Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de janeiro de 2007

Babel

Concluindo a sua trilogia marcada por filmes que giram em torno de histórias paralelas interligadas, o diretor Alejandro González Iñárritu traz aos cinemas mundiais "Babel", um belo e singelo presente aos apreciadores de produções que possuem um cunho mais humanitário e dramático. Com um começo aparentemente arrastado, porém com desenvolvimento e fim angustiantes, o longa-metragem nos proporciona momentos marcantes e uma mistura de sentimentos responsável por nos transpor plenamente à história.

A trama começa em Marrocos, onde dois irmãos recebem um rifle do pai e têm como missão caçar chacais para que estes não atinjam um rebanho da família. Em um ato impensado, os meninos decidem testar o alcance da arma, visto que o dono anterior da mesma disse que uma bala encontrada neste instrumento poderia cruzar até 3km. Enquanto isso, um ônibus repleto de turistas atravessa uma região montanhosa do Marrocos. Entre os passageiros, está o casal Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett). O inesperado acontece. O tiro dado pelos garotos acaba atingindo o ônibus, fazendo com que Susan seja baleada. Já nos Estados Unidos, está a babá Amelia (Adriana Barraza). Ela descobre que não poderá comparecer ao casamento de seu filho, visto que precisa cuidar de duas crianças. Após tentar achar uma solução para o caso, Amelia nota que o único jeito de comparecer ao matrimônio é levando as crianças consigo. Enquanto isso, no Japão, Chieko (Rinko Kikuchi) tenta lidar com os problemas da adolescência, acentuados pelo fato de ser surda-muda, pelo suicídio da sua mãe, pela falta de atenção de seu pai e pela sua solidão.

Entender o porquê do título escolhido para o projeto é fácil, haja vista que consta de uma clara referência à Torre de Babel. Neste episódio descrito na Bíblia, alguns descendentes de Noé decidiram construir uma torre tão alta a ponto de atingir o céu. Irritado com a ambição humana, Deus resolveu criar vários idiomas, fato que traria um desentendimento entre os trabalhadores, fazendo com que estes se dispersassem pelo mundo inteiro. "Babel", a priori, trata exatamente sobre a incomunicabilidade entre homens e suas conseqüências. Aborda como é difícil ser entendido facilmente, por mais necessário que seja. No entanto, o filme não se restringe apenas a isso, consistindo em uma mistura de sentimentos e lições e trazendo um choque de culturas visível.

Usando a mesma técnica de "Amores Brutos" e "21 Gramas", que traziam histórias paralelas interligadas por algum fato, Alejandro González Iñárritu consegue abordar os vários personagens e suas histórias de vida de uma forma exemplar. Com um uso formidável de inversão de câmeras e sabendo quando aproximar-se dos atores por meio de closes, o diretor transpassa bem as nuances dos personagens, assim como os seus sentimentos, sejam eles pendentes ao lado da melancolia ou não. Ajudado por uma fotografia bem trabalhada por Rodrigo Prieto, o cineasta usa e abusa do seu potencial por trás das câmeras e decide não pender mais para nenhuma história. Obviamente, há espectadores que simpatizam mais com uma trama paralela do que com outra, mas isso cabe à escolha de cada um. Iñárritu não nos impõe quem deve receber maior destaque ou quem deverá ser deixado mais de lado. Todos possuem real importância para o desenvolvimento dos fatos e todos são ligados de alguma maneira, sem em nenhum momento essa conexão parecer forçada.

Ao contrário do recente "Crash – No Limite", que também tratava de uma história não-linear e repleta de ligações, as tramas de "Babel" não se encontram interligadas pelo destino, o que ajuda a elevar ainda mais o potencial sério da produção. Não que "Crash" não tenha sido um ótimo projeto cinematográfico, jamais me atreveria a dizer isso, porém conferir as conexões feitas por uma maneira melhor utilizada proporciona ao longa um tom mais maduro. Neste novo filme de Iñárritu, outro ponto importante é a edição. Feita por Douglas Crise e Stephen Mirrione, ela permite que "passeemos" pelas histórias de uma forma até natural, não deixando nenhum furo.

