Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Rocky IV

O quarto filme da franquia "Rocky" pode não apresentar a seriedade dos dois primeiros filmes da série, mas, visto como uma legítima diversão passageira, o filme cumpre seu dever com primor. Um adversário bacana para o protagonista e uma subtrama política fazem de "Rocky IV" um bom passatempo.

Desde o filme anterior, a franquia "Rocky" havia perdido em partes sua identidade, se transformando em mais uma série caça níquel com um conteúdo cada vez rasteiro. Faz sentido, afinal, o personagem Rocky já havia se estabelecido tanto financeiramente como emocionalmente. Todo aquele seu drama para mostrar que sua habilidade com lutas supriria sua falta de inteligência, seu conflito interno para mostrar que não é mais apenas mais um lutador de bairro, a importância de sua esposa Adrian em sua vida, tudo isso já havia sido abordado de maneira correta nos dois primeiros, deixando um enorme buraco para o que seria abordado nos filmes adiantes. O que sobrou? Muita porrada. Após um mediano "Rocky III – O Desafio Supremo", o quarto filme, novamente dirigido, roteirizado e estrelado por Sylvester Stallone, chega seguindo a linha de divertir sem precisar muito o cérebro. E acaba por conseguir com méritos.

Rocky Balboa (Sylvester Stalone) está frente a frente com o seu maior mortal adversário: o soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren), um atleta desenvolvido pela cibernética soviética. Após a implacável destruição de seu treinador e amigo pessoal Apollo Creed (Carl Weathers), vencer Drago torna-se a grande obsessão de Rocky. Isto o leva até às estepes geladas da Sibéria, onde, sob condições subumanas, Rocky treina intensivamente para a luta mais perigosa de sua vida.

A mudança de estilo se percebe logo no início, quando Rocky dá de presente de aniversário para seu cunhado Paulie um robô – fêmea, diga-se de passagem – que faz simplesmente tudo, semelhante aquela serviçal da família Jetsons, do desenho de Hanna Barbera. Algo, no mínimo, absurdo, para quem acompanhou Rocky no começo do primeiro filme apanhando para conseguir míseros quarenta dólares. Mas o filme consegue não cair no ridículo, pois, pela primeira vez, uma trama política é apresentada na franquia, deixando o quarto filme bem mais interessante do que aparentava de início.

A inclusão na trama de um adversário russo que anseia a profissionalização do boxe na União Soviética é interessante, pois entra em pauta novamente todo um contexto de Guerra Civil. No momento em que os americanos Rocky ou Apollo Creed entram num ringue contra o russo, não é mais apenas uma luta de boxe, e sim, toda rivalidade capitalismo versus socialismo, uma briga de nações que vem à tona. E o roteiro faz questão de muitas vezes atenuar esse conflito, como quando a esposa do lutador russo Ivan Drago afirma que a mídia faz de tudo para mostrar que a URSS é o vilão do mundo, e os EUA os heróis. Algo delicado para um típico filme pipocão americano. Mas Stallone ainda bota muita palha na fogueira, ao aproveitar o estereótipo de Apollo Creed (um patriota exibicionista ao extremo), e alfineta feio os soviéticos quando ele chega para lutar com Drago vestido de George Washington enquanto o ginásio é tomado por um verdadeiro show de James Brown cantando "I live in América".

Acertadamente, o sentimentalismo que marcou os primeiros filmes, está muito bem presente, ainda que de maneira mais leve. Afinal, Rocky mais uma vez tem que lidar com a morte de alguém especial (afinal, ele nunca seria ninguém sem Apollo Creed, seja como adversário, seja como amigo) e a luta da "revanche" não se trata apenas de vingança, mas uma série de fatores que mexem com o psicológico de nosso protagonista.Vale lembrar que a importância de Adrian em sua vida, e sua eterna preocupação para com a saúde do marido também são mostradas, para não descaracterizar por completo a franquia.

Impressionante como Stallone consegue fazer uma direção firme, não deixando cair o ritmo em nenhum momento. Sensacional o longo momento de fluxo de consciência de Rocky quando este, abalado pela morte de Apollo, dirige sem rumo preocupado com a luta da revanche, e uma série de flashbacks dos três filmes anteriores são apresentados em rápidos intervalos. Ele acerta ao mostrar não apenas cenas de Rocky com Apollo, mas sim, momentos de importância de toda sua vida, como o primeiro beijo em Adrian, seu treinamento esmurrando carnes, quando atirou um objeto com desgosto em sua própria estátua no terceiro filme, a morte de seu eterno treinador Mickey, etc. Isso para simbolizar que sua luta com Ivan Drago não representava apenas uma vingança…ele estará representando seu país em meio a uma guerra, e acima disso, seu nome estará em jogo, assim como sua própria vida.

Méritos para a direção de Stallone também na fantástica cena de treinamento, em que é feito um paralelo entre os dois lutadores. Enquanto Rocky mantém-se firme ao seu treinamento primitivo baseado em corridas, cortar lenhas, puxar carroças, tudo sem quaisquer ajuda de equipamentos; o russo utiliza uma série de equipamentos de última tecnologia, desde esteiras simples, computadores modernos,a medidores de potência de socos e…, anabolizantes (mais uma alfinetada a União Soviética). Para muitos, pode ser considerado um exagero de provocação ao apresentar a Rússia comunista apresentar um avanço enorme em tecnologia em comparação ao treinamento precário do atleta dos EUA capitalista. Deixando de lado esses detalhes, são momentos de pura adrenalina que, juntamente com a trilha de fundo "Burning Heart", da banda Survivor, valem o filme.

O que garante muito a emoção é o ótimo vilão vivido por Dolph Lundgreen (onde será que ele anda hoje?). Mesmo falando menos de meia dúzia de palavras durante todo o filme, ele assusta pelo seu jeito durão e com um porte físico amedrontador. Após fazer um caldo com Apollo Creed, é mais do que natural a preocupação de Rocky com sal própria vida. E vale salientar que o duelo entre os dois talvez só não seja superior ao dele contra Apollo Creed no primeiro filme. Uma emocionante luta de um campeão mundial contra uma verdadeira muralha russa, quase imune a pancadas, em nome de uma força maior (detalhe que a própria luta em si não era autorizada pela Federação de Boxe).

Paras os fãs dos dois primeiros filmes, ainda pode ficar o gosto de decepção pelo drama do lutador ter virado definitivamente uma franquia de ação. Mas sendo encarado como diversão gratuita, "Rocky IV" é um prato cheio. Patriotismos à parte, no fim, Stallone até tenta esboçar através de seu personagem uma mensagem de paz mundial. No fim das contas, é o filme dele em jogo.

Thiago Sampaio
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