Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Rainha, A

Depois de toda a repercussão de prêmios e a euforia acerca da atuação de Helen Mirren na pele da Rainha Elizabeth II, o longa “A Rainha” chega para mostrar uma simples história que mistura a ficção com a tentativa de recriar um momento importante na vida da monarca e a sua projeção mundial depois do fatídico acidente da Princesa Diana.

Após conferir os quase cem minutos do novo projeto do diretor Stephen Frears, me veio a cabeça um questionamento bastante viável e uma resposta mais interessante ainda. Aos cinéfilos que estão conectados neste período de premiações cinematográficas, já não é mais novidade o favoritismo de Helen Mirren a arrebatar todos os prêmios que lhe forem designados. Foi a partir daí que eu descobri, pelo menos, o meu verdadeiro interesse em assistir “A Rainha”: pela atuação da britânica. Em momento algum a sinopse me desinteressou, mas acho que o grande público precisa presenciar a tão badalada performance de Mirren como a Rainha. Após esta conclusão, vejo-me na obrigação de falar que é aí que a publicidade construiu o sucesso do longa, ou seja, não necessariamente julgando ser uma boa produção, o que, na realidade, o é. Mas é apenas bom e ponto final. Mesmo usando de uma temática atraente e de recursos de montagem advindos de um roteiro esteticamente bem realizado, “A Rainha” ainda sofre com alguns problemas técnicos que nem o brilhantismo de Mirren é capaz de disfarçar.

1997, o mundo pára após a notícia que a polêmica, bondosa e carismática Princesa do Povo, ou Lady Di, teria sofrido um acidente e que toda a sua juventude e seus projetos sociais seriam interrompidos por uma morte avassaladora. Talvez este seja um dos momentos históricos mais marcantes das últimas décadas e isso é justificado pela figura que Diana conseguiu se tornar, mostrando sua sensibilidade e virando um alvo traumático para a imprensa internacional. Sua vida toda foi exposta a holofotes e assim vem acontecendo até hoje, quando seu acidente ainda é remoído e novas conclusões são tiradas. Mais do que um ícone que depravava sua vida com a luxúria, mas que não conseguia se abster do seu lado decente e humano. Sua rixa com a realeza britânica sempre foi declarada, mas não foi o suficiente para tirar o brilho de princesa que detinha. O roteiro de Peter Morgan sem ambienta justamente na repercussão mundial que foi o acidente e como foi registrada a comoção mundial em relação ao fato, juntamente com a reclusão da Família Real em não fazer declarações públicas acerca da morte, ou seque prestar uma homenagem. A rainha Elizabeth II passa a controlar seu conservadorismo para tornar seu posicionamento e seus netos longe dos olhares da mídia, que começa a bombardear e a exigir, junto com o povo, um posicionamento da monarquia.

Morgan constrói a semana que sucedeu após a morte de Diana e a influência do recém-eleito Primeiro Ministro Tony Blair, que com suas idéias revolucionárias e populares passa a juntar o útil ao agradável e tenta mostrar à Rainha a necessidade de um discurso ser realizado, ou ao menos uma bandeira ser posta em seu castelo, ao mesmo tempo em que ele poderia ganhar a graça dos britânicos no início de seu mandato. O recurso mais interessante usado por Morgan na tentativa de ambientar todo esse período de discussão mundial é trazer junto à reconstrução do fato, registros imagéticos da imprensa, contando com declarações da Princesa Diana e momentos imprescindíveis para o caso ser solucionado, o que muito me lembrou a montagem do excelente “Forrest Gump – O Contador de Histórias”, que também usa de recursos televisivos para pontuar os seus momentos históricos. Em “A Rainha” isto acaba dando um toque bastante documental na projeção, sem forçar a barra nem endeusar a figura de Lady Di, muito menos incriminando as decisões de Elizabeth II. Mesmo tendo sucesso ao seguir este formato, o roteiro de Morgan sofre muito com o desgaste dramático e emocional, constantemente cercado de um humor sutil que humaniza mais a realeza, mostrando-a mais “normal” do que parece e fazendo da Rainha uma figura carismática e um tanto quanto sarcástica. Este desgaste na história acaba dando um toque desagradável que ameniza o clímax da história e parece seguir sempre a mesma linha, sem esconder seus problemas de evolução. Por mais que tenha tentado simbolizar todo o conservadorismo da realeza em virtude ao acidente, alguns momentos são bastante caricatos e deixa o filme morno e pouco atraente.

O diretor Stephen Frears acaba demonstrando também não saber lidar com essa vulnerabilidade quase inexistente na trama e assume uma condução basicamente mecânica, deixando que os momentos mais importantes tenham sido definidos pela direção de fotografia, que também acaba se perdendo em diversos momentos. Mesmo assim, Frears dispôs de todos os elementos básicos para dar um upgrade na trama, mas seu leve desconforto acaba descaracterizando seu trabalho. A direção de arte, juntamente com o figurino e a maquiagem são alguns dos elementos impecáveis da projeção, o que acaba sendo uma pena já que foram tão mal explorados. A trilha sonora é outro elemento que consegue acompanhar comedidamente e com sucesso o andamento da trama, além de aparecer discreta e marcante. Frears parece não ter conseguido incorporar tudo isso e acabou fazendo um trabalho vago, adjetivo este que também se aplica a alguns momentos da história, que tenta significar tanto, mas acaba na superficialidade.

A tão misteriosa cena onde Elizabeth II se sensibiliza com um cervo que é alvo de caçadores acaba sendo caricata e foi tão mal administrada que não consegue realmente deixar clara a função deste momento em relação às suas decisões futuras. Além disso, as constantes redundâncias e a pouca eficácia em estabilizar o filme acaba prejudicando um pouco a produção, mas isso tudo pode passar despercebido por grande parte do público, já que o encanto provocado por Helen Mirren é o que convence a ficarmos até o final da película. Mirren constrói uma Elizabeth II com um intimismo latente. Seus trejeitos, olhares e seu bom humor acaba sendo o mais aproveitável de todo o filme. Na realidade não só Mirren, mas Michael Sheen, James Cromwell e Sylvia Syms conseguem também dar um toque característico a seus personagens e seguram as deficiências do longa. Além disso, é importante ressaltar que os personagens foram construídos sem o mínimo de exagero, o que poderia ter prejudicado o andamento da trama, já que apelar para estereótipos seria mais um erro da produção.

Problemas à parte, “A Rainha” mostra de uma forma interessante a manipulação da mídia no caso Diana/Família Real e passa a atuar como fator decisivo e democrático até conseguir sugar da Rainha um posicionamento devido ao acontecido. É aí que Elizabeth II abre mão de conseguir entender a repercussão mundial com o acontecido e abre mão de seu conservadorismo, evitando ser rejeitada pelo seu povo que poderia ameaçar a credibilidade de sua monarquia. Com uma temática interessante, mas um tanto quanto rasa, acabamos por nos agradar muito mais com o caráter documental que “A Rainha” adere do que como uma produção cinematográfica que ousa ser um estardalhaço de criatividade ou inovação. Uma produção um tanto quanto interessante, mas que não consegue cativar ao máximo grande parte do público. Mesmo assim, é uma boa opção para o espectador mais exigente e talvez seja uma das melhores escolhas para vencer o Oscar 2007, por preencher quesitos importantes na avaliação da academia.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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