Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 29 de abril de 2007

Miss Potter

Após o fracasso de bilheteria em território norte-americano, "Miss Potter" chega atrasado no Brasil e demonstra ser mais uma história que segue os moldes ingleses de fazer filme, mas que consegue impor uma magia em sua narrativa, revelando-se uma história agradável e peculiar.

A cinebiografia da escritora Beatrix Potter (1866-1943) invade as telonas de forma objetiva e despretensiosa. Baseado na obra "Beatrix Potter: A Life in Nature", de Linda Lear, a trama mostra o crescimento intelectual e pessoal que a escritora teve a partir do momento em que seus livros e ilustrações infantis começaram a ganhar projeção mundial. Solteirona e avessa a relacionamentos, a trama mostra uma Beatrix que vivia fora dos moldes da época e que trazia consigo um traço essencial para o sucesso de seus livros: a ingenuidade. Para conseguir sua fama, Beatrix (Renée Zellweger) conhece o aspirante a editor Norman Warne (Ewan McGregor), que investe em suas obras e reconhece o talento da moça. Daí nasce uma saborosa paixão que precisará passar por cima da mãe da escritora, defensora dos homens de "boa linhagem" e de ótimas condições financeiras. É quando a vida de Beatrix começa a ter sentido tanto profissionalmente, quanto em suas decisões pessoais.

Tendo sido aceito com estranhamento no mercado internacional, "Miss Potter" não é uma produção que ousa em muitos sentidos. É bastante claro que, além de ter a intenção de causar bons momentos para os espectadores, jamais tenta demonstrar ser um filme que aborda registros históricos ou exagera nos costumes da época na qual se passa a trama. Ao passo que também não quer ser descartável, a película possui uma narrativa que, mesmo se baseando em alguns clichês básicos, não parece enfadada a cair no conceito de quem assiste. O segredo de "Miss Potter" está justamente no carisma de seus personagens e na deliciosa história cheia de imaginação e regada a uma trilha sonora simples, porém eficiente, que gera uma empatia imediata. Roteirizada pelo estreante Richard Maltby Jr., percebemos algumas fórmulas repetidas em produções inglesas na montagem da narrativa, mas que não caem em desgaste. Maltby consegue amarrar a história de uma maneira atraente que mexe com o imaginário não só infantil, mas inclui boa parte dos adultos que se permite admirar os toques de magia da história. Abstendo-se de grandes espetáculos que o roteiro poderia ter caído, como a obsessão da indústria literária, ainda mais por considerar que, na época, mulheres eram mal-vistas se estivessem se dedicando às artes, ou então no excessivo dramalhão de um amor impedido devido a costumes familiares. O roteirista consegue dar a dosagem certa em seus acontecimentos, além de ter sabido lidar com o destino dos personagens e com o desfecho da história.

Afastado de projetos cinematográficos desde "Babe, o Porquinho Atrapalhado" (1995), o diretor Chris Noonan mostra que ainda está em boa forma. Sem seguir uma linha medíocre no registro das imagens, teve a ajuda essencial do diretor de fotografia Andrew Dunn, que constrói uma atmosfera bastante interessante para a trama. Sempre com o enquadramento bem posicionado, consegue extrair bons momentos visuais da trama, transitando entre tons mais escuros e tomadas internas que receberam ajuda de uma competente direção de arte e figurino. Noonan resgata bem os moldes da época vivida por Beatrix e sabe dar um toque mágico em diversas cenas, como a da despedida na estação de trem e, obviamente, quando os desenhos de Beatrix ganham vida na sua imaginação. Este último fato é tão aceitável que chega a seduzir mais do que a história em si, por sua riqueza sensível e bem articulada. Por mais que a condução de Noonan em alguns momentos pareça ficar tendenciosa ou arrastada, "Miss Potter" não perde o brilho que lhe foi imposto. O diretor sabe medir exatamente até onde seus personagens precisam ir para fazer valer suas funções sociais e não força a barra na história para que seu desfecho aconteça. Na realidade, a vida de Beatrix Potter mais parece uma de suas histórias infantis, onde existe um personagem conflituoso, ingênuo e que acredita em algo especial em sua vida. É como se a escritora transformasse todos os seus personagens coelhinhos e patinhos em registros de épocas de sua vida, vivida na clausura de seu quarto.

A atriz Renée Zellweger deixa seu sotaque americano de lado e incorpora o britânico mais uma vez de forma natural. Tendo sido indicada ao Globo de Ouro por sua atuação em "Miss Potter", é fato que Zellweger não está em uma de suas melhores performances. A atriz sofre com a saturação de seus recursos naturais em mexer com o humor e as partes dramáticas, muitas vezes remetendo Beatrix Potter a algum de seus personagens anteriores, como a inesquecível Bridget Jones. Mesmo assim, Zellweger trata Beatrix com carinho e acaba amenizando os pontos fracos de sua atuação. Atuando pela segunda vez com Ewan McGregor, já que trabalhou com o ator em "Abaixo o Amor", a dupla demonstra uma harmonia aceitável, mas nada de tão espetacular. McGregor faz uma participação mais curta, porém essencial para o desenrolar da vida da escritora. Sempre incorporando personalidades novas, o ator dá vitalidade a Norman e se encaixa nas propostas do roteiro. Outros destaques no elenco são as coadjuvantes Emily Watson, que interpreta a irmã solteirona de Norman, e Barbara Flynn, a preconceituosa e desacreditada mãe de Beatrix. Ambas as performances realmente chamam a atenção e fogem da mediocridade que o roteiro as impõe. O mesmo acontece com a engraçada dama de companhia da protagonista interpretada por Matyelok Gibbs, que não precisa de diálogos para render bons risos.

Passando longe de ser uma obra prima (e sem a intenção de sê-la), "Miss Potter" chega de mansinho com seu carisma e mostra um vigor que há muito tempo não era visto em cinebiografias. Geralmente, este gênero pende mais para um lado metódico da vida de seus objetos de estudo e em "Miss Potter" vemos todo o carinho em que o projeto foi desenvolvido, gerando mais do que uma história verdadeira, mas um conto que mexe bastante com o imaginário e as emoções dos espectadores. Como nada é universal, é mais do que óbvio que a trama não agrade a todos, mas, quem estiver disposto a ver uma história simples, porém mágica, certamente irá se divertir e compactuar com Beatrix Potter e seus desejos de conquista, amor, sucesso e felicidade.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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