Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Mais Estranho que a Ficção

"Mais Estranho que a Ficção" é um daqueles poucos filmes que você assiste esperando que ele faça parte de sua lista de piores do ano, mas de alguma maneira ele consegue surpreender. A primeira coisa que você percebe ao assisti-lo é que não se trata de uma simples comédia e que Will Ferrell está totalmente diferente de todos os seus trabalhos anteriores.

Will Ferrell é sem dúvidas o maior destaque desse filme. No teatro, dizem que existe uma linha tênue entre a comédia e o drama. Ferrell conseguiu explorar essa dualidade com maestria. Harold Crick (Ferrell) é um personagem complexo que vive metodicamente como se fosse um espectador de sua própria historia, mas, ao descobrir que vai morrer, passa por uma avalanche de emoções onde ele tem que se deparar com o medo, a angústia, o amor, a alegria e a morte. Will consegue interpretar perfeitamente o drama do personagem e mostra uma sensibilidade absurda ao retratar o interior do personagem com tanta sutileza.

Sutileza é outra palavra chave do filme. A beleza do longa está nos pequenos detalhes, nos pequenos desafios que Harold encontra no dia-a-dia. Durante o filme, ele enfrenta a possibilidade de ser esquizofrênico, de viver uma tragédia, de ter que "viver sua vida", de realizar sonhos adormecidos, de encontrar o amor e, no final, de aceitar seu destino em prol de um bem maior.

O filme gira em torno de três personagens antagônicos. Harold, com sua frieza e sua inseparável lógica matemática, sempre ilustrada por gráficos e esquemas muito bem arquitetados. Kay Eiffel (Emma Thompson), uma escritora genial que, com seu detalhismo poético, consegue pegar a maçante rotina de um personagem e transformá-la em numa descrição tão bela que leva sua mente a perder-se no mundo paralelo que ela cria. Uma cena que retrata isso é quando Harold está arquivando e ela descreve a cena dizendo que o barulho do atrito entre uma folha e outra reproduz o som do mar e que Harold às vezes se perdia na imensidão daquele mar enquanto estava arquivando. Ela consegue dar vida à vazia existência de Harold.

A personagem vivida por Maggie Gyllenhaal é quem traz a emoção para o filme. Ela é uma jovem sonhadora que desistiu de Harvard para tentar melhorar o mundo. Ela abriu uma confeitaria porque acredita que está ajudando as pessoas com a sua comida. Como uma mãe que traz um cookie para o filho quando ele tem um dia ruim e de alguma maneira o filho sabe que no final vai dar tudo certo. Ela é como uma mãe para Harold (no sentido simbólico), pois por causa dela ele experimenta várias coisas diferentes e sensações novas, como se tivesse renascido para uma nova vida. Existe mais uma personagem que deve ser comentada, a vivida por Queen Latifah. Ele não merece destaque por ser importante e, sim, porque é uma personagem totalmente dispensável para a história.

O filme também tem alguns defeitos. De certa forma foi até melhor eles terem omitido alguns detalhes do roteiro, como por quê Kay Eiffel consegue controlar o futuro de Harold, por quê o personagem de Dustin Hoffman acredita na história de Harold ou até como Harold consegue ouvir a voz de Eiffel. Se dessem explicações como, "é por mágica", "uma ligação telecinética" ou algo do gênero, com certeza estragaria o filme.

A única falha do filme foi o final. Tudo rumava em direção à morte de Harold e, como o professor de literatura do filme diz, "o final não tem a ver com o resto do livro, é um livro bom, mas não chega a ser uma obra de arte" e o mesmo se aplica ao filme. Em busca de um final feliz, o filme perdeu a beleza da melancolia. "O que é uma vida em relação a uma obra de arte que vai influenciar várias pessoas, você irá morrer do mesmo jeito e com certeza não será tão poético".

Bruno Feitosa
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