Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Rocky – Um Lutador

"Rocky – Um Lutador" é um clássico dos cinemas que abre de forma maravilhosa uma história que vai muito além dos ringues e retrata anti-heróis e uma vida nada glamourosa, tomando emprestado estilos psicológicos dos personagens dos clássicos filmes "noir".

É impossível não falar de Rocky e não vir à cabeça uma cena de luta. Para a geração dos 20 anos, a franquia pode chegar até mesmo a estar erroneamente gravada na memória. Rocky ultrapassa os limites do ringue e vai muito mais além, fazendo uma crítica ao estilo americano de ser na década de 70 (e venhamos e convenhamos, não mudou muito), buscando também a questão do sonho que se concretiza e que o ser humano, na história, é muito mais do que um ser individualista, mas sim uma somatória dos seus feitos e atos.

Rocky Balboa é o tipo de cara que sempre foi mal interpretado. O seu jeito durão sempre o colocaria na fila dos encrenqueiros. O trabalho também não era o dos mais dignos, como ser cobrador de dívidas de um mafioso, mas morando na periferia de Filadélfia, o que mais uma pessoa que completou os estudos até sétima série poderia fazer? Boxeador, claro. Era apenas mais um bico, para ganhar um dinheiro extra, mesmo que fosse 17 dólares quando perdesse ou 45 quando ganhasse. E é vivendo essa vida sem um futuro aparente, seguindo dia após dia, compartilhando suas lamentações e felicidades com Zás e Trás (tartarugas domésticas) e Moby Dick (um peixinho dourado) que Rocky segue a sua vida. Com cara de encrenqueiro, mas com um bom coração. Apaixonado por Adrian, a tímida atendente da loja de bichos de frente ao ginásio onde treina boxe, Rocky tenta ganhar a sua vida da forma como pode. E a oportunidade surge quando a luta do bi-campeão mundial de peso-pesado Apollo Creed (na versão dublada com o nome de Apollo Doutrinador) corre o risco de ser adiada. O adversário de Creed, Mack Lee Green acaba quebrando a mão e fica impossibilitado de lutar contra o bi-campeão no dia do bicentenário da independência dos Estados Unidos. Outros lutadores famosos acabam negando a luta, com a desculpa de que cinco semanas não seriam o suficiente para enfrentar o bi-campeão. Aí surge a idéia, dada por Creed, de que "na terra da oportunidade", o sentimentalismo de oferecer a vaga a um lutador local pela disputa do cinturão de campeão de pesos-pesados. Rocky não é escolhido por sua forma de lutar ou outra qualidade necessária a enfrentar o campeão. Sua escolha é devido simplesmente ao nome fictício que usa nos ringues de "Garanhão Italiano", já que nome assim soaria melhor em uma publicidade. Mas Rocky vê nesse momento a chance de mostrar que não é só mais um perdido no mundo, e, levando a sério seus próprios conselhos dados à jovem Marie (uma jovem que mora no bairro), ele sabe que é por sua reputação que será lembrado. Rocky em nenhum momento acha que possui chances de vencer Apollo Creed. Afinal, como vencer um bi-campeão dos pesos pesados? Ele segue a filosofia de que não precisa vencer, basta fazer algo que nunca ninguém havia feito antes, agüentar os 5 rounds da luta. E entre seu treinamento, a descoberta do romance com Adrian e o convívios com as pessoas próximas de si, Rocky traçará o momento que o levará a se tornar imortal diante do país.

A história do filme, criada originalmente em apenas três dias pelo próprio Sylvester Stallone, foi embasada em um momento em que o ator, descrente de sua vida em Hollywood, entre várias tentativas nada bem sucedidas de seguir sua carreira como ator, com pouco dinheiro no bolso e morando em um pequeno quitinete de 3x4m junto com seu cachorro, assiste a uma luta entre Muhammad Ali e Chuck Wepner. Durante a luta, Wepner fez algo que nunca ninguém havia feito na vida: nocauteado Muhammad Ali. Mesmo não ganhando, Wepner ficou marcado na história do boxe mundial por nocautear um campeão dos boxes. Foi justamente deste momento que Sly (apelido de Sylvester Stallone) deu asas à criação do primeiro tratamento de Rocky, que logo chamou a atenção de Irwin Winkler e Robert Chartoff. Passando por diversos tratamentos, o roteiro chegou a sua versão final, um tanto diferente da inicial, que era bem mais sombria. Stallone também recebeu somatórias enormes (chegando a 450 mil dólares) para não assumir o papel principal de Rocky, todas elas, negadas de pronto pelo ator.

