Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Eragon

Tido como uma das maiores promessas do ano, "Eragon" acaba se mostrando apenas mais um discípulo fraco de "O Senhor dos Anéis", "Harry Potter" e afins. Talvez com mais experiência nas costas do diretor, o resultado fosse mais satisfatório.

Adaptar obras mitológicas para o cinema está virando uma moda perigosa. "Harry Potter e a Pedra Filosofal" foi o primeiro a dar início a essa moda, e apesar de não ter sido um grande filme, todos sabiam que o mundo mágico de Harry Potter sempre teria seu fiel público. A trilogia "O Senhor do Anéis" nada menos fez do que dar uma nova visão ao cinema épico, apresentando uma grandiosidade que serviria como molde para quaisquer outras adaptações de livros ou filmes com batalhas que viriam a surgir. Visto tamanho feito de "O Senhor dos Anéis", virou algo inevitável as comparações perante a chegada de inúmeras produções semelhantes que passaram a surgir, vide o bastante inferior – mas nem por isso um mau filme – "As Crônicas de Nárnia". Agora, chegou a vez de "Eragon", baseado na primeira obra da trilogia escrita por Christopher Paolini, que, curiosamente, tinha apenas 17 anos quando escreveu o primeiro volume. Antes de tudo, informo que não li a obra para comparações, mas, analisando o filme em si, é possível afirmar que foi mantida a linha de Nárnia: postura infantil do começo ao fim, bons efeitos, alguns momentos de tensão e a sensação final de que já vimos esse filme antes.

Na trama, há muitos anos atrás, existiam os poderosos Cavaleiros do Dragão, que tinham por missão fazer o bem. No auge desta era, Galbatorix (John Malkovich) teve seu dragão morto e, após ter um novo recusado pelo conselho dos Cavaleiros, jura se vingar dos Cavaleiros e passa a estudar os segredos negros que havia aprendido com um espectro. Um dia ele rouba um ovo de dragão e convence Morzan, um Cavaleiro parvo, a ajudá-lo na prática de magia proibida. Juntos, eles ganham força e declaram guerra aos Cavaleiros, recebendo o apoio de outros 12 Cavaleiros do Dragão. Galbatorix vence a guerra e, desde então, governa Alagaesia. Até que um dia o jovem Eragon (Ed Speleers) encontra na floresta uma estranha pedra azul. Para sua surpresa nasce um dragão da pedra, o que o torna o mais novo Cavaleiro do Dragão, tornando-se uma esperança para a população dominada pela tirania.

É algo já chato, mas é impossível não citar "O Senhor dos Anéis" para comparações. É mais do que notável que o jovem Paolini se inspirou no mundo de J.R.R Tolkien para compor sua obra: uma terra mágica (vulgo Terra-Média), espectros, seres alados, magos, soldados com aparências monstruosas (vulgo orcs), etc. Assim, está mais do que claro que os produtores quiseram aproveitar o sucesso dos filmes dirigidos por Peter Jackson tentando emplacar "Eragon", mas não pararam para pensar que um simples tema ou contexto não são suficientes para se obter um bom filme. Isso porque o visual de "Eragon" é de uma produção rasteira, que, se não fosse o perfeito dragão digital, poderia ser lançada diretamente em DVD (o que, se fosse o caso, tornaria o filme bem mais valorizado). O tema "mundo fantástico" em si não deixa nunca de ser interessante, mas o modo repetitivo e sem grandes recursos para sua construção tira muito o valor da produção.

Pelo menos há de se convir que, no quesito efeitos especiais, o filme faz bonito. O dragão Saphira é um trabalho espantoso, de forma que sequer percebemos falhas quando o personagem digital interage com os atores de carne e osso perante tamanho realismo. Detalhes minuciosos foram visados para sua caracterização, desde a movimentação de suas escamas, até suas fantásticas performances de vôo, mostrando um trabalho tão bem feito quanto o visto em "Coração de Dragão", de 1996. Mas parece que os 100 milhões de dólares do orçamento foram inteiramente investidos nos efeitos especiais, pois a direção de arte e figurinos é vexatória. Os cenários onde acontecem as "batalhas", o visual espalhafatoso dos vilões, tudo parece mais aqueles filmes antigos dos Trapalhões. O que ainda ameniza o visual rasteiro é a bela fotografia das paisagens de Ság Hill, região do Leste da Hungria rica em cenários provincianos.

