Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 16 de dezembro de 2006

Por Água Abaixo

Com uma história um tanto fraca e que acaba atropelando muitos pequenos detalhes que fariam a diferença, "Por Água Abaixo" poderia ter sido muito pior se não existissem algumas referências e alguns truques, ou melhor, cenas que não foram exibidas no trailer.

Roddy é um pequeno rato de estimação, que mora em um dos bairros mais chiques da Inglaterra, Kessington. A sua vida sempre foi cheia de mordomias e, para driblar a solidão, ele faz das bonecas e bonecos de sua dona os seus amigos. Até o dia em que Sid, um rato do esgoto, acaba parando sem querer na cozinha da mansão, se auto proclamando como dono da casa. Numa tentativa de expulsar o intruso da casa, Roddy é quem acaba indo parar no esgoto. Lá ele conhece Rita, que pode ser a única rata a tirar Roddy do buraco, se não fosse Toad, um sapão com cara de chefão da máfia que acaba por persegui-los depois que Rita rouba um "fio-mestre".

A dupla Sam Fell e David Boers que assina a direção do filme até que tentou, mas não conseguiu. A animação falha e muito em tentar ser engraçada. Nota-se visivelmente a necessidade de se tentar fazer o público rir. A dupla, percebendo talvez o fraco roteiro que tinha nas mãos, optou por encher o filme com "gags" (situações) já conhecidas da maior parte do público e que geralmente em uma animação ou uma sitcom (seriados de comédia) acabam por tirar boas gargalhadas. Mas o que os dois diretores esqueceram é que seriados possuem uma gama de episódios, que podem destrinchar os personagens da história de forma a torná-los mais verossímeis ao público. E a falta disso é uma coisa que acaba prejudicando muito o filme. Com um "timing" muito corrido, não há muito tempo para apresentar os personagens ou mesmo criar um elo entres eles e o público, o que só faz das "gags" situações um tanto embaraçosas por ser visível a necessidade de se fazer o público rir. O que acontece é justamente o contrário, as cenas em que não há a pressão de se fazer o público rir são as que pelo menos conseguem estampar um riso na boca do público, como as impagáveis lesmas cantoras.

Um dos maiores pecados desta animação, aqui no Brasil, foi seguir o exemplo do recente "Deu a Louca na Chapeuzinho", que lançaram trailers muito antes do lançamento do filme e infelizmente neles continham todas as cenas engraçadas do longa, o que, para o público assíduo das salas de cinema, que enjoou de ver o trailer, acabou tirando a graça de 70% do filme. Pelo menos no longa da chapeuzinho tinha personagens, que por mais que não fossem bem introduzidas, já contavam com séculos de história, a qual o público já está acostumado, ao contrário de "Por Água Abaixo", que traz personagens completamente novos.

O roteiro, além de fraco, traz desculpas incríveis para que a história siga o seu curso. E já se vê a confusão desde o começo da criação do roteiro. A história para o filme foi criada por nada menos do que quatro pessoas diferentes. Para se criar um roteiro bem conciso, com essa quantidade de pessoas é necessário que no mínimo todas as quatro consigam um entrosamento, que geralmente é bastante complicado, em se tratando de pessoas que acabaram de se conhecer para escrever a história. E acaba que é isso mesmo que vemos no produto final. O filme já inicia de uma forma corrida, uma desculpa meio esfarrapada para o pequeno Roddy ir parar nas profundezas do esgoto. Daí é questão de minutos para ver que o que se espera que seja o objeto principal da história, seja descartado para dar um curso completamente diferente, e olha que esse objeto causa bastantes problemas antes de simplesmente virar milhares de pedacinhos na história. Daí a corrida com o novo objeto se passa muito mais rápido, e o velho clichê do vilão que percorre atrás dos mocinhos que estão com um objeto muito importante para o plano final/fatal. Mesmo em se tratando de uma animação, nos últimos anos, tivemos uma grande quantidade de longas animados com roteiros excelentes, mostrando que animação não é só voltada para o público infantil, o que leva também a cada vez maior intolerância com roteiros fracos, e a animação acaba por perder muitos pontos nesse momento.

A dublagem é outro problema, mas dessa vez o problema veio da nossa parte. A dublagem brasileira, uma das melhores do mundo, não chega a ser de toda ruim nesta animação, mas consegue apagar totalmente o brilhantismo da dublagem americana, que conta com o atarefado do ano, Hugh Jackman, que está simplesmente incrível no papel do Roddy. Kate Winslet também chega a surpreender encarnando a voz da capitã Rita. Infelizmente, ao lado de "Os Sem-Floresta", essa é uma das piores dublagens do ano, em animações. E por incrível que pareça, veja a coincidência: "Os Sem-Floresta" e "Por Água Abaixo" são da Dreamworks.

Mas esquecendo um pouco os pontos fraquíssimos do filme que foram capazes de deixar uma parte do público do cinema entediado, o filme ganha pontos com a trilha sonora e as referências a outros filmes. Desde "007", passando por "Exterminador do Futuro 2", essas referências vieram, algumas delas, bastante disfarçadas e é até mesmo complicado perceber algumas das mesmas. Não seria surpresa se ao reassistir a animação, encontrarmos novas referências. Outro ponto forte são as lesmas cantoras. Elas vêm e vão no filme nas horas mais inesperadas e é justamente por isso que elas acabam salvando em parte os quase 90 minutos de animação.

Infelizmente, esta não chega a superar algumas das excelentes animações que tivemos este ano como "Carros" ou mesmo "Happy Feet – O Pingüim", mas também não é tão ruim, como as promessas que virão em 2007, como "A Maré não Está para Peixe", cujo trailer foi exibido antes do próprio "Por Água Abaixo".

Leonardo Heffer
@

Compartilhe

Saiba mais sobre