O roteirista Guillermo Arriaga (também de "21 Gramas" e "Amores Brutos") possuiu um papel igualmente crucial na produção. Com uma história que se passa em três continentes diferentes, Arriaga faz mais um belo trabalho neste filme ao compor personagens em geral profundos e abordar o choque cultural visto por cada um deles. É marcante quando as crianças Mike (Nathan Gamble) e Debbie (Ellen Fanning) vão ao México e presenciam as diferenças culturais existentes entre os estadunidenses e mexicanos. Assim como também é importante presenciar as diversidades dos costumes marroquinos, por exemplo. Chega a ser, de certa forma, cômico ver que, embora todos pertençamos à mesma espécie e possuamos sentimentos capazes de serem despertos em qualquer um de nós, somos tão afastados uns dos outros – não apenas geograficamente falando. No longa, também há um ponto de discussão político e uma ironia sutil ao sempre temor dos Estados Unidos à respeito de terroristas, visto que um tiro proferido por uma criança tornou-se um motivo de mobilização mundial contra o terrorismo vivenciado no país Marrocos. O diretor Iñárritu, ajudado por Arriaga, consegue fazer com que o longa mexa com um leque de sentimentos, alternando-os de uma forma favorável. Em um momento, vemos uma discussão besta entre o casal Susan e Richard. Em outro, conferimos a mulher em pleno repouso, quando, de repente, é baleada. Logo em seguida, Richard não contém a sua fúria devido ao acidente. Em outra história, está tendo uma festa, quando, logo em seguida, parte-se para uma perseguição de carros. Enfim, como eu disse, por exemplo, em certa ocasião, estamos felizes juntamente com os personagens; em outra, tensos; e assim por diante.

A maneira de sempre deixar a história chegar ao ápice antes de cortá-la e partir para outra paralela faz com que o espectador fique ainda mais envolvido com a trama. A partir de certo momento, sempre que acompanhamos um núcleo diferente de personagens, Iñárritu deixa chegar os momentos mais tensos para, então, seguir para outra história. É notável que isso faz com que o filme ganhe ainda mais simpatia do público, que sempre deseja saber o que ocorrerá em seguida. A trilha sonora, por sua vez, é bastante heterogênea, sendo abordada de forma diferente em cada história paralela. Em geral, as músicas são originadas de cada região vista no longa. Logo, vê-se um ritmo mais latino nas cenas do casamento, ocorridas no México, um clima mais árabe decorrente do Marrocos e um pop mais moderno ligado ao lado japonês nas cenas que envolvem a personagem Chieko.

Os atores presentes no elenco deste filme também desempenham suas funções de forma responsável. Brad Pitt consegue incorporar um homem aparentemente sofrido devido a algum motivo (que depois deduz-se ser por causa da morte de um filho) e também demonstrar um amor e cuidado enorme por sua mulher. Cate Blanchett, por sua vez, é um pouco apagada, visto que passa boa parte de suas cenas deitada no chão. Mesmo assim, a atriz demonstra possuir uma presença enorme e um lado dramático aguçado. Porém os destaques não ficam por conta destes dois grandes nomes citados. As responsáveis pelas atuações mais marcantes do filme foram Rinko Kikuchi, como Chieko, e Adriana Barraza, como Amelia. A japonesa Rinko Kikuchi foi responsável, em parte, por transformar Chieko na personagem mais complexa do longa. Anteriormente apenas tendo atuado em produções originalmente orientais, Kikuchi veio através deste filme firmar o seu talento para o mundo inteiro. Adriana Barraza, por sua vez, fez de Amelia a mulher mais comovente do projeto, dosando muito bem simpatia com tristeza. As lágrimas derramadas por Barraza nesta produção não foram em vão e, com certeza, emocionaram muitas pessoas. O papel vivido por Gael García Bernal chega a ser tão pequeno que dispensa comentários. É uma pena que García Bernal não tenha possuído oportunidade de demonstrar todo o seu talento visto em películas como "E Sua Mãe Também" e "Diários de Motocicleta".

Confesso que "Babel" está longe de figurar a minha lista de filmes preferidos, mas é, inegavelmente, um longa-metragem que deve ser assistido e, se possível, reassistido. Vencendo o Globo de Ouro na categoria melhor filme dramático, o projeto firma-se como um dos favoritos ao Oscar e, a meu ver, de todas as produções que conferi nesta época de premiações, é uma das que mais merece ganhar, definitivamente. Iñárritu conseguiu novamente trazer aos cinemas histórias interligadas de uma maneira inteligente e sem parecer forçada. Tendo como plano de fundo a falta de comunicação entre os homens, este filme consegue mexer com os sentimentos mais distintos e inclusive emocionar. Um dos melhores presentes para os cinéfilos brasileiros neste começo de ano.

Andreisa Caminha
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