O grande defeito é mesmo a história demasiadamente boba. Não é à toa que a obra tenha sido escrita na época por um garoto de 17 anos, notavelmente fã de Tolkien (e ainda os mais atentos facilmente encontrarão na trama fortíssimas influências de "Star Wars", "Matrix", entre outros). Independente de o filme ter sido bem ou mal adaptado (isso, infelizmente, não posso avaliar), não tem como fugir do fato de que tudo não passa de mais uma história de um adolescente que tem em suas mãos a esperança de um povo reprimido, contendo no decorrer uma série de lições sobre confiança, companheirismo, em que o bem e o mal estão bem distinguidos. Estão lá todos aqueles arquétipos de um filme do estilo: o jovem herói (Frodo, Luke Skywalker?), seu mentor (Gandalf, Yoda?), o vilão maléfico e poderoso (Sauron, Imperador Darth Sidious?), seu fiel ajudante (Saruman, Darth Vader?), e por aí vai. Assim, mesmo não conhecendo a obra, é fácil perceber que o roteirista Peter Buchman ("Jurassic Park 3") não teve grandes dificuldades para adaptá-la para as telas, pois não há nada de original. Para as crianças fãs de fantasia e mágicas ao estilo "Harry Potter", ver o garoto treinando palavras mágicas para soltar poderes, domando o dragão, certamente o resultado será positivo.

"Eragon" é o tipo de filme que, mesmo com a trama infantil, certamente faria mais bonito se tivesse um diretor experiente, pois o principal ponto fraco da produção é a fraca condução do estreante Stefen Fangmeier. Sua escolha pode ter sido bem sucedida na questão dos efeitos especiais, por ser funcionário da Industrial Light & Magic, ele tem bastante experiência no setor, mas isso não foi suficiente para salvar o filme. Sua má condução deu uma inconstância à narrativa, de forma que muda de breves momentos emocionantes para longos momentos cansativos muitas vezes. E isso, ainda prejudicado por um trabalho de edição terrível, apelativo para cortes bruscos e nem um pouco precisos. Para piorar, Fangmeier pegou a já boba história e deu um ar bem mais infantil do que a premissa, cometendo o mesmo erro de "As Crônicas de Nárnia" de querer diminuir a violência ao máximo, encher de vertentes que pudessem agradar as crianças, e, assim, agradar a massa. As cenas de batalha, tirando a impressionante chacina final (protagonizada por adivinhem quem? O dragão digital), quase inexistem, e uma espadada aqui e acolá que surgem soam nitidamente artificiais. O diretor ainda demonstra alguma habilidade em momentos como a primeira vez em que Eragon e o dragão se tornam um único ser e o garoto adquire a mesma visão do ser alado, mas infelizmente são poucos os momentos de destaque de Fangmeier.

A má condução de Fangmeier impossibilita até os atores de exprimirem alguma carga dramática aos seus personagens, tornando-os meros estereótipos. O estreante Ed Speleers fez sua parte como o protagonista, sem cair na imagem de "mocinho canastrão". Ele inclusive apresenta boa desenvoltura no processo de amadurecimento de seu personagem, que de início não se vê como um guerreiro. Jeremy Irons continua aceitando qualquer papel que surge, e não faz esforço ao dar ao complexo Brom alguma tridimensão, sendo também prejudicado pela forma estratégica com que fora desenvolvido pelo roteiro. De resto, uma chuva de interpretações forçadas, cuja principal é a do vilão vivido por Robert Carlyle. Sienna Guillory aparece apenas para levar beleza feminina à produção e forçar um possível romance com o protagonista em alguma continuação, enquanto John Malkovich mal aparece em cena, parecendo ter fechado contrato para gravar todas as suas cenas em metade de um dia.

Para as crianças, um divertimento mais do que garantido, mas, para os fãs ávidos de um bom épico, não passará de mais um filme de fantasia divertido e passageiro, ao nível de "História Sem Fim" ou "Willow – Na Terra da Magia". Quem sabe, após a morna recepção das críticas, o diretor Stefen Fangmeier aprenda com seus erros e apresente algo melhor na continuação (isso se o estúdio manter a pífia idéia de mantê-lo no cargo). No fim das contas, o resultado não chega a ser decepcionante e nem de longe chega ao absurdo de ruim que foi "Dungeons & Dragons", mas, enquanto existir a sombra de "O Senhor dos Anéis", será difícil aparecer algo do gênero que agrade por completo. Ah, e convenhamos, criatividade faz bem a todos!

Thiago Sampaio
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