Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de fevereiro de 2007

Rocky Balboa

Trinta anos depois do primeiro filme, uma das franquias mais conhecidas do cinema está de volta. Com ela, muitas incertezas e muita, mas muita, insegurança quanto à sua qualidade.

Em 1976, estreava a melhor franquia de boxe de todos os tempos. Era o ano de estréia de "Rocky – Um Lutador". O filme, estrelado por Sylvester Stallone, enlouqueceu pessoas de várias idades, inclusive os garotos que, se espelhando no personagem principal, começavam a praticar boxe. Rocky representa perfeitamente bem a paixão americana pelo boxe e, faça o que fizer, esse título merece respeito no mundo cinematográfico dos blockbusters.

De todos os cinco filmes da série, sempre há algo bom para se tirar, nem que seja uma cena ou outra. Temos personagens memoráveis como Apollo Creed, que esteve nos quatro primeiros filmes, como também o glorioso Paulie (Burt Young), que aparece em todos os longas como o manager sempre ativo do quase imbatível lutador. Quando, em 1985, estreou "Rocky IV", tudo poderia ter parado ali, no auge, mas a teimosia culminou em um "Rocky V", exatamente cinco anos mais tarde, o que foi um desastre, todavia, mesmo assim, ainda foi aceitável. O que pensar então de um "Rocky" dezesseis anos depois do quinto, com a estrela da festa, no caso Sylvester Stallone, bem velho e, convenhamos, em um tempo que os filmes de luta não vingam tanto? É, mais um erro de teimosia. Porém, como já disse, temos que respeitar essa série.

No sexto filme, intitulado "Rocky Balboa", o Touro Italiano se encontra como gerente de um restaurante que, provavelmente, só se mantém por ter um dos nomes mais apreciados na Filadélfia como dono dele. Nesse restaurante, Rocky é, volta e meia, chamado para uma foto, para dar um autógrafo ou relatar algum momento de sua carreira. Vemos também seu filho – interpretado por Milo Ventimiglia do seriado "Heroes" -, que não se sente muito confortável com o sobrenome glorioso do pai. Rocky está mais sentimental com a ainda eminente perda da esposa Adrian que tanto esteve ao seu lado em sua vitoriosa carreira.

Nessa trama somos apresentados a um Rocky aposentado, velho, recluso ao cotidiano de pessoas comuns, com divergências familiares e sofrendo por perdas de entes queridos. Todavia, para esse mesmo Rocky, pelo fato de não se sentir ultrapassado ao ver uma luta feita por computação gráfica entre Rocky e o atual campeão mundial de Boxe, Manson "The Line" Nixon (Antonio Tarver), resolve voltar à ativa. Nas entrelinhas, vemos que a real finalidade do ex-lutador é, sem dúvidas, de se auto-afirmar.

A insanidade de Rocky é até uma analogia à produção desse filme. Ora, tal como Rocky não precisa mais mostrar nada ao mundo, a franquia "Rocky" também não precisaria, mas ambos pensam que sim e estão aí, de volta aos velhos tempos.

Mesmo sendo muito taxativo na minha opinião de não ser preciso um "Rocky VI" , fui com muito respeito assisti-lo. Desde o início ficava claro que era um projeto feito para fãs, onde só os fãs conseguiriam se cativar e se manterem acordados. Balboa não luta, não corre, mas dá demonstrações de ser o velho e bom Touro Italiano que aprendemos a apreciar. As cenas são do cotidiano de um lutador aposentado. Logo, com tanta nostalgia pairando no ar, esse tempo seria necessário para que tudo, realmente tudo, fosse aprofundado, mas somente o atual momento do ex-lutador foi. Quando tenta, tardiamente, aprofundar os elementos do roteiro – como: a rasa relação com seu filho; um frio e forçado relacionamento com Marie (Geraldine Hughes), a garçonete que acabara de conhecer, e seu filho Steps (James Francis Kelly III) -, o filme se perde, pois muito tempo já fora desperdiçado com inutilidades. Afinal de contas, nós conhecemos muito bem o instinto campeão de Rocky, não precisamos saber ainda mais.

Se fosse para voltar com a franquia "Rocky", que voltasse com uma melhor direção. Tudo bem que Sylvester Stallone já dirigiu, foi quem criou essa estória e conhece o personagem como ninguém, mas a nostalgia que tentou empregar à direção simplesmente não funcionou completamente bem. Talvez um diretor com mais cartas nas mangas para conseguir alcançar tal objetivo fosse melhor para esse trabalho. Mesmo que fosse em uma parceria com Stallone, mas seria de bom grado.

A parte nostálgica que funcionou bem foi a trilha sonora e a luta final. Não julgando o desfecho dessa luta, mas a qualidade dela em si que, para quem é fã, é espetacular. Rocky, no início do embate, soa fraco, desajeitado e totalmente com falta de coordenação em seus golpes, entretanto o mesmo estilo de se filmar luta que se usava nos anos 80 e começo dos 90 é utilizado. São esbanjados trechos em preto e branco, misturado com a angustia dos lutadores e tudo passando na velocidade certa, culminando em um assalto final. O resultado da luta? Bom, ele é somente o resultado de uma belíssima coerência.

As escolhas dos atores foram normais, mas há de se salientar a boa escolha de Milo Ventimiglia para interpretar o filho de Rocky. Ninguém melhor se encaixaria no papel. Já conhecendo Milo do seriado "Heroes", onde ele vive o protagonista Peter Petrelli, vibrei quando o vi no elenco e mais ainda quando o vi atuando. É um ator da nova geração e que tem, pasmem, muitos dos trejeitos faciais do Stallone. Pense: o que mais chama atenção na face do ator? Isso mesmo, a boca torta. Pois isso, Milo Ventimiglia tem, naturalmente, já que no seriado "Heroes" essa mesma boca muito torta está lá.

O melhor do filme, além de um final fugindo do clichê, é a velha e boa cena do treinamento. Rocky correndo, malhando, trocando socos no ar e, no final, dando a sua última subida às escadas para deixar o melhor da nostalgia dessa franquia no ar. Logo que a cena começa e, com ela, os primeiros acordes da trilha sonora de Bill Conti, os outros filmes vêm à mente. Vêm na cabeça Rocky treinando na neve para lutar contra o soviético Draco, bem como ele socando as carnes no açougue preparando-se para seus intermináveis embates contra, e mais por, Apolo "Doutrinador". Enfim, isso já faz o filme impagável para os fãs que andavam um pouco esquecidos dessas cenas.

Realmente não era preciso ter um sexto filme de "Rocky", mas teve e, salve alguns erros, devemos até nos sentir bem, pois poderia ter sido pior. Tendo em vista que é uma trama bem direcionada para fãs, as propostas do filme foram bem alcançadas e ele conseguiu apagar a imagem ruim deixada por "Rocky V", que, convenhamos, nem vinha afligindo tanto assim a cabeça dos seguidores da série. Esse é um desfecho, por incrível que pareça, com chave de ouro. Que paremos por aqui.

Raphael PH Santos
@phsantos

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