Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 21 de janeiro de 2007

Déjà Vu

"Déjà Vu", filme que repete a bem sucedida parceria entre Denzel Washington e o diretor Tony Scott, prima por intercalar o realismo de um filme policial com ficção científica. Um bom filme, ainda que apresente algumas sensações de vazio e um desenvolvimento previsível.

O diretor Tony Scott, irmão menos famoso de Ridley, é, ao lado de Michael Bay, quase um nome máximo quando o assunto é blockbusters. Mas, ao contrário de Bay, que apenas apela para a ação frenética em seus filmes, Scott sabe fazer um filme comercial com ingredientes de qualidade, que surpreendam o espectador por suas características marcantes. Foi assim com o já clássico "Top Gun – Ases Indomáveis", e os eletrizantes "Maré Vermelha", "Inimigo do Estado", "Chamas da Vingança" (também estrelado por Denzel Washington) e "Jogo de Espiões". Felizmente, em "Déjà Vu" – filme cujo trailer passou em exaustão nos cinemas -, ele manteve o mesmo ritmo frenético de suas produções, atingindo ao que se propõe, porém, o resultado final se mostra inferior aos dois últimos filmes citados. Mas enfim, nada mais do que possa se esperar de um filme produzido por Jerry Bruckheimer.

Denzel Washington vive o policial Doug Carlin que investiga a explosão de uma balsa, um atentado terrorista em Nova Orleans. Simultaneamente, surge no mesmo local o corpo queimado de uma mulher, Claire Kuchever (Paula Patton) – mas que morreu minutos antes da explosão. Durante a investigação, Carlin é apresentado a uma equipe do FBI que está testando um equipamento inovador: um sistema de vigilância que consegue enxergar o passado. O policial não pensa duas vezes. Convencido de que os dois casos estão relacionados, pede que a equipe vigie a rotina de Claire.

O tema viagens no tempo, alterações no espaço temporal com conseqüências , já foi abordado de inúmeras maneiras no cinema, seja de forma despretensiosa como na fantástica franquia "De Volta Para o Futuro", ou de maneira mais intelectual como no mediano "Efeito Borboleta" e no psicodélico "Donnie Darko". Mas o longa de Tony Scott mostra seu diferencial por utilizar essa vertente dentro de uma investigação policial, deixando o filme o mais realista possível. Algo semelhante ao que Spielberg fizera com "Minority Report – A Nova Lei", pelo fato de a possibilidade de enxergar com precisão um outro período ser voltada para investigações policiais, mas "Déjà Vu" consegue manter mais ainda os pés no chão por se passar nos dias atuais.

Por sinal, até demora para que percebamos que o filme contém temática sobrenatural, pois mais da metade da projeção se resume a uma investigação policial comum, o que, para muitos que vão assistir ao filme já sabendo do que se trata, pode ser um tanto cansativo. Enfim, quando a máquina de ver o passado (por sinal, um objeto bastante interessante, que se mostra bem diferente das tradicionais máquinas do tempo a que estamos acostumados a ver em filmes), o diretor tem a possibilidade de criar muitas cenas fantásticas. A cena em que o personagem de Denzel, usando uma adaptação do tal aparelho de ver o passado, persegue um carro que estava na rodovia há nada menos que quatros dia atrás, é, no mínimo, eletrizante, e diferente. Além dessa cena em especial, o diretor demonstra habilidade em seqüências como a que Denzel vai parar de uma maneira peculiar no hospital; até o grande clímax envolvendo uma bomba.

O que garante a emoção, além da habilidade de Scott com cenas de ação, é sua perícia em manter o espectador sempre ligado com as criativas investigações típicas de um filme policial. Isso acontece em "Déjà Vu", mas em escala bem mais reduzida que em "Inimigo do Estado" ou "Jogo de Espiões", apesar do uso de uma máquina do tempo se mostrar um diferencial no estilo. Isso se dá pelo roteiro sem muita criatividade de Terry Rossio (da trilogia "Piratas do Caribe") e Bill Marsilii, que deixa muitas sensações de vazio, principalmente relacionado às construções dos personagens. O tempo todo falam que o personagem de Denzel é um ser solitário, sem família, mas em nenhum momento o roteiro procura se aprofundar nessa vertente e explicar como esse "trauma" (se é que realmente há algum) o influenciou a se arriscar e seguir adiante com as investigações. Fora ele, os outros personagens não passam de peças de um jogo, sem papéis relevantes para o desenrolar da trama. Ainda, há de ressaltar que, apesar de haver muitas reviravoltas, tudo é muito previsível. Quando Denzel encontra na casa da falecida a mensagem na geladeira "Você Pode Salvá-la", já sabemos direitinho como e quem escreveu aquilo, até o desfecho final sem nenhuma surpresa. Isso sem falar na subtrama romântica encaixada de maneira demasiadamente forçada, chegando a ser revoltante.

E o filme não está livre dos furos de roteiro, algo que para um filme que tem o tema 'viagem no tempo', é perigosíssimo. Afinal de contas, como o tempo pode ser tratado como algo contínuo? Se algo foi modificado no passado – mesmo que com o simples envio de um bilhete -, todo um contexto seria alterado, e o presente onde os personagens se encontram não seria mais o mesmo. Se um personagem morreu em uma ocasião X, e algo foi alterado no passado, fazendo com que ele morresse em uma ocasião Y; só o fato de ele não ter deixado de morrer é o suficiente para não modificar todo o presente e o futuro? Afinal, houve uma intervenção no passado e o correto seria que todo um contexto fosse modificado. E onde estão todas aquelas histórias de que o tempo é dividido em universos paralelos, wormholes, etc? Para os fãs da trilogia "De Volta Para o Futuro" e, principalmente, para quem leu "O Universo, Uma Casca de Noz", de Stephen Hawking, esses furos foram decepcionantes.

Quanto às interpretações, Denzel Washington está bem como de costume, mas seu personagem não o dá grandes chances de exprimir sua veia dramática. Quando ele começa a investigar o caso de Claire, Denzel faz sua parte através de expressões faciais que claramente indicam que ele a conhece de algum canto – daí o Déjà Vu do título -, mas o roteiro o impossibilita de ir mais a fundo. De resto, os outros não têm grandes chances pela maneira rasteira com que foram criados. Val Kilmer e Adam Goldberg (este sempre roubando a cena em seus filmes) fazem suas partes, mas sem destaque. Porém, o mais prejudicado pelo roteiro é Jim Cavielzel, na pele do terrorista "patriota". Com pouquíssimas falas, seu papel se resume a um simples capanga que corre, atira, e poderia muito bem ser substituído por qualquer desconhecido.

"Déjà Vu" cumpre bem o seu papel como filme de ação e deve agradar a massa pelas ótimas cenas de catástrofes. Uma pena que uma idéia tão boa poderia ser bem melhor aproveitada. Quem sabe sem a intervenção de Jerry Bruckheimer – que, para quem não percebeu, não há um filme produzido por ele que não seja um legítimo pipocão -, e com Tony Scott tendo maior liberdade como em "Chamas da Vingança", o resultado seria bem melhor. Patriotismos à parte, no fim há uma justa homenagem às vítimas do furacão Katrina em Nova Orleans, local onde ocorreram as filmagens do longa.

Thiago Sampaio
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