Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de janeiro de 2007

Perfume: A História de um Assassino

Com uma proposta no mínimo peculiar, "Perfume – A História de Um Assassino" é exatamente o tipo de filme que desperta as mais diversas opiniões: alguns vão detestar e outros irão amar. Quem fica com a segunda impressão, no entanto, certamente verá no filme uma obra sensível e notável.

Quem já tem familiaridade com o best-seller alemão de Patrick Süsking sobre um homem que passa a assassinar jovens moças em busca de extrair uma essência perfeita e satisfazer seu estranho dom olfativo, sabe que uma adaptação para o cinema seria, no mínimo, controversa. Eis que após vários cineastas como Tim Burton, Martin Scorsese e Milos Forman cogitarem a possibilidade de transpor a obra para as telonas, o projeto finalmente é realizado por Tom Tykwer, nome por trás do ótimo "Corra Lola, Corra", que se aventura em um terreno novo em sua filmografia e acaba se mostrando bastante competente. Ao filmar "Perfume", Tykwer criou um filme repleto de simbologia, que exige um certo desprendimento com o real para ser, de fato, apreciado.

Tudo gira em torno de Jean-Baptiste Grenouille, um jovem com uma história de vida cheia de adversidades. Desde seu nascimento, que ocorreu em um mercado de peixes, Grenouille conhece a rejeição. Após ser abandonado pela mãe, que é enforcada pelo seu "crime", o bebê é mandado para um orfanato, onde causa estranhamento inclusive entre seus colegas órfãos. Na juventude, é vendido a um dono de curtume e passa a trabalhar em regime de quase escravidão. No entanto, ao mesmo tempo em que a trajetória de vida do rapaz se resume em privação e maus tratos, seu dom nato de discernir e analisar cheiros se aperfeiçoa e é justamente isso que o trará libertação, já que Grenouille vai trabalhar como aprendiz em uma perfumaria. Não leva muito tempo para que o jovem supere seu mestre na manipulação de essências, mas sua ganância o lança em uma nova empreitada: conseguir o perfume perfeito, que ele passa a buscar através da captura do aroma de jovens mulheres. Grenouille, então, se torna um assassino, gerando uma atmosfera de pânico e de vingança por onde passa.

A atmosfera naturalmente sombria que a trama sugere está muito bem retratada no longa. São várias as cenas que chamam a atenção pelo modo como foram conduzidas como o "agonizante" nascimento do protagonista e algumas das passagens de sua infância e adolescência. Essa competência, no entanto, parece ter sido levemente extraviada no desenrolar do filme, com alguns cortes descuidados. Pequenos erros técnicos que não chegam a comprometer a apreciação da história, mas que poderiam ter recebido mais atenção para compor outro ponto positivo da produção. Aguma seqüências de "Perfume", inclusive, têm, potencial para ficar na memória de qualquer espectador, como a orgia em praça pública ocorrida quase no final da história, que com uma direção espetacular constitui um impactante show visual.

Apesar de contar com um roteiro adaptado repleto de potencial e de uma direção que parece cumprir sua função com bastante sucesso, pode-se dizer, seguramente, que "Perfume" muito possivelmente não atingiria o mesmo êxito com outro intérprete para seu protagonista. O britânico Ben Whishaw, novato na sétima arte, mas com certa experiência no teatro, deixa a impressão de não haver escolha melhor para dar vida ao perturbado Jean-Baptiste Grenouille. Oscilando entre feições inexpressivas e momentos em que deixa transparecer uma gama de emoções, o ator encarna com maestria o complexo personagem, encaixando-se inclusive na aparência um tanto estranha requerida para o papel. A presença de Whishaw em cena chega inclusive a se equiparar a do veterano Dustin Hoffman, que interpreta seu mestre na perfumaria em um papel pequeno, mas de extrema relevância para a trama. O também veterano Alan Rickman fecha o time principal de personagens, com uma boa atuação, mas longe de ser inovadora, tendo em vista papéis anteriores com tons semelhantes de atuação.

A trilha sonora espetacular também é um detalhe a ser comentado. Claramente composta por uma orquestra, as melodias criadas para o longa são belíssimas e muito bem encaixadas com as diversas passagens do filme. As emoções do protagonista, tantas vezes deixadas apenas subentendidas, podem ser claramente traduzidas pelas belas melodias.

Contudo, "Perfume" é o tipo de fime precisa de uma visão mais sensível do público para ser apreciado em sua plenitude. A partir de um determinado momento da trama, a história, que já vinha seguindo um tom que beira o fantástico, toma um rumo totalmente fora de uma realidade plausível. O que deve ser capturado, no entanto, é toda a mensagem por trás do que é literalmente mostrado. Jean-Baptiste não tinha como objetivo principal apenas criar uma essência que transcendesse tudo o que havia de belo no mundo. O que o protagonista busca, na verdade, é tudo o que nunca teve: aceitação e amor, através de seus atos.

"Perfume – A História de Um Assassino" fica, para o público que o aprecia, como uma prova de que algo original no cinema ainda pode ser produzido, mesmo que tirado de outra mídia, como a literatura. Uma peça única, singular que, como tudo que foge do conceito de usual, não é vista da mesma forma por todas as pessoas. Seu valor, entretanto, permanece lá, basta ter os olhos certos para ver.

Amanda Pontes
@

Compartilhe

Saiba mais sobre