Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Alex Rider Contra o Tempo

Alex Rider poderia vir a se tornar um novo "Harry Potter" no que se diz respeito a franquia cinematográfica, mas a competência literária faltou e muito na adaptação do roteiro (que, pasme, foi feito pelo próprio autor do livro) e o filme acabou se tornando apenas mais um produto descartável nessas férias.

Como falar sobre um personagem de livro que é, de certa forma, desconhecido no Brasil? Diferente de adaptações de O Senhor dos Anéis ou Harry Potter, a franquia "Alex Rider" é um enigma no Brasil, portanto se faria interessante, antes de explicar de certa forma o fiasco do filme, desenvolvermos um certo "background".

Alex Rider é um personagem criado da mente de Anthony Horowitz. Mas, diferente de livros como "O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter", os livros ainda não caíram no gosto do público infanto-juvenil brasileiro. Não por falta de publicação (no Brasil já existem 3 livros publicados). A série criada por Horowitz começou a ser desenvolvida na terceira fase literária do autor, que também trabalha como roteirista para televisão e cinema. Horowitz inclusive usou parte de sua vida como motivação para criar seus personagens. Nascido na Inglaterra em uma família judia, sempre teve um pai muito misterioso. Quando seu pai entrou em falência, tirou parte do dinheiro que tinha escondido e o depositou em um banco sob nome falso. Quando morreu, sua mãe não conseguiu encontrar o dinheiro. Aos oito anos foi enviado para uma escola onde passou maus bocados e nunca esqueceu. Desde os oitos anos, tinha o desejo de se tornar escritor, fato que se consumou em 1978 com a primeira publicação "Enter Fredercik K Bower", que se tornou sucesso de vendas. Desde então passou por três períodos literários, onde em cada um criou uma franquia rentável para as editoras. Alex Rider teve seu primeiro livro publicado em 2000 e desde então Horowitx lançou um livro a cada ano, estando para lançar em 2007 o sétimo livro da série, e ainda acredita que haverá um oitavo.

A franquia se baseia em um jovem de 14 anos, Alex Rider, que, sob a guarda do tio desde a morte dos seus pais em um acidente de carro, aprendeu os mais diversos tipos de lutas e línguas, todos, acreditava Alex, por opção pessoal. Mas o que ele não sabe é que o tio na verdade é um agente secreto da MI-6, e que as suas ausências constantes, que tinham a desculpa de ser a trabalho que ele nunca comentava em casa, tiveram que ser supridas pela babá Jack Starbirght, que vive com eles desde que Alex tinha cinco anos de idade. Com a morte repentina do tio, Alex acaba descobrindo a verdadeira identidade secreta do parente e é convencido de que ele estava treinando-o para se tornar também um agente secreto. É aí que ele descobre que terá que substituir o tio que morreu durante sua última missão. O empresário Darrius Sayle está criando um computador de última geração que se utiliza da realidade virtual para ensinar aos alunos dos colégios da Inglaterra. Em uma doação sem precedentes, Sayle irá doar um computador para cada aluno na Inglaterra. Onde há fogo, há fumaça, então a MI-6 desconfia de que algo está sendo tramado por trás dessa boa ação e Alex é o agente ideal para se infiltrar e descobrir a verdadeira intenção de Sayle.

