Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

Pecados Íntimos

A meu ver, “Pecados Íntimos” tem muitos ingredientes que, sutilmente, conseguem chamar a atenção de maneira muito bem sucedida. Talvez não figure na lista de “inesquecíveis” ou algo do tipo, mas seria hipocrisia dizer que o comovente drama não consegue surpreender ou atingir o público com boas doses de emoção, sensacionalismo e um nível de qualidade realmente impressionante.

Baseado na obra literária “Little Children”, do escritor Tom Perrotta, o melancólico (e o caro leitor entenderá que isto representará um elogio, e não uma crítica) drama narra uma simples e cotidiana história de convívio social onde diversas personagens acabam tendo suas vidas interligadas de certa forma. O público é apresentado a Sarah Pierce, uma jovem mãe que está literalmente cansada de aceitar a vida patética que vive e a hipocrisia decorrente de tudo a seu redor, desde amigos até familiares (marido, filha, etc). Além dela, temos também como “protagonista” Brad Adamson, um pai de família desempregado formado em Direito e que é sustentado por sua mulher, a bela Kathy Adamson. Os dois possuem filhos lindos, fator que acaba sendo preponderante para que o “casal” de protagonistas (Sarah e Brad) se conheça e, assim, relacione-se amorosamente. Digo que teoricamente Sarah e Brad são os protagonistas pois a história se desenvolve relacionando os fatos da vida dos dois. Assim, o público se depara com situações inusitadas dentro de uma sociedade que aparenta ser perfeita mas, no fundo, tem os seus “pecados íntimos”. Unidos a relação do tal casal adúltero estão diversos outros personagens que compõe um universo de surpreendentes reações e histórias de vida, além de personalidades um tanto quanto diversificadas e impressionantes. Assim, todos buscam manter uma perfeição inimaginável aparentemente e, ao mesmo tempo, explorar ao máximo seus desejos sórdidos reprimidos por uma rotina desgastante e totalmente desinteressante, mas sem medir as conseqüências de seus atos.

Devo logo avisar ao caro leitor que minha crítica literalmente mergulhará o diretor e roteirista Todd Field num mar de elogios e admiração incessantemente. A começar pela história escrita ao lado de Tom Perrotta, autor do livro que inspirou o filme. Uma verdadeira mistura de ingredientes dramáticos, que beiram o absurdo, o inesperado e que ainda são muitos bem retratados. É incrível ver como a dupla consegue abordar um tema que poderia facilmente ser considerado nada original (já que trata sobre adultério, a busca pela felicidade pessoal e ainda a sensualidade como fator chave de muitas situações descritas ao longo do filme) de maneira completamente criativa e interessante, cativando a atenção do público. Absolutamente todos os aspectos do roteiro me agradaram e, se há alguma ressalva a ser feita, que seja devido ao gênero dramático em excesso. Para alguns, o longa pode parecer um tanto quanto melancólico demais ou até mesmo seu desenvolvimento ser muito lento, mas logo falarei sobre as tais características relacionando-as com a tal história e mostrarei que até nisso “Pecados Íntimos” é bem sucedido. Ainda vejo como muito positivo a presença de uma voz grave e forte narrando os acontecimentos. É como se, literalmente, o espectador estivesse, na verdade, lendo um livro. Ainda não tive a oportunidade de conferir a obra de Perrotta por completo para saber até que ponto a adaptação foi fiel. No entanto, Field e o escritor já conseguiram chamar minha atenção por conseguirem despertar meu interesse com o desenrolar da trama, que mostra-se imprevisível e ainda com elementos até de comicidade que agradam muito. Tudo está devidamente em seu lugar e com sua respectiva utilidade, como por exemplo as cenas de sexo e a tal temática sensual. É totalmente compreensível e há uma razão para tudo que é descrito no filme, já que as personalidades, reações e medos das personagens são escancaradamente motivos cruciais para as tais atitudes. Enalteço ainda o excelente desfecho da trama, que une grande parte dos fatos descritos até então e, na mais pura simplicidade (assim como todo o filme), consegue transmitir uma mensagem muito boa e ainda surpreender o público, fugindo de qualquer possibilidade de se relacionar com um esteriótipo hollywoodiano qualquer.

