Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

Vamos Todos Dançar

O documentário de Marilyn Agrelo chega para registrar o sucesso de uma evolução educacional bastante rica e eficiente que crianças até então sem oportunidades puderam usufruir e encontrar na dança motivos para se afastarem de um mundo sem perspectivas, desenvolvendo suas mais desconhecidas habilidades.

Registrando o projeto criado em 1994, quando algumas escolas públicas primárias de Nova York decidiram introduzir o ensino da dança de salão como atividade do currículo infantil, ensinando ritmos como rumba, merengue, tango, swing e foxtrote. Em dez anos, o programa sem fins lucrativos já abrangia mais de 60 escolas que, durante dez semanas de treinamento, selecionavam os melhores casais em cada ritmo para disputar um campeonato final que valoriza o talento das crianças e presenteia a instituição vencedora com um troféu que será desafiado e defendido no ano seguinte, quando o campeonato acontecer novamente. O roteiro de Amy Swell faz questão de não se limitar somente às conquistas das crianças dentro do projeto e apela para uma condução mais intimista, fazendo questão de evoluir seus personagens da melhor forma possível, o que faz com que Agrelo até abandone um pouco a estética de documentário, passando a contar uma história linear e registrar os momentos desde o aprendizado até a competição dos alunos, incluindo no meio deste processo os depoimentos dos organizadores e também um fator essencial que engrandece o valor do longa: a visão das crianças. Elas são tratadas não somente como meros objetos participantes de um projeto, mas acabam por dar um significado maior pela história se passar de acordo com seu olhar. Provas disso são os constantes diálogos que as crianças discutem quando não estão em sala de aula e fazem um panorama das mudanças ocorridas em sua vida após a incursão no projeto.

Este posicionamento tomado por Swell e Agrelo dão mais originalidade ao andamento da trama e vemos que a história não é somente o trabalho voluntário que deu certo. Além disso tudo, o mais interessante é observar a visão das crianças dentro das aulas de dança. No começo, envergonhados ou pouco crentes que teriam talento, vamos percebendo o avanço artístico de cada uma e começamos a perceber que eles vão criando uma relação de maior confiança tanto nos professores quanto em seus parceiros. Estes pequenos fatos que impulsionam a vontade das crianças em aprender e competir em um evento importante vão se moldando com os registros cotidianos que Swell e Agrelo obtêm a partir do convívio com os alunos. São mostrados vários momentos fora da sala de aula onde eles debatem sobre o aprendizado com o projeto, os medos e angústias, o apoio das famílias e o descobrimento da sexualidade nas discussões sutis e cômicas que as crianças tinham sobre seus colegas de classe. Todo esse ambiente de descontração acaba fazendo com que o público capte imediatamente o carisma de cada um dos personagens e que passe a torcer para que eles saiam vencedores. Isso se reforça pelo fato de percebermos que o curso de dança acaba dando um novo sentido para cada aluno e isso vai sendo reforçado pelo histórico que temos de alguns deles, como um dos meninos que tinha tudo para ter seguido o rumo da criminalidade, mas que o projeto incentivou a acreditar em um talento que pudesse ser precioso.

A sinceridade das crianças e o esforço dos professores são fatores essenciais para a credibilidade de "Vamos Todos Dançar". Aparentemente se tratando de uma temática que talvez nem agrade o público em geral, o documentário ganha uma riqueza imensa ao registrar cada simples passo que as escolas em destaque começam a avançar para moldar as habilidades de cada um. Nos presenteando com uma trilha sonora maravilhosa, o longa se esforça para não cair na mesmice e isso é perfeitamente sentido, já que Agrelo tenta não dar uma intensidade muito forte à sua direção para que os acontecimentos não desinteressem os espectadores. As inúmeras aulas e números que acompanhamos no decorrer da película são perfeitamente justificáveis para nos fazer acreditar na formação de uma nova identidade de cada criança e mostrar que para eles era bastante importante vencer o campeonato, não somente pelo troféu, mas como reconhecimento de que dali poderiam sair dançarinos incríveis. Outro ponto importante do roteiro de Swell é o abandono do heroísmo que poderia ter sido muito bem empregado aos realizadores do projeto, mas felizmente não acontece, mostrando somente a dedicação de cada um para que as escolas obtivessem êxito. São sensacionais os momentos de emoção e de orgulho iminentes nos olhos dos professores e dos familiares que acreditaram nos alunos e talvez seja a maior recompensa que pudessem ter. Descartando rótulos de pobres e ricos, o único objetivo do documentário é mostrar que um projeto simples pode ser fundamental no crescimento pessoal e da índole de uma criança. Claro que isso não é sempre possível e o longa mostra quando um dos alunos demonstra sua vontade de não dançar e abandona a sala de aula, mas compensa com a garra e a dedicação de cada aluno que luta para ser escolhido e conseguir disputar o campeonato.

Esta não foi a primeira vez que o programa foi abordado. Recentemente, o longa "Vem Dançar" com Antonio Banderas trabalhou este assunto, mas com um caráter mais ficcional. "Vamos Todos Dançar" acaba virando um documento histórico a ser analisado, quiçá seguido por muitas instituições do mundo todo que procuram afastar crianças e adolescentes de uma vida indigna e aproxima-las da arte e do descobrimento de suas habilidades. Por mais que fuja um pouco da estética do documentário e apele mais por mostrar o sucesso de uma escola em uma competição, o brilhantismo e sensibilidade da equipe técnica são inegáveis. Mais do que uma mostra de um bom trabalho, porém um exercício de construção da personalidade de gente que poderia ter desvirtuado sua vida pela falta de oportunidade, mas que consegue ter um objetivo para a ser seguido. Ver cada criança avançar e chegar onde sempre sonhou é mais do que uma recompensa para o público.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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