Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de abril de 2007

Colheita do Mal, A

A Warner Bros. chega às telonas com mais um suspense com pitadas de terror e lança uma dúvida: até onde "A Colheita do Mal" é bom? Transitando entre bons e maus momentos, o longa acaba se revelando um filme mediano que traz alguns sustos básicos e consegue criar uma boa atmosfera de suspense, enquanto por outro lado a direção e os efeitos visuais são instáveis e o roteiro questionável.

A vencedora de dois Oscars (por "Meninos Não Choram" e "Menina de Ouro") Hilary Swank vive na trama a ex-missionária cristã Katherine Winter, uma cientista que perdeu a fé após o trauma de perder tragicamente seu marido e sua filha durante uma de suas missões. Desde então, a moça é conhecida por investigar e explicar fenômenos que são ditos como religiosos, principalmente os que são questionados se são milagres ou não. Depois de mais uma explicação científica para um de seus casos, Katherine recebe o chamado de Doug (David Morrissey), que expõe uma problemática que está ocorrendo em uma pequena cidade da Louisiana chamada Haven (alguém se lembrou da palavra "Heaven"?), onde suspeita-se que as pragas bíblicas estejam sendo disseminadas pela misteriosa garotinha Loren McConnell. Mesmo desacreditada de que o caso poderia ser grave, a cientista vai até a comunidade e começa sua investigação em um rio que se transformou em sangue. Com ela, seu fiel escudeiro Ben (Idris Elba) a ajuda a estudar os horripilantes eventos e descobre que precisa muito mais do que argumentos científicos para enfrentá-los, tendo sua fé posta em prova mais uma vez.

Baseado em uma história de Brian Rousso, o roteiro escrito por Chad e Carey Hayes (de "A Casa de Cera") aborda um aspecto bíblico um tanto quanto interessante. As dez pragas que baseiam o enredo de "A Colheita do Mal" partem da idéia de que Deus (e talvez o Diabo) estaria se manifestando em um determinado local. O que se sabe dessa história é que Moisés teria levado as pragas para o Faraó e seu povo do Egito para que pudessem reconhecer que o Deus dos hebreus era supremo e, para isso, precisavam ser castigados. Quem não conhece essas pragas ou muito menos é religioso talvez tenha dificuldade de conseguir captar toda a essência da trama. Os Hayes não se atêm muito ao fato de explicar com calma o que elas podem gerar, ou muito menos como se manifestam. Este talvez tenha sido um erro que cause confusão na cabeça de muitas pessoas, até porque existem alguns diálogos que tentam situar o público dos eventos que possam estar acontecendo, mas acabam sendo tão técnicos que parecem não ter adiantado de nada, o que também acaba acontecendo com o uso excessivo dos flashbacks para tentar justificar a falta de fé ou a confusão de Katherine, o que podem ter começado a funcionar, mas no decorrer da trama acabam não sendo eficazes em tais condições.

Mesmo assim, é possível perceber que houve um cuidado mais peculiar ao trabalhar tais pragas, sem que todas elas fossem manifestadas e uma atmosfera de espanto fosse criada no filme, ou seja, somente as primeiras pragas são melhores abordadas, enquanto as outras vão aparecendo como forma complementar e a protagonista precisa começar diferenciar o real do sobrenatural. Outra preocupação que os roteiristas tiveram foi de inserir na própria trama uma explicação científica aceitável para uma manifestação das dez pragas, que se relaciona com catástrofes ecológicas, porém tal momento é mal aproveitado e enfadonho, visto que mais uma vez vários termos técnicos são vomitados por Katherine, limitando a compreensão dos espectadores. De qualquer forma, o roteiro é bastante rico ao criar um clima de suspense que tem se desgastado muito nos últimos filmes do gênero, rendendo até alguns poucos sustos, porém muita tensão, ajudada pela trilha sonora minuciosa e pelo bom uso do silêncio, deixando o espectador sem saída a não ser esperar para o próximo ato. Nestes pontos, o equilíbrio entre o roteiro e a direção de Stephen Hopkins é inegável, mas vai sendo prejudicado pelas idéias desnecessárias que Hopkins teve na finalização sem sentido de algumas tomadas, além de repetir alguns de seus planos e usar gags que já não possuem mais tanto efeito em filmes de suspense, como a mão que abre a porta devagar e que talvez esconda algum segredo.

Hilary Swank é conhecida por sua total entrega a todos os personagens que entram na sua carreira. A densidade com que ela assume a personalidade deles é seu ponto forte e perfeitamente conferido nos excelentes "Menina de Ouro" e "Meninos Não Choram", e até na pequena participação no recente "Dália Negra". A atriz consegue dar credibilidade a Katherine por mais que o roteiro limite seu entendimento e objetivos. É fato que a atriz seja uma das mais talentosas das últimas safras de Hollywood e seus desempenhos conseguem sempre ser bem vistos. Saindo da linha dramática e passando para um suspense, Swank mostra em Katherine uma coragem que não vem de sua falta de fé, mas sim de sua condição de mulher que, talvez, não tenha mais nada a perder. Certamente é de Swank que vem a única atuação madura da história, por mais que David Morrissey, Idris Elba e Annasophia Robb não façam feio. O elenco de apoio também soube ser eficiente a partir do momento em que sua função social na história vai se revelando meio às suspeitas e reviravoltas.

Com efeitos visuais extremamente imperfeitos, pendendo ao inconveniente, "A Colheita do Mal" pode ganhar a simpatia dos cinéfilos que estavam sentindo falta de uma história que não fizesse tanta referência a outros suspenses cansados. Mesmo não chegando à perfeição, a trama acaba gerando momentos de frio na barriga e foge de alguns clichês. Certamente se não fosse o incômodo do diretor em pensar demais em seus planos e acabar registrando tomadas fracas, o longa poderia ter ganho um upgrade maior. "A Colheita do Mal" não tem a pretensão de atingir a excelência de filmes sobrenaturais, ou muito menos de ser o melhor do gênero, mesmo trazendo uma protagonista renomada, e mostra-se essencial para quem procura um bom entretenimento meio a tantas opções descartáveis que estão em cartaz.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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