O roteiro final toma por base o psicológico de alguns personagens que marcaram o cinema da década de 40, intitulado como filmes "Noir". Personagens descrentes da sociedade, ambíguos, alienados, formam a galeria final de alguns principais e secundários da franquia, o que acaba por dar uma caracterização muito mais realista ao filme, tirando um pouco da mágica e do sonho que tanto envolve o cinema Hollywoodiano. Junto a estes personagens, há uma crítica à sociedade americana do espetáculo, que se torna fantoche ou marionete diante a uma mídia inescrupulosa e completamente voltada para o entretenimento. Claro que o roteiro não deixa de incutir disfarçadamente o "sonho americano" do pobre desconhecido que se torna visível da noite para o dia, não sem batalhar pelo seu lugar ao sol, porém o que vale muito mais no processo é a forma como se vive, como se percorre esse caminho do que o objetivo final.

Também é visível um estilo completamente diferente em direção. A direção dos filmes naquela época ainda se permitia a longas tomadas, algo ainda vindo das décadas anteriores, que trabalhavam com um estilo muito mais de teatro do que de televisão. Planos abertos, movimentos de câmeras e "zoom" que aproveitavam muito mais expressões ao invés da excessiva quantidade de cortes hoje, que leva o cinema a cada vez mais se assemelhar com a linguagem televisiva do que algo mais diferente.

A moral defendida na história também é refletida nos bastidores do projeto. Uma produção com orçamento de um pouco mais de um milhão de dólares conseguiu faturar 117 milhões de dólares. Filmado em 28 dias, o resultado final do projeto foram suas nove indicações ao Oscar (Melhor Roteiro Original – Sylvester Stallone – , Melhor Ator – Sylvester Stallone -, Melhor Atriz – Talia Shire -, Melhor Ator Coadjuvante – Burt Young e Burgess Meredith -, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som), sendo responsável por faturar 3 estatuetas (Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Edição). Além disso, o filme foi eleito diversas vezes nas premiações do Instituto Americano de Filme, como Rocky Balboa ser o sétimo herói da história cinematográfica americana, ser o quarto filme mais empolgante, estar entre os 100 filmes que marcaram a história do cinema, e no ano de 2006, o roteiro deste filme foi eleito como o melhor roteiro de todos os tempos pelo Sindicato dos Roteiristas da América.

Tudo isso e seria impossível não falar realmente das atuações do filme, que seja na versão dublada (que não perde em nada) ou legendada, não deixam em nenhum momento de serem tão grandiosas. Rocky Balboa é o melhor personagem e a melhor atuação de Sylvester Stallone, que consegue passar para o filme todo o peso seu personagem, um dos poucos momentos mais marcante da vida do ator. Talia Shire consegue viver de forma espetacular a tímida Adrian, e através dos seus olhos, e uma expressão um tanto apática consegue dar vida a uma interessante personagem, que visivelmente se completa com Rocky. Burt Young, no papel do irmão canalha, consegue equilibrar entre o ódio e o amor do público, o que de certa forma acaba cativando um certo carinho pelo personagem, assim como acontece com o rabugento treinador de Rocky, Burgess Meredith. Uma galeria de personagens que também ficaram marcados na história do cinema.

Sem nenhuma exacerbação, "Rocky – Um Lutador" é um dos melhores filmes do século XX, com certeza estará gravado na memória de muitos e ainda funciona para várias gerações. Basta apenas que parte do público esqueça o estigma da "Sessão da Tarde".

Leonardo Heffer
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