Talvez um dos maiores problemas do filme resida exatamente na forma como ele foi repassado. Com trailers que supostamente enchem o filme de ação, a produção passou a assumir tal identidade, que, mesmo contando com adolescente como agente (fato bem improvável), o filme seria na verdade uma ação infanto-juvenil, assim como os livros. Porém o resultado final é um tanto diferente do imaginado. Contando com uma galeria de personagens um tanto caricaturados, passando pela governanta alemã maléfica que faz caras e bocas e possui risos diabólicos, ao vilão exagerado, e ao capanga com um passado de dor, que lhe rendeu uma cicatriz enorme, indo até mesmo parar no chefão da MI-6, o filme acaba por não se levar a sério. Claro, um garoto de 14 anos como agente da MI-6, passando por treinamentos militares, cabines fotográficas que viram expressos subterrâneos para agências que me fazem temer outros desabamentos iguais ao da obra do metrô em São Paulo em plena Inglaterra, por serem simplesmente grandes vão abaixo da terra, mas sem nenhuma coluna que sustenta, é meio que óbvio que nada disso poderia ser nenhum um pouco real. Mas, da mesma forma, um garoto de 11 anos que descobre ser bruxo e uma escola cheia de magos e escadas que se movem e criaturas monstruosas não é real, e nem por isso a produção de Harry Potter deixou-se avacalhar, por saber que o público não iria acreditar na veracidade do projeto. "Alex Rider Contra o Tempo" parece estar fazendo chacota de si mesmo quase que o tempo inteiro. Acredito que seja aí em que o filme acabe com toda a sua magia, e acabe perdendo inclusive para a franquia de "Pequenos Espiões", que se aceitou como uma produção meramente infantil e em nenhum momento se desviou da fantasia ou do exagero das personagens. Mas em Alex Rider a chacota anda lado a lado com o verossímil, o que faz com que o filme perca a credibilidade (não que ele fosse ter). Essa falta de credibilidade é onde ele acaba perdendo pontos com o público juvenil, que supostamente ele pretende alcançar, e talvez não consiga, justamente por infantilizar demais o projeto.

O elenco está meio perdido. Sem tirar nem pôr, não passam de caricaturas de outros personagens já existentes e acabam não convencendo em suas "cópias carbono". Bill Nighy se mostra até bem no papel de chefe do MI-6, mas seus exageros de expressões faciais (provindas de seu tempo de ouro nos palcos britânicos) acabam enfadando seu personagem. Alicia Silverstone se limita a apenas fazer caras e bocas e pronunciar "Alex?" quase o tempo inteiro. Mas o pior de tudo mesmo é o jovem Alex Pettyfer. Escolhido para viver o personagem título do filme, graças a uma mão do autor do livro, o ator simplesmente se torna inexpressivo para seu papel e se limita às velhas expressões de caras e bocas, olhos arregalados. Ele chega a ser tão descompassado que boa parte de seus movimentos (com exceção à cena de luta) se tornam superficiais, e visivelmente marcados pela direção.

Aliás, que direção? Vindo de seu fraco "Vozes do Além", Geoffrey Sax erra em quase todas as escolhas que tenta fazer para o filme. A começar pelo tom de sátira que faz a si mesmo, e depois tentar vender um filme para um público completamente diferente do alvo. Além disso, a direção voltada aos atores, ou a falta de direção, acaba fazendo com que o filme se torne um pouco desnorteado e raso, com caricaturas para todos os lados. Quando resolve colocar uma cena de ação, ele ainda erra na escolha das músicas para a trilha sonora (só notar a presença de Gorillaz em uma cena de treinamento militar, tentativa mais desesperada em vender é impossível!).

Horowitz, que escreveu os livros, resolveu assumir o roteiro do filme, mas parece desconhecer o mercado cinematográfico. Ou isso ou ele não conhece a própria obra que escreveu. Esquecendo completamente a essência da história ou dos personagens, ele resolve fazer as compilações da melhores cenas, ou melhor, dos melhores capítulos, e altera muita coisa drasticamente no filme, que podem afetar inclusive a adaptação da franquia (não vale aqui entrar em detalhes, já que não se sabe nem mesmo se vai haver um segundo filme da série). Além de se demorar em algumas cenas desnecessárias, ele acaba transformando o Alex em um personagem difícil de se acreditar, já que em momentos ele parece ser um super garoto que irá se transformar em agente e nos momentos que as suas habilidades são requeridas, elas simplesmente falham, e ele se torna nada daquilo que muitos dos outros personagens falam (inclusive um general que diz: "Ele não é um garoto. Ele é uma máquina de matar"). Além disso, ele peca com o final do filme, já que o longa, após chegar ao terceiro ato, se desenrola tão fantasticamente rápido, que, ao chegar aos créditos finais, é de se espantar realmente que o filme já tenha terminado (preste atenção no diálogo final de Sabina e Alex – parece que foi editado e deixaram somente duas falas).

Talvez haja grandes chances de um público entre 8 e 13 anos gostar do filme, mas, de uma forma geral, Alex Rider foi a pior escolha para dar início à franquia. Se não pela história, com certeza pela equipe técnica do filme.

Leonardo Heffer
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