A direção de Todd Field é impressionante, soberba. É realmente incrível ver como o cineasta consegue conduzir a trama sem nenhum deslize e digo isso em todos os quesitos possíveis. Aqui entra a questão da melancolia que citei acima. Field consegue ser muito bem sucedido ao passar o teor exato de melancolia para fazer com que o espectador sinta-se por dentro da história ou da situação que está sendo descrita em determinada cena. Até mesmo porque, é evidente que trata-se de uma trama extremamente comovente com tudo o que há de possível para se imaginar ou não. O diretor conduz o elenco muito bem, mantendo o controle de tudo que é relatado no longa, desde o fato mais absurdo de todos (tarefa muito difícil de se dizer, já que há muitos fatos impressionantes) como os mais inacreditáveis e surpreendentes possíveis. O alto nível de sensualidade e a temática sexual é transmitida com a mesma ênfase que a melancolia e a dramaticidade, unidos a um conjunto de planos e seqüências de cenas que são admiráveis. Field consegue extrair o máximo das personagens para transmitir as mensagens de uma determinada cena, fazendo com que a trama seja ressaltada em momentos que jamais poderíamos imaginar que fosse possível uma superação em questão de qualidade. Assim, vejo com muitos créditos o excelente trabalho do diretor, que definitivamente ganhou o meu respeito e admiração. Não poderia deixar de mencionar em meus comentários sobre Todd Field o sensacional desfecho, onde todos os fatores até então descritos no longa são unidos a um teor de suspense e clímax que deixam o espectador sem fôlego. É fato que o trabalho do cineasta é magnífico e digno de muitos elogios.

A meu ver, o elenco é o principal aspecto do longa que pode gerar uma certa controvérsia ou divergências de opiniões. Acho que Kate Winslet como a deprimente Sarah Pierce conseguiu crescer com o decorrer da trama. No início, pareceu estar um tanto quanto bloqueada, não incorporando como poderia a personagem. No entanto, consegue muito rapidamente mostrar sua qualidade (o que evidenciou que tem de sobra) e surpreender, entrando de vez na pele de Sarah e fazendo um ótimo trabalho. Muitos podem questionar sua indicação ao Oscar, mas considero justo e merecido. Talvez não ganhe, mas foi uma pequena recompensa pelo bom trabalho que desempenhou. O que me deixou com “um pé atrás” foram as atuações de Patrick Wilson e Jennifer Connelly. Não que não tenham me agradado, mas esperava mais, principalmente da atriz. Na verdade, Connelly me passou uma impressão duvidosa quanto a sua atuação. Não sei dizer ao certo se considero a atriz no filme presa em seu papel ou simples demais. Acredito que ela tenha feito um trabalho apenas “bom”, mas nada muito extraordinário, já que não foi tão relevante como Winslet. Patrick Wilson se encaixa nessas características mas, no caso dele, acredito que tenha tido mais oportunidades de explorar melhor a sua personagem e não o fez. Enquanto Connelly pouco pode fazer para enaltecer as características de Kathy, Wilson teve muitas chances de mostrar sua qualidade e ressaltar muito da personalidade de Brad. Por muitas vezes, as situações descritas no filme e os atores com quem atuava ajudavam o ator, mas faltou um algo a mais para considerar sua atuação como “ótima”. Em um aspecto geral, considero até que Todd Field foi um fator crucial para o crescimento e o bom desempenho dos elenco. Mesmo quanto os atores apresentavam “oscilações”, o diretor conseguiu comandar bem e fez com que todos, principalmente os três citados, retomassem os momentos bons que viviam no filme. Assim, mais uma vez, cito que o elenco foi literalmente ajudado pelo ótimo roteiro e direção, que em cenas marcantes traziam a tona a inspiração dos atores para interpretarem seus respectivos papéis.

Analisando de um ponto de vista geral, “Pecados Íntimos” é uma excelente escolha dramática que consegue atingir em cheio o público com uma verdadeira metralhadora de emoções, personalidades e situações inusitadas. É até interessante notar como uma história que esbanja simplicidade e banalidade consegue se desdobrar de maneira criativa e original. Assim, o filme conseguiu sem dúvidas me cativar e chamar minha atenção. Não digo que é impecável, até mesmo pelas oscilações do elenco, que mostra-se muito melhor quando explora ao máximo as emoções das personagens em momentos de clímax no filme. No entanto, impossível dizer que não fiquei fascinado, sendo este o tipo de filme que faz você parar para pensar depois e se perguntar sobre o que acabou de ver. Oito estrelas para coroar um divino trabalho desenvolvido pelo aclamado Todd Field, grande destaque de “Pecados Íntimos”.

Ícaro Ripari
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