Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de abril de 2007

Um Beijo a Mais

Após ter sua estréia adiada nos cinemas brasileiros, "Um Beijo a Mais" finalmente chegou às salas de projeção nacionais e mostrou para o quê veio. Com uma trama que retrata as crises de relacionamentos em geral, demonstra ser mais um filme para figurar o hall daquelas produções cujo teor conta com um pouco de reflexão acerca da essência dos seres humanos e suas incertezas à respeito da vida.

Desde que, em 2004, Zach Braff (mais conhecido por seu personagem J.D., do seriado "Scrubs") dirigiu, roteirizou e estrelou o singelo "Hora de Voltar", uma expectativa em torno de seu próximo projeto foi intensamente alimentada. Embora apenas atue em "Um Beijo a Mais", várias pessoas se sentiram compelidas a assistir a este filme, à procura da mesma qualidade vista no longa-metragem de 2004, que seria, de certa forma, encarado como um referencial. No entanto, comparações não devem ser feitas, visto que as duas tramas são repletas de particularidades, tratando de assuntos diversos vistos de uma maneira diferente.

Adaptação do italiano "O Último Beijo", dirigido pelo aclamado Gabriele Muccino, "Um Beijo a Mais" traz como protagonista Michael (Zach Braff), um arquiteto de 29 anos, quase 30, que se vê obrigado a encarar a realidade propriamente dita quando Jenna (Jacinda Barrett), sua namorada durante três anos, fica grávida. Relutando com a idéia de desempenhar os papéis de pai e marido, o sujeito tem a sua confusão alimentada ao notar que ficou atraído por Kim (Rachel Bilson), uma jovem universitária. Enquanto os melhores amigos de Michael sentem o peso de suas próprias responsabilidades, que vão de encontro ao desejo de viajarem para a América do Sul, os pais de Jenna tentam finalmente administrar o seu difícil casamento de anos. Dessa forma, o filme acompanha a história de três gerações que lutam com os prós e contras da vida.

Acima de tudo, "Um Beijo a Mais" procura, de certa forma, escancarar a realidade dos relacionamentos amorosos e receios humanos. Embora não faça, em alguns momentos, da maneira admitida como mais correta, demonstra ser um projeto que beira a maturidade (disse "beira" devido ao fato de possuir algumas visões imaturas acerca de ações dos indivíduos). O foco principal do filme são as relações amorosas, e estas são tratadas por intermédio de bons exemplos criados pelo roteiro de Paul Haggis (ganhador dos Oscars de Melhor Roteiro Original e Melhor Direção por seu trabalho em "Crash – No Limite"). Ao acompanhar três gerações distintas, mesmo que superficialmente e com tendência a visar mais a de Michael, que é o protagonista, Haggis engloba mundos diferentes, e faz com que notemos que todos, em se tratando de relacionamentos, giram em torno do mesmo eixo.

Não importando a idade, vemos que cada ser possui suas incertezas, suas necessidades e seus medos, aflorados de maneiras mais diversificadas possíveis. Ao abordar com mais afinco os dilemas vivenciados pelo protagonista e seus amigos, começamos a achar que passar por uma crise dos 30 anos é praticamente inevitável, embora, dependendo da pessoa, seja ressaltada de maneira mais real. As necessidades dos seres humanos perante relacionamentos, a intensa vontade do sentimento de segurança e a pressão que as vezes é desempenhada por nossos parceiros são alguns dos casos que vemos, superficialmente, neste longa-metragem. Cada geração é tratada com sua particularidade, no entanto, todas dizem respeito aos dilemas amorosos em geral.

A direção de Tony Goldwyn também mostrou-se clara, sem delongas desnecessárias, partindo direto para o ponto, que é dar destaque às intensas emoções vividas pelos personagens. Ao trazer seqüências bem trabalhadas e destacar o mais importante, Goldwyn conseguiu dar leveza à trama, mesmo que o teor de sua história não seja tão simples assim. O cineasta também foi capaz de acompanhar bem várias cenas, inclusive as de teor sexual, fazendo com que estas não caíssem na promiscuidade e não revelassem mais do que deveriam. Tudo está na medida. O humor sutil bem trabalhado pelo roteiro possibilitou que o manejo de Goldwyn se tornasse mais fácil, trazendo uma seriedade aparentemente descompromissada.

O problema da história, no entanto, foi o excesso de estereótipos no qual a trama caiu. Nem todos os casais passam pelas crises exemplificadas, sem contar que nem todos os homens podem ter suas imagens reduzidas as dos personagens dos filmes. "Um Beijo a Mais" deu a entender que apenas pessoas do sexo masculino passam por dilemas acerca de relacionamentos e têm um certo medo de compromisso, enquanto as mulheres são mais seguras de si e cheias de vontade. É notável para qualquer um que seres humanos são um só, independente de sexo, e possuem os mesmos anseios e dúvidas, sendo injusto dividi-los em categorias distintas. Ao passo que erra em fazer uma divisão das pessoas pelo sexo, acerta ao não priorizar tanto determinadas faixas etárias. Vale ressaltar também que todos os aspectos do filme foram ajudados intensamente pela ótima trilha sonora. Com músicas que alternam momentos felizes e depressivos, a lista de canções engloba cada ocasião do longa-metragem perfeitamente. Destaque para as ótimas Warning Sign, do Coldplay, e Hide and Seek, da cantora Imogen Heap.

O elenco também se adequou perfeitamente ao pedido. Zach Braff cada vez mais vem se destacando como um ator em ascensão em Hollywood, fazendo com que a sua cara de bobo seja esquecida e dando lugar a um profissional sério do ramo artístico. O seu Michael consegue transpor as barreiras e realmente fazer com que os espectadores se identifiquem e se sintam como o personagem. Jacinda Barrett faz de Jenna a namorada/esposa que qualquer um gostaria de ter, trazendo docilidade e meiguice na medida certa, além de certa dose de compreensão. Rachel Bilson, por sua vez, mais conhecida por interpretar a Summer, do seriado "The O.C.", faz com que sua aparente jovialidade seja um motivo a mais para surgir uma química entre sua personagem e Michael. A garota exala beleza e talento, sabendo dosar da maneira correta a "maturidade" de sua personagem com a sua vontade.

Enfim, "Um Beijo a Mais" é um projeto que não pode ser considerado totalmente maduro. Trata das relações amorosas em geral, sob a perspectiva de diversas gerações, mas peca ao cair em certos estereótipos e abordar com alguma imaturidade algumas relações. Com um roteiro do ganhador do Oscar Paul Haggis, o longa-metragem não deve ser visto como um dos melhores exemplares do gênero, porém cumpre muito bem o seu papel de fazer com que reflitamos acerca dos anseios e dúvidas humanos. Também deve ser ressaltado seu o humor sutil, fazendo com que o assunto principal seja tratado com leveza e transparência. Mais um ponto alto para a carreira de Zach Braff, que, após "Hora de Voltar", apenas vem se destacando perante a indústria cinematográfica.

Andreisa Caminha
@

Compartilhe

Saiba mais sobre