Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de abril de 2007

Férias de Mr. Bean, As

Depois de anos sem aparecer em uma nova aventura, Rowan Atkinson revive o inesquecível Mr. Bean em um filme que possivelmente irá agradar àqueles que viraram fãs de um dos personagens mais vangloriados dos anos 90, sempre com seu jeito esquisitão e sua ingenuidade pateta que sempre arranca boas risadas.

Protagonizando um dos seriados cômicos de maior sucesso do início da década passada, Mr. Bean solidificou-se como um personagem que funciona em qualquer época e para qualquer público. Isso se deu inclusive pelas constantes reprises que o seriado ganhou após seu término em 1995, quando Atkinson já havia cansado de dar vida ao funcionário público e tinha conseguido encher sua conta bancária. Tais reprises conquistaram mais público e aqueles que já admiravam as palhaçadas de Bean se contentavam em rever e riam novamente com elas. Dois anos após o término do feriado, Atkinson resolveu filmar "Mr. Bean – O Filme" e trouxe à tona, mesmo que em pouco espaço de tempo, mais diversão e rendeu US$ 100 milhões em bilheteria antes mesmo de sua estréia nos Estados Unidos, duplicando este valor em arrecadação no mundo todo. Dez anos depois, Atkinson realiza "As Férias de Mr. Bean" e promete que será a última vez que vestirá o paletó e os trejeitos do personagem, o que é lamentável. Verdade ou não, a nova aventura de Bean na sua conturbada passagem pela França deixa claro que sua vitalidade ainda pode render muita risada e bons momentos de entretenimento.

Na trama, Bean participa de uma rifa local e vence o primeiro prêmio do evento: uma filmadora, 200 euros e uma viagem espetacular para o sul da França, em um período que coincidiria com o anual e badalado Festival de Cannes. Animado com as férias e a oportunidade de finalmente poder conhecer uma praia, Bean coloca a filmadora em punho e começa sua jornada até a França. Logo durante seu embarque, o protagonista pede para um passageiro, que mais tarde seria conhecido como o júri de Cannes, o russo Emil Duchesvsky (Karen Roden), para filmá-lo embarcando no trem. Sempre perfeccionista e sem contar com o acaso, Bean faz com que Emil perca o trem onde embarcaria com o filho Stepan (Max Baldry). Sem saber como agir, Bean acaba fazendo companhia ao garoto de 10 anos, que decide parar na próxima estação, onde poderia se reencontrar com o pai. Porém, tal eventualidade não acaba acontecendo e Stepan e Bean começam uma jornada até Cannes, mas o que eles ainda não sabem é que estão sendo procurados pela polícia, pois Emil acusou Bean de seqüestro. Na viagem, muitas atrapalhadas e situações que só o Mr. Bean viveria acontecem, além de conhecer a bela Sabine (Emma de Caunes), uma atriz em começo de carreira que mexerá com o coração do personagem.

Quem não conhece a forma de fazer humor utilizada por Mr. Bean e procura uma comédia pastelão que gera milhões de gargalhadas certamente se desapontará com o longa. Isso se deve ao simples fato de que Bean conseguiu fidelizar seus espectadores ao construir um personagem caricato que, antes de parecer idiota, é, acima de tudo, uma pessoa ingênua que acredita que tudo pode ser mais simples e, por isso, acaba entrando em confusões que só ele mesmo poderia causar. A graça de Mr. Bean sempre esteve nessa identificação que ele cria com o espectador, trazendo à tona todas aquelas noções de gafes e constrangimentos que alguém poderia viver. É a partir desse reconhecimento da relação de um personagem vivendo eventos exóticos, porém não tão impossíveis, que se recebe a dosagem certa de humor durante toda a duração do filme. Outro ponto importante a ser discutido é justamente o resgate ao humor feito em tempos de cinema mudo, já que Mr. Bean sempre articulou poucas palavras em seus episódios, deixando a linguagem corporal e suas fisionomias estranhas e divertidas influenciarem na comédia. Um diferencial inferior deste filme para os episódios convencionais do seriado televisivo é que o roteiro de "As Férias de Mr. Bean" sofre um pouco com a falta de criatividade em criar momentos mais engraçados. Não que os que foram trabalhados não sejam, mas ficamos com a sensação de que algo a mais poderia ter sido feito para realmente fazer jus à lenda que Atkinson. Além do mais, percebemos uma séria falha ao tentar amarrar o roteiro e fazer com que, no final da trama, tudo seja perfeitamente coerente. A fragmentação dos fatos vividos por Bean acontece de maneira informal e acaba dando um toque de artificialidade à trama, que certamente não possui o mesmo efeito que um seriado do personagem teria, isto justificado por vários argumentos, como a duração da projeção e o trabalho mais apurado das histórias.

Mesmo assim, fica impossível não embarcar na viagem junto com Bean e se divertir com seus tiques e ruídos que intensificam a interpretação de Atkinson em cada momento da trama. Mr. Bean tem uma magia incrível que, ao mesmo tempo em que vive coisas esdrúxulas, consegue deixar claro sua ingenuidade. A junção de Bean com o pequeno Stepan é uma prova clara da personalidade do primeiro, pois, ao lado de Stepan, Bean consegue encontrar alguém para partilhar suas idéias e aspirações, por mais que seja complicado na questão de comunicação. O mesmo se dá com Sabine, que, além de inovar na parte sentimental de Bean, coisa que não aconteceu antes, dá uma credibilidade imensa a esse carisma do personagem e é Sabine que tem um papel essencial para que a história em geral não caia em um tremendo besteirol contemporâneo. O diretor Steve Bendelack consegue extrair dos atores boas funções da trama, apesar de aparentar amadorismo em alguns planos e seqüências um tanto quanto ineficazes. De qualquer forma, Bendelack sabe sobrepor a trilha sonora de maneira certa e ainda consegue compactuar com bons momentos fotográficos, como aqueles de Bean esperando pacientemente uma carona em plena estrada deserta.

Resgatando um humor simples e saudável, "As Férias de Mr. Bean" tem tudo para satisfazer aos que já estavam com saudades das peripécias vividas por Bean. Por mais que não tenha todo aquele requinte humorístico e particular que o seriado televisivo teve, o longa chega para comprovar que a empatia e o sucesso do personagem certamente viverá para sempre, junto com tantos outros personagens do cinema que ficaram na história. Com Atkinson sempre em boa forma, fica inegável se tornar sinônimo de muita segurança e aproveitamento nos noventa minutos de projeção. Acompanhado de um elenco e equipe técnica cuja instabilidade interfere na eficiência geral, "As Férias de Mr. Bean" é uma comédia sedutora melhor do que muitas das várias feitas pela indústria hollywoodiana anualmente, por isso, acaba sendo uma ótima opção de entretenimento.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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