Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de abril de 2007

Um Beijo a Mais

"Um Beijo a Mais" é a prova que a mesma história, contada de modo diferente, pode ainda surpreender. Esta adaptação americana do longa italiano "O Último Beijo" colocou o ingrediente que faltava no original: um pouco de humor, inserido na história pelo roteiro de Paul Haggis e pelo carisma do ator Zach Braff, tornando assim a produção mais relevante e independente de sua contraparte européia.

"O Último Beijo", longa que projetou o diretor italiano Gabriele Muccino ("À Procura da Felicidade") no cenário cinematográfico internacional é um ótimo drama, mas peca por, ocasionalmente, carregar demais no melodrama, o que não batia muito bem com os personagens principais do longa, que ansiavam por juventude. Afinal, a vida não é composta apenas por momentos pesados ou românticos, mas também por ocasionais risadas e momentos descontraídos. Isso tirava um pouco da força do filme. Ao ser adaptado pelo versátil roteirista Paul Haggis (dos excepcionais "Menina de Ouro", "Crash – No Limite" e um dos responsáveis pelo ótimo "007 – Cassino Royale"), apesar de reencenar algumas das cenas de "O Último Beijo" de maneira quase idêntica, é esse quase que faz a diferença, já que o roteiro do filme de Muccino ganhou esse elemento que faltava, ressaltado por um elenco carismático, liderado por Zach Braff ("Hora de Voltar") e pela direção segura de Tony Goldwyn. Assim, em "Um Beijo a Mais", acompanhamos os personagens em suas jornadas íntimas, contando o amadurecimento de um grupo de jovens adultos e da busca de um casal, já na maturidade, para reencontrar sentido no seu relacionamento, já bastante castigado pela rotina.

Michael (Braff) parece ter toda a sua vida encaminhada. Tem um ótimo emprego e um relacionamento sólido de três anos com Jenna (Jacinda Barrett), sua linda namorada. Quando Jenna anuncia sua gravidez, a ficha finalmente cai para Michael: ele tem quase 30 anos e vai ser um pai de família, e as responsabilidades que isso acarretará o faz ansiar por revisitar sua juventude, o que o leva a ter um caso com Kim (Rachel Bilson), uma doce e espontânea estudante de música. Seus amigos parecem não ir muito bem nesse departamento. Izzy (Michela Weston) acaba de se demitir da empresa de seu moribundo pai e acaba de passar por um rompimento nada agradável com a namorada, Arianna (Marley Shelton), por quem ainda está apaixonado. Chris (Casey Affleck) está em crise com sua esposa, Lisa, que foi agravada pelo nascimento do filho do casal. A única exceção é Kenny (Eric Christian Olsen), que vive alegremente uma existência inconseqüente, sem grandes relacionamentos ou responsabilidades. Já Stephen (Tom Wilkinson) e Anna (Blythe Danner), pais de Jenna, passam por uma situação diferente: Ela, em vias de se tornar avó, passa a querer mais da vida e a rotina de 40 anos de matrimônio parece demais para ela, já que seu marido parece desprovido de paixão, levando-a a um desabafo pesado contra seu marido a revisitar um antigo caso.

O que liga esse amontoado de revezes é a simples questão se a pessoa com quem estamos (ou a que desejamos) é a pessoa com quem devemos ficar, aquela que nos acompanhará pelo resto de nossas vidas. Com todos esses relacionamentos desabando, caberá aos personagens a decisão de lutar por eles ou seguir em frente. Tais decisões são especialmente importantes nos casos de Michael e Chris, já que aí temos a questão da paternidade, principalmente no caso do primeiro, já que vemos momentos felizes e descontraídos entre ele e Jenna (suas conversas no carro e na cama), enquanto vemos os outros casais do filme apenas descendo ladeira abaixo. Assim, acabamos por torcer que Michael resolva cair em si e ajeitar logo sua situação com a futura mãe de sua criança. O que funciona a favor do filme é que, apesar dessa ser a história principal, as outras não são menos interessantes, todas sendo desenvolvidas e concluídas satisfatoriamente.

O elenco, como já mencionei, exala carisma, mas não só isso. A competência dos atores faz toda a diferença do mundo, já que a partir dela que o filme ganha credibilidade. Zach Braff compõe seu Michael de maneira tão sincera que é impossível não se identificar com o personagem até em suas burrices (já que ele mesmo reconhece que alguns de seus atos são bem estúpidos). Aliás, qualquer ator que faça uma piada sobre gases (algo que, via de regra, abomino) ficar engraçada, merece meu respeito. Jacinda Barrett faz uma Jenna extremamente fragilizada pela situação de seus pais e pela circunstância especial que se encontra, mas consegue fugir de todos os clichês de "mulher traída". Graças a sua energia e simpatia, Rachel Bilson consegue que sua Kim não seja antagonizada pelo público, apesar de sua participação no triângulo amoroso com Michael e Jenna. É dela um dos meus diálogos favoritos do filme, sobre a precocidade atual das crises pessoais. Casey Affleck coloca na tela a dubiedade dos sentimentos de seu Chris. Enquanto seu amor por Lisa está acabando, ele pensa no futuro de seu filho. Michael Weston com seu Izzy, com certeza a figura mais sofrida do filme, apesar de exagerar um pouco em alguns momentos (principalmente nas cenas em que seu personagem enfrenta sua ex-namorada) consegue se sair bem no geral. Eric Olsen é o retrato da adorável inconseqüência com seu Kenny. Sobre os mais velhos do elenco, é chover no molhado falar de Tom Wilkinson, que consegue alternar entre ternura e ironia em seu Stephen. Já sua companheira de cena, Blythe Danner, também se sai muito bem, principalmente em sua discussão com Stephen e seu encontro com o Professor Bowler (uma ponta de Harold Ramis).

A direção firme de Tony Goldwyn (responsável pelo fraco "Alguém Como Você"), conduz a história da maneira certa, contando-a da maneira mais sóbria possível, mesmo porque algumas cenas tendem demais para o exagero, como na qual Anna chora em frente a uma janela, ou quando Izzy procura Arianna para uma conversa. O diretor evita repetir os ângulos e enquadramentos da produção original italiana, conseguindo dar vida autônoma a seu filme. A edição do filme confere a este um ótimo ritmo, graças ao ótimo trabalho de Lisa Zeno Churgin (repetindo aqui seu ótimo desempenho de "Casa de Areia e Névoa"). É desnecessário falar novamente no ótimo trabalho que Paul Haggis fez ao adaptar o roteiro, cortando alguns personagens e situações do original que, apesar de funcionarem bem no filme de Muccino, não vejo se encaixando bem neste filme. A edição é reforçada pela maravilhosa trilha sonora, que se mistura perfeitamente ao filme (só como exemplo, a música "Today's The Day" de Aimee Mann, que toca quando Micheal e Jenna estão deitados, pensando no eventos que ocorreram em suas vidas).

Martelando a mensagem de que "não é o que você sente pelas pessoas que você ama que conta, e sim o que você faz por elas", o filme consegue ser uma obra pungente sobre temas tão explorados pelo cinema: amor e amadurecimento. Vale a pena tanto assisti-lo, quanto dar uma conferida em "O Último Beijo".

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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