Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 16 de dezembro de 2006

Por Água Abaixo

Esta nova animação da DreamWorks deixa a desejar em muitos aspectos. Com apenas algumas piadas - a maioria sem sentido - que conseguem se salvar, o resultado é de que poderiam ter aproveitado muito melhor a premissa interessante.

A DreamWorks é o estúdio que talvez, atrás apenas da Pixar/Disney, vem se aperfeiçoando no ramo de animações. Após "FormiguinhaZ", "Fuga das Galinhas" e os fenômenos dos dois primeiros filmes do ogro "Shrek", surgiram obras divertidas como "Madagascar", "Os Sem-Floresta" e o vencedor do Oscar "Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais" (esse em parceria com a Aardman). Após o bom desempenho de "Wallace & Gromit" , é de se estranhar que a parceria Dreamworks/Aardman deste novo "Por Água Abaixo" não mantenha o bom ritmo. Não que não seja um filme divertido e que não agrade às criancinhas, mas certamente se mostra muito abaixo do que o estúdio é capaz, e a grande questão é que não souberam unir uma série de bons elementos de uma maneira satisfatória durante os 90 minutos de projeção.

Roddy (Hugh Jackman) é um rato de estimação que vive em um luxuoso apartamento em Kensington. Um dia surge no local Sid (Shane Richie), um rato sujo que é expelido pelo esgoto da pia. Sid acha que tirou a sorte grande, mas Roddy quer se livrar dele o mais rápido possível. Para tanto, tenta enganá-lo, dizendo que a privada é na verdade uma banheira, tentando convencer Sid a entrar nela. Porém Sid não é bobo e empurra Roddy para a privada, dando a descarga em seguida. Roddy passa pelos esgotos e chega à cidade de Ratópolis. Lá ele encontra Rita (Kate Winslet), uma ratazana que trabalha com seu barco, e ela é a única que pode ajudá-lo a voltar para casa.

O longa, mesmo sendo rodado inteiramente em CGI, manteve acertadamente o visual das animações da Aardman – as animações com arte de modelar -, dando um maior ar de comicidade no design dos personagens. O visual em si do rato Sid, da hilária dupla Spike e Whitney, e dos sapos Toad e Le Frog, é divertido independente de piadas. Dirigido pelos estreantes Sam Fell e David Bowers, "Por Água Abaixo" é um filme que contém uma premissa interessante e uma série de fatores que dão um maior tom de inteligência a um animação tradicional, o grande problema é que todos esses fatores não foram bem aproveitados.

A idéia de mostrar o esgoto como um mundo paralelo habitado por ratos, girinos, vermes e afins é muito interessante – por sinal, o mundo de seres pequenos apresentado bota no chinelo o que fora mostrado em "Vida de Inseto" -, mas uma pena que muitas piadas envolvendo esse mundo foram desperdiçadas. Muitas são as colocações interessantes, sejam fazendo homenagens – como as alusões ao seriado dos anos 60 de Batman, o rato Roddy buscando em seu guarda-roupa a roupa amarela de Wolverine (lembrando que Roddy é dublado originalmente por Hugh Jackman, intérprete de Wolverine na franquia "X-Men"), o smoking de 007 vestido por Roddy e o sensacional momento de 'sacrifício final' de "O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final" -, detalhes que os cinéfilos certamente irão adorar, mas para as crianças passarão batido.

Ainda são bem feitas as referências sobre o eterno ódio entre franceses e ingleses, o fanatismo dos ingleses pela sua seleção de futebol que cansa de morrer na praia