Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de janeiro de 2007

Déjà Vu

Tony Scott volta em nova parceria com Denzel Washington depois do excelente "Chamas da Vingança", mas não consegue fazer em "Déjà Vu" nem metade do excelente trabalho que fez em 2004, em parte por culpa do roteiro de certa forma um tanto previsível.

Déjà Vu é uma expressão de origem francesa que caiu muito no senso comum do vocabulário de alguns brasileiros com o sentido de já ter visto determinada cena, só não se sabe onde. Aquela sensação familiar e desconfortável por já ter visto aquela mesma ação que desenrola-se diante dos nossos olhos. Entenda aqui que Déjà Vu não é o "estar confuso" por já ter visto aquela cena, mas sim o sentimento de familiaridade, já que esta palavra tem o significado de que, no sentido figurado, nada de novo aconteceu ou surgiu com a ação do objeto. A familiaridade vem a partir do sentimento de reconhecer tal cena e saber que ela não deveria ser reconhecida, já que, supostamente, ela está desenrolando-se pela primeira vez.

Infelizmente com o uso comum da palavra, que veio sofrendo mutações semânticas, déjà vu passou do sentido de estranhamento (seu verdadeiro e real significado) para o de familiaridade (o senso comum), isso, claro, devido ao significado literal da expressão déjà vu, que significa "já visto". E, devido a isso, diversos erros foram cometidos inclusive no cinema, como em "Matrix", quando Neo vê o gato passar duas vezes pela mesma porta em um intervalo pequeno de tempo, ele designa déjà vu ao sentido de seu personagem ter visto a mesma ação desenrolar duas vezes. E é aqui onde mora o perigo para a versão de cinematográfica de Tony Scott.

O filme gira em torno do agente da Agência de Controle do Tabaco e do Álcool, Doug Carlin (interpretado por Denzel Washington), que entra para investigar a explosão de uma balsa em meio ao rio que cruza a cidade de Nova Orleans. Logo, ele mostra-se um policial muito perspicaz e chama atenção do agente Andrew Pryzwara (interpretado por Val Kilmer). Convidado pelo agente Pryzwara, Carlin entra para uma investigação à parte, em nome do governo, que se utiliza de uma tecnologia que, de início, ele descobre ser imagens geradas por alguns super-hiper-ultra-mega satélites potentes capazes de reprisar em uma tela, onde mostra o passado com uma diferença de quatro dias e seis horas. Mas logo ele descobre que aquela parafernalha toda na verdade é uma forma de rever o passado realmente. Agora eles vão ter que revirar os acontecimentos antes da explosão da balsa para poderem descobrir o responsável pela explosão.

Antes de me aprofundar sobre o filme, devo avisar que não serei nem um pouco imparcial a este longa e talvez isso defira um pouco das opiniões para os amantes do gênero. Conheço parte da carreira de Tony Scott e do ator Denzel Washington, e, por acompanhar filmes mais diversos no gênero, acabo por ganhar certa 'vantagem' em comparação às pessoas que normalmente vão ao cinema por diversão, por entretenimento. Então estou ciente de que muitos irão discordar de minha opinião.

Infelizmente posso dizer que o novo trabalho de Tony Scott é, como a crítica literária diz, e aproveitando o nome do filme, um tanto Déjà Vú, ou seja, não traz nada de novo no gênero. Tony Scott, que inovou em alguns pequenos detalhes em "Chamas da Vingança" e até mesmo em "Domino", resolveu seguir à risca tudo o que já foi feito em filmes de ação. Não digo aqui que a direção do filme é ruim, pelo contrário, e muito longe disso, Tony Scott é um excelente diretor de ação, porém, acompanhando sua recente evolução no cinema, era de se esperar um pouco mais do seu trabalho. Mas ele consegue dirigir com maestria e dar uma linha de pensamento cronológica ao filme, além de criar os momentos de suspense e confusão de forma exemplar.

Por uma má sorte do destino, o roteiro criado por Bill Marsilii e Terry Rossio já não teve tanta sorte. Aproveitando-se de um significado meio errôneo da palavra, eles desenvolveram o roteiro e simplesmente esqueceram boa parte do que se propuseram. Na verdade, o filme poderia ter qualquer outro nome, já que o sentido da palavra Déjà Vú pode sim ser muito melhor visto no filme "A Passagem", com Naomi Watts e Ewan McGreggor, do que neste filme de ação/policial, já que, neste exemplar atual, há muito mais um trabalho de jogo de gato e rato e viagens no tempo do que o sentimento de estranheza pela sensação de algo que já aconteceu, mas não deveria ter acontecido. A idéia era até algo novo, mas infelizmente o filme acaba-se por perder no que pretendia e dar lugar ao velho estilo de filme que, claro, não poderia contar com outro ator a não ser Denzel Washington.

E já que falamos de Denzel Washington, a sua participação no filme é o que dá o porto seguro. Seguindo a mesma receita de bolo que ele mesmo acabou criando, Doug Carlin não deixa de ser uma semelhança de Mathias Lee Whitlock, personagem do ator no filme "Por Um Triz" em 2003. Aliás, os dois passam por situações bem semelhantes como correr contra o tempo para salvar uma pessoa e pelo mesmo tipo de quebra-cabeças que é utilizado em Déjà Vu. O resto do elenco está comedido, nem ruim, mas também sem merecimento de destaque, incluindo James/Jim Caviezel, que se mostrou um tanto caricaturado nos poucos momentos que apareceu.

Mas engana-se aqui quem pensa que o filme seja ruim. Pelo contrário, ele é muito bom. Para os mais desavisados e desatenciosos, o mistério do filme pode até ser realmente um mistério (embora desde o primeiro momento seja fácil prever os acontecimentos). Com boas cenas de ação, ele cumpre com competência o trabalho a que se propõe. Porém, para aqueles acostumados com filmes do gênero, a produção realmente pode ter um significado: você pode achar estranho o filme, porque com certeza você já viu situações parecidas em algum lugar.

Leonardo Heffer
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