Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Rocky V

O quinto filme da franquia "Rocky" consegue ser sem dúvidas o mais fraco da série. Exceto por algumas passagens que fazem lembrar o primeiro – e melhor – filme da série, "Rocky V" é chato durante a maior parte do tempo.

"Rocky IV" foi extremamente divertido. Não tinha mais aquela seriedade dos primeiros filmes, mas exaltou o ego de Stallone com uma vitória de Rocky sobre um pugilista russo, transmitiu sua mensagem e pronto, seria um bom final para a franquia de sucesso. Mas, como nem sempre o bom senso se aplica em Hollywood, é preciso quebrarem a cara para que aprendam a lição e parem de fazer filmes para não sujar a imagem da famosa série. E "Rocky V" foi essa lição. Após dirigir as três últimas seqüências da série, Stallone resolveu assumir os cargos apenas de roteirista e ator, passando a cadeira de volta para John G. Avildsen, vencedor do Oscar pelo ótimo trabalho no primeiro filme. Mas Avildsen pareceu desaprender como se faz um bom filme.

Após o combate contra Ivan Drago, Rocky vem a se deparar com uma situação difícil: perde quase todo o dinheiro graças a um contador corrupto, e ainda descobre que estava impossibilitado de continuar a lutar sob o risco de vida. Volta a morar no bairro de origem na Filadélfia e passa a conviver com problemas sociais e pessoais, principalmente em relação a seu filho. Encontra um promissor lutador de boxe e decide treiná-lo. Tudo corria bem até quem um grande empresário "rouba" o seu pupilo. Os dois (mestre e aprendiz) acabaram se enfrentando para decidir quem realmente é o "campeão dos campeões!"

O mal do roteiro não é nem o tema em si, pois faz total sentido a decisão de Rocky em abandonar a carreira – algo que ele pretende desde o segundo filme – e queira se dedicar à carreira de treinador, principalmente após as escoriações no cérebro provenientes da luta anterior (explicação muito bem encaixada). Mas, convenhamos, existe graça em um filme de Rocky sem vê-lo entrar nos ringues e ver toda sua apreensão antes de uma luta? A idéia para o destino do personagem é muito válida, mas longe de ser suficiente para se fazer um filme. Uns letreiros no fim do filme anterior, explicando o destino do personagem, seriam muito mais convenientes. Como quiseram fazer mais um filme, o jeito foi apelar para uma série de situações clichês.

O fato de não ver Rocky se preparando para uma briga, e sim na posição de treinador, já não é muito animador de se ver, e tudo piora muito com o fato de seu pupilo, Tommy Gunn (vivido pelo fraquíssimo Tommy Morrison), não ter carisma algum. Assim, fica difícil torcer por bons desempenhos seus nas lutas, e mais difícil ainda compreender tamanho afeto que Rocky adquire por ele, a ponto de deixar sua família em seu segundo plano (algo absurdo para quem acompanhou a essência do personagem durante os outros quatro filmes da série). E o fato de Rocky negligenciar a família foi lamentável, pois a sua relação com seu filho poderia ter muita carga dramática a ser abordada, mas o diretor optou pela mesmice do "pai que trocou o filho por um estranho".

Talvez a intenção do diretor fosse deixar sempre explícito a possível alteração de caráter de Tommy que iria ocorrer, mas, mesmo assim, tudo soou demasiadamente exagerado. É muito forçado o modo que Rocky, antes muito relutante em agenciar alguém, aceita treinar Tommy após um simples jantar em sua casa e exprimindo uma enorme empolgação. Porém mais forçado ainda é o modo que Tommy repentinamente "apunhala pelas costas" seu treinador, por ele não achar que seu pupilo ainda não estava pronto para disputar o título mundial (Anakin Skywalker?), e para piorar, em pouco tempo cria um ódio imenso por seu ex-mentor.

E "Rocky V" quebra todos os padrões da franquia ao apresentar a luta principal não nos ringues, mas no meio da rua, sem luvas, sem regras. Tudo bem que a intenção do nosso protagonista era não satisfazer a vontade do mega-empresário George Duke de atrair a mídia através de um confronto entre "mestre e pupilo", mas, convenhamos, onde está sua ética? Até onde saibamos, Rocky sempre foi um homem prudente, e nunca se orgulhou de ganhar a vida lutando, e acaba que em sua aposentadoria vai lutar ilegalmente no meio da rua? Para piorar, o roteiro de Stallone falha feio ao mostrá-lo como herói brigando na rua, sendo ovacionado pelo público, demonstrando uma péssima influência. No fim das contas, seu ex-pupilo ainda é preso por cometer tal ato, enquanto ele sai impune. Afinal, não eram os dois que estavam violando as leis ao brigar na rua?

Em meio às muitas decepções, o quinto filme ainda possui alguns momentos que irão fazer os fãs do original se deliciarem. Toda a sua volta a sua rua na cidade Filadélfia, a retratação da academia de Mickey abandonada, sua antiga jaqueta preta de tigre com um chapéu-coco, estão presentes, como uma espécie de homenagem à franquia. Nesses pontos, o diretor John G. Avildsen acerta em cheio, principalmente na direção de um flashback de um diálogo de Rocky com seu falecido treinador, Mickey, atenuando a forte relação de pai-filho existente entre eles, e até justificando sua própria posição exagerada perante Tommy Gunn. E o diretor acerta principalmente nesses flashbacks, mostrando habilidade em momentos como o da luta final, em que Rocky, prestes a ser derrotado por Tommy, enxerga a imagem de Ivan Drago (Dolph Lundgreen, seu adversário do filme anterior) e Apollo Creed (Carl Weathers), conscientizando-se que é melhor do que tudo aquilo e ganhando forças para não desistir.

Salvo esses momentos, "Rocky V" acaba por decepcionar os verdadeiros fãs da série por tamanha distorção de personagens e contexto. Para os não-fãs, trata-se apenas de mais um filme de ação mediano. Felizmente, dezesseis anos depois, Stallone iria ressuscitar a franquia com "Rocky Balboa", pois uma série de tanto sucesso como essa merecia de fato uma conclusão melhor.

Thiago Sampaio
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