Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de abril de 2007

Hannibal – A Origem do Mal

Hannibal Lecter, 5 anos depois do último filme, ganha novo destaque. Dessa vez sua origem será abordada. Todavia, sem o grande ator Anthony Hopkins no elenco (e nem poderia estar), a proposta fica bem clara: ressuscitar um personagem ao melhor estilo "tirar leite de pedra".

Segundo a American Film Institute, Hannibal Lecter é o maior vilão da história do cinema (apesar de eu discordar). O personagem foi criado pelo escritor Thomas Harris para uma série de livros. A primeira obra que traz o personagem chama-se Dragão Vermelho, que até foi adaptada para o cinema ("Dragão Vermelho", de 1986, dirigido por Michael Mann), mas não obteve sucesso. Fomos realmente apresentados ao Dr. Hannibal no sucesso "Silêncio dos Inocentes" (1991), adaptação do segundo livro da série. Depois tivemos "Hannibal" (2001) e no ano seguinte a refilmagem de "Dragão Vermelho", onde a tentativa de se "tirar leite de pedra" começava.

Apesar de "Silêncio dos Inocentes" com todo seu cunho psicológico ter sido um reconhecido sucesso, os outros filmes da série não vingaram. "Hannibal" é o pior dos três, sendo "Dragão Vermelho" aceitável perante ele, mas ainda se motrando deveras limitado. Se os outros títulos obtiveram lá suas receitas de renda, foi sem dúvidas por conta do espetacular primeiro filme, além, lógico, da presença sempre marcante de Anthony Hopkins na pele de Lecter.

Não satisfeitos com dois fracassos diante de apenas um acerto, resolvem voltar a falar sobre o canibal. Produtores de outros filmes, Dino e Martha de Laurentiis, jogam a idéia, e o escritor Thomas Harris acaba aceitando. Ele escreve o quarto livro da série falando sobre a origem do personagem. Desta feita, o livro é feito para se ter um filme e não o contrário. Tudo bem que muitos dos que assistiram aos outros filmes gostariam de saber origem, mas os primeiros leitores já se viram insatisfeitos com o lançamento.

A estória se passa no final da Segunda Guerra Mundial, onde dois garotos tentam sobreviver diante do inverno Lituânio, logo após terem visto seus pais serem mortos em um ataque aéreo nas redondezas da residência onde estavam. Os garotos se chamam Mischa e Hannibal Lecter. Hannibal, irmão mais velho, a todo custo, protege sua irmã, entretanto vê-se sem forças quando um grupo de soldados vigaristas entra na casa onde estão os garotinhos a fim de se alimentar, estudar uma nova rota e roubar os pertences da família. Já nessas seqüências iniciais começamos a ser apresentados no que irá se tornar a personalidade de Hannibal. Não está à minha lógica dizer o que realmente acontece no desenrolar desse prólogo para que um sem escrúpulos Lecter fosse "criado".

Aos olhares mais atentos nessas minhas linhas, já podem perceber que o personagem está sendo bastante humanizado. Ora, por que humanizar o maior vilão da história do cinema (isso para a American Film Institute, deixo bem claro)? Tudo bem em humanizá-lo, mas acho errôneo transformar todos os seus impulsos em sentimento de vingança. Um dia, e isso é humano, a sede de vingança acaba, logo que os responsáveis diretos são punidos. E o roteiro deixa muito bem esclarecido que sua mentalidade agressiva está voltada diretamente para os responsáveis pelas tórridas lembranças de Lecter, deixando quem não tem relação com essas lembranças de lado. O maior problema é que nos outros filmes somos apresentados a um real psicopata, porém inteligentíssimo, que pratica canibalismo e, acima de tudo, se sente bem com suas práticas.

O roteiro não é ruim. Apesar dos vários clichês, ele amarra muitas pontas deixadas durante a série. Por que ele foi para tal canto? Por que ele matou fulano? Por que ele pratica canibalismo? Várias perguntas são respondidas. O problema do roteiro, que foi escrito também pelo autor do livro Thomas Harris, deixa a desejar quanto à profundidade da explicação. Fica me parecendo que a estória da "origem do mal" piora quando vamos para o livro, todavia, como não li, não posso afirmar nada sobre isso.

Diferente de todos os outros filmes da série, o ator que dá vida a Hannibal é o francês Gaspard Ulliel ("Eterno Amor"). O ator não é ruim, mas alguns virão reclamar que ele não captou o que de mais sucesso foi na atuação de Hopkins: o ameaçador olhar de Lecter. Julgo que não precisava do ator captá-lo a finco, já que nesse filme deveríamos ver um olhar imaturo, ainda em processo de formação do que iria passar diante de sua jornada de assassinatos. Gaspard é um ator que muito tem que evoluir, isso é fato, mas para o que o filme se propõe foi uma ótima escolha. O bom é que Hopkins é tão competente a ponto de ter ficado sempre à minha cabeça quando via o personagem Hannibal sendo interrogado pelo Inspetor Popiel (Dominic West, de "O Sorriso de Mona Lisa"). Richard Brake ("Dália Negra" e "Batman Begins"), Kevin McKidd (do ótimo seriado "Roma" da HBO), Rhys Ifans ("Um Lugar Chamado Nothing Hill"), Gong Li ("Miami Vice", "Memórias de Uma Gueixa"), entre outros, completam o elenco.

No geral, volto a repetir, o maior erro foi humanizar um personagem longe de ter ações humanas e, para piorá-lo, ainda citaram repetidas vezes no filme, mais precisamente por palavras do Inspetor Popiel, que ele é um monstro. Monstro nada, ele é um homem com sede de vingança, levando-a ao pé da letra. Cabe a interpretação de que o erro de Lecter foi canalizar sua inteligência e instinto vingativo para o mal (Anakin Skywalker?) ao contrário de outras pessoas que canalizariam para o bem (Bruce Wayne?).

Apesar dos problemas apresentados, "Hannibal – A Origem do Mal" deverá ser assistido por quem já teve acesso a todos os antecessores da série, exatament por ser a origem oficial do Dr. Hannibal Lecter que marcou época nos cinemas com "O Silêncio dos Inocentes". Entretanto, como filme por si só, ele é descartável.

Raphael PH Santos
@phsantos

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