Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 28 de janeiro de 2007

Apocalypto: autenticidade é a marca principal do filme

Depois de "A Paixão de Cristo", o diretor Mel Gibson traz mais traços de autenticidade com seu novo projeto. Sem dúvidas, poucos filmes têm a densidade tão bem retratada como em "Apocalypto".

Não falta mais nada para comprovar a competência de Mel Gibson como cineasta. Seus maneirismos de diretor estão mais do que fincados, pois, depois de dirigir “A Paixão de Cristo” e “Coração Valente”, deixa claro que sua receita principal é o embate totalmente embebido de sangue. Além disso, ele afirma em “Apocalypto” sua ânsia por escolher projetos inusitados e demonstrar resultados mais do que esperados. Mel Gibson nos traz mais uma vez um roteiro denso, uma direção arrojada e sangue, amigos, muito sangue.

Depois de mostrar uma saga dos últimos, e sangrentos, dias de Cristo, Gibson vem à tona com um projeto tão ousado quanto. Em “Apocalypto”, ele aborda uma das maiores curiosidades da humanidade: a civilização Maia. É fato que o filme não tem cunho histórico; é uma ficção. Devemos nos abstrair do que é sabido para aceitá-lo plenamente, já que de verídico pouco a trama tem. Gibson e o co-roteirista Farhad Safinia misturam bastante os acontecimentos das civilizações Maia e Asteca, mas sem problemas para os propósitos do filme, pois ele não se vende como um documento histórico, logo não preza pela busca de chegar perto da verdade, mas sim da ficção e isso ele consegue atingir. Sua estória gira em torno de Jaguar Paw (Rudy Youngblood), um guerreiro humilhado, que teve sua aldeia destruída, viu o mundo cotidiano da civilização Maia (sacrifícios, por exemplo) e esteve prestes a ser decapitado, mas foge em busca de seus objetivos. Daí para frente é perseguido freneticamente e as melhores cenas do filme são observadas uma atrás da outra. É de uma intensidade incrível!

Se o diretor, e roteirista, desse filme (sim, o Mel Gibson mesmo) não é um exemplo como pessoa – já que anda bêbado pelos cantos aprontando umas e outras – deve de ser tomado como um exemplo profissional. Primeiramente por sair das mesmices de Hollywood e entrar de cabeça em projetos arrojados que, no mínimo, causarão muita polêmica. É fato que essa polêmica ajuda no marketing e etc, mas se fosse somente por marketing Gibson teria parado em “A Paixão de Cristo” (que até hoje causa polêmica) e teria buscado rodar filmes normais que se vendessem apenas pelo seu famoso nome na direção. Mas não, o também competente ator mostra que tem uma veia agressiva e trata de colocar essa característica forte em seus projetos.

Mais arrojado do que assumir projetos inusitados é sua autenticidade ao colocá-los em prática. Tirando todo o banho de sangue que o filme nos dá, é interessante observar que ele vai de encontro ao hábito terrível da indústria americana ao deixar seu filme totalmente falado em outra língua, melhor dizendo, em um dialeto. O idioma utilizado por toda a película é o iucateque – um dos mais “recentes” idiomas maia (sendo que é uma língua morta). É quase inevitável para quem o assiste não se sentir a par daquele mundo apresentado já por conta desse detalhe. Convenhamos, ver uma civilização que nada tem a ver com os Estados Unidos ou Inglaterra falando inglês é inaceitável. Agora, em uma linguagem diferente, aí sim, torna-se muito mais interessante.

O filme acerta desde seus minutos iniciais. O que pode parecer enchimento de lingüiça para os mais apressados é, na verdade, de fundamental importância para ficarmos atentos à segunda parte frenética do filme, onde ele realmente tem o seu desenrolar. Em um primeiro momento, com algumas cenas simples, somos colocados próximos ao dia-a-dia de uma aldeia de costumes, aparentemente, tão distante de nós. As cenas do início, onde mostram os membros da aldeia de Jaguar Paw brincando, se divertindo, conversando normalmente, nos aproximam bem da trama. Além disso, para não ficar algo raso, mostra um pouco dos costumes daqueles da aldeia, como seu respeito para com os anciões e uma forte cultura da oratória – isso é visível quando um ancião conta uma lenda antes do que seria uma festa costumeira para celebrar algo, no caso, interpretei que fosse a caça bem afortunada que fizeram recentemente.

Mais outro traço de autenticidade alcança seu objetivo. Falo de Mel Gibson ter preterido um elenco totalmente desconhecido. O que poderia ser pensado como uma escolha errônea, se julgada antes do filme começar, é, na verdade, a escolha mais acertada pelo diretor. Isso deu mais certo ainda pela segurança que Gibson transmite com sua direção. Ele não deixa as câmeras se perderem dos rostos e olhares muitas vezes surrados dos atores, passando uma sensação incrível de “aceitação” do que está sendo mostrado. Gibson também opta por colocar poucos diálogos no filme, conferindo mais responsabilidade para os atores, algo que é plenamente correspondido.

Sobretudo a esses aspectos da trama, somos embebidos em um mar de violência e sangue. Não digo que esse é o traço mais marcante do filme (já disse que é o fato dos atores serem amadores), pois Mel Gibson já usou e abusou dele nos seus dois últimos filmes como diretor – e também em vários enquanto protagonista, vale ressaltar. Depois de colocar Jesus na posição que colocou em “A Paixão de Cristo”, chocando quem o assistia, fosse crente na Bíblia ou não, tornou-se normal o tanto de sangue derramado durante os cento e vinte e cinco minutos de projeção. O que não deixa de ser, principalmente para quem não assistiu aos outros filmes do diretor, demasiado chocante. Ou será que alguém não se choca minimamente ao ver uma vala de cadáveres expostos à decomposição e uma pessoa atordoada caminhando por cima deles? Difícil.

Espero que o diretor mantenha essa forma de rodar películas, pois, caso prossiga assim, sem dúvidas será eternamente lembrado no mundo da sétima arte. Não por ter feito “Mad Max”, “O Patriota”, dentre muitos outros – também por isso, é fato – mas pelo seu jeito, até então, único de conduzir um filme. Autenticidade é a marca principal dos filmes do diretor Mel Gibson.

Raphael PH Santos
@phsantos

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