Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Rainha, A

Com uma sensibilidade apurada e um senso de humor refinado, o filme "A Rainha" retrata a intimidade da Família Real nos dias que se seguiram após a morte da Princesa Diana de forma memorável. É, sem dúvidas, um dos grandes trabalhos do ano.

Se tivermos de formar uma imagem da Família Real em nossas mentes, logo nos vem a visão da velha e antipática Rainha Elizabeth II, com seus costumes antiquados e conservadores. Procurando desmistificar esse estigma, o filme de Stephen Frears retrata o cotidiano desta nobre senhora de forma bem-humorada e sensível, reconstruindo a imagem de uma rainha que resiste com força e dignidade aos impropérios da modernidade. A imagem de uma rainha fria e sem coração aos poucos vai se desfazendo ao acompanharmos momentos corriqueiros desta, como vê-la dirigindo e emocionando-se pela morte de um animal. Ao final da projeção, acabamos por mudar de idéia, e quando um filme atinge este mérito, torna-se certamente notável.

A história se passa em um período em que a Família Real se vê abatida por uma inusitada ameaça à instituição monárquica britânica: a morte da Princesa Diana. O carisma e o apelo popular da Princesa, juntamente com o governo liberal instaurado pelo recente-eleito primeiro-ministro Tony Blair, entram em choque com linha tradicional seguida por Elizabeth II. Tentando preservar os netos e resguardar o momento difícil pelo qual passava a família, a monarca escolhe a reclusão e evita, desta forma, servir como mais uma peça para o fenômeno da mídia. No entanto, a Rainha não contava com a força dos veículos de comunicação, que a colocou contra a opinião pública e tomou por insensível e fria a atitude da Família Real. Frente a desaprovação popular e a descrença em seu governo, Elizabeth II vive o dilema de se declarar publicamente sobre a tragédia e ter que quebrar protocolos, cedendo regalias para o funeral da Princesa (que na época já estava divorciada, e, portanto, não mais pertencia à Família Real).

É interessante notar o relacionamento mostrado no filme entre Elizabeth II e a Princesa Diana. Para a Rainha, Diana era alguém que botava em jogo o nome da Família Real ao expor as intimidades e fraquezas dos que habitavam nos bastidores do Palácio de Buckinham. A Princesa, que expunha seus sentimentos publicamente e desta forma conquistava o carisma do povo, permitia-se ser alvo da mídia, e portanto consentiu com a exploração de sua imagem, que acabou por causar-lhe a morte. Ao adotar a postura inerente a uma Rainha em não se pronunciar à imprensa sobre a morte da Princesa, ou seja, deixando os sentimentos atrás dos deveres profissionais, ao contrário de Diana, Elizabeth II acaba atraindo para si a antipatia popular, e vê seu ego ferido ao ver a idolatria do povo pela imagem de Diana.

Um dos grandes destaques do filme é a atuação espetacular de Helen Mirren no papel da Rainha. A atriz consegue a proeza de transmitir sentimentos em uma figura tão fria e inexpressiva como Elizabeth II, uma mulher crescida sob as dificuldades da guerra e que viveu sob as pesadas normas palacianas. Por falar nisso, é divertido notar a impaciência da Rainha perante as normas protocolares, como, por exemplo, na cena em que o Ministro Tony Blair conversa pela primeira vez com a monarca ao assumir o poder. Helen Mirren também consegue emprestar com perfeição até mesmo os trejeitos e a determinação de Elizabeth II, fazendo-nos crer que realmente estamos diante da Rainha da Inglaterra. Outra atuação marcante é a de Michael Sheen, que, além da semelhança física, consegue passar a vivacidade necessária para o jovem primeiro-ministro Tony Blair, com seus ideais liberais e revolucionários. Alguns outros personagens acabam tendo um papel mais esquemático na trama, como o Príncipe Charles (Alex Jennings), uma figura totalmente frustrada e sem carisma, e a Rainha-Mãe (Sylvia Syms), que serve como uma espécie de alívio cômico na história.

Além das boas atuações, a direção de arte também impressiona ao recriar com perfeição os ambientes internos do Palácio de Buckinham e ao mostrar, também, o contraste deste com o ambiente familiar e desorganizado do primeiro-ministro Tony Blair. Outros aspectos técnicos, como maquiagem e figurino, também se mostraram impecáveis. A trilha sonora, discreta e agradável, está totalmente de acordo com o que é pedido pelo filme. Mas o grande destaque de "A Rainha" é mesmo o excelente roteiro escrito por Peter Morgan, repleto de diálogos elaborados e bem construídos.

Indicado a seis Oscars, "A Rainha" é certamente um grande concorrente e o meu favorito a levar a grande estatueta do ano. Ao acompanhar uma trajetória tão intrigante, somos levados a admirar, juntamente com o primeiro-ministro Tony Blair, as atitudes nobres de Elizabeth II ao tentar evitar o funeral espetaculoso que a Princesa Diana acabou tendo. Com força e sabedoria, ela mostrou ser capaz de mudar e se adequar aos novos tempos. Os ingleses devem estar orgulhosos de sua Rainha e deste belo filme.

Diego Coelho
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