tensão durante toda a projeção, envolvendo graças à força de seus personagens e à inteligência de seus atos, sem alienar o público, mas sim respeitando sua inteligência.

A trama do filme mostra o inteligentíssimo Ted Crawford (Anthony Hopkins), rico engenheiro que atira em sua jovem esposa (Embeth Davidtz). A polícia chega e tenta conter a situação, que piora quando o negociador da polícia Rob Nunally (Billy Burke) descobre que a vítima era sua amante. Crawford confessa o crime e é preso. Enquanto isso, o jovem e talentoso promotor público Willy Beachum (Ryan Gosling) prepara-se para largar seu mal-remunerado emprego e partir para uma rica firma de advocacia privada. Mas, com seus colegas todos ocupados, acaba pegando o caso de Crawford como seu último. Todavia o que parecia um julgamento ganho acaba se tornando um dos mais complicados de sua carreira.

Evito falar mais sobre o roteiro para não revelar maiores detalhes sobre este. Assisti ao filme sem nada saber sobre sua trama ou ver qualquer material promocional sobre o filme, o que foi ótimo. Trailers geralmente entregam muito sobre os longas e este é o tipo de filme no qual você QUER ser surpreendido. Cada reviravolta que ocorre durante o projeto é bem pensada e nenhuma delas parece forçada. Os diversos dilemas pelos quais os personagens passam jamais soam batidos e suas decisões refletem o caráter deles, ao contrário de algumas produções, que utilizam desses momentos-chave para forçar o andamento da trama, mesmo que alterem completamente os comportamentos até o momento visto dos personagens.

O filme conta com excelentes atuações, tanto dos dois protagonistas, quanto do elenco coadjuvante. Ryan Gosling coloca na tela toda a complexidade de seu Willy Beachum. O jovem promotor, dominado pelo seu ego, toma uma decisão equivocada que coloca em xeque sua vida pessoal e profissional. O ótimo David Strathairn interpreta o mentor do personagem de Gosling, encarnando o personagem mais centrado e decente do filme, o chefe da promotoria Joe Lobruto, que tenta manter sua equipe na linha, apesar da crise provocada pelo caso Crawford. Rosamund Pike acrescenta uma (pequena) dose de sensualidade ao filme como a futura chefa de nosso protagonista. Billy Burke faz o personagem mais intenso do filme. Seu Rob Nunally sofre muito no decorrer da trama e, com certeza, é o que toma as decisões mais dramáticas no decorrer da projeção. Porém, como não poderia deixar de ser, o destaque vai para Anthony Hopkins. Sua presença poderia botar o filme abaixo caso seu personagem virasse uma cópia de Hannibal Lecter. Felizmente a competência de Hopkins (e o ótimo roteiro do filme) evita que isso aconteça. Apesar de tanto Lecter quanto Crawford serem absurdamente inteligentes, várias características os separam. Crawford é o tipo de pessoa que Lecter convidaria para um "jantar". Apesar de seu intelecto, ele é vaidoso e egocêntrico. Ele não só gosta de ser a pessoa mais inteligente do recinto, mas sente a necessidade de mostrar isso a todos, seja com seu complexo hobby ou com as pequenas "encomendas" que envia a Beachum. Gosta de ostentar seu caríssimo carro e comete seu crime apenas porque alguém ousou mexer no que ele considerava "seu". Ver Hopkins e Gosling em cena é ótimo, já que os atores conseguem mostrar a raiva que existe entre os dois personagens, que chega ao ápice nas últimas cenas.

Já a parte técnica é discreta e eficiente. A direção de Gregory Hoblit repete o clima de seus suspenses de tribunal anteriores, "As Duas Faces de Um Crime" e "A Guerra de Hart", com uma direção focada nos personagens. Ele não tenta criar algo totalmente novo ou revolucionar nada em matéria de enquadramentos ou ângulos de filmagens, já que entende que o filme não pede isso. Utilizando-se do talento de seus atores e de um bom senso estético, o diretor consegue levar o filme de uma maneira firme e realista. Nisso ele tem o auxílio da sóbria fotografia de Kramer Morgenthau (cujo trabalho mais recente no cinema foi em "O Enviado") e do bom trabalho de edição feito por David Rosenbloom (que já havia trabalhado com Hoblit em "A Guerra de Hart"). Mas tudo isso seria inútil sem o ótimo roteiro escrito por Glenn Gers (praticamente estreando no cinema) e Daniel Pyne, do ótimo "Um Domingo Qualquer" e que também foi responsável pelo argumento do filme.

Apesar de cometer um erro bobo ao não concluir satisfatoriamente uma das linhas paralelas da trama, o filme é um bálsamo nesse mar de psueudo-suspenses que inundam nossas salas de cinemas, sendo um dos poucos projetos do gênero em cartaz que vale a pena ser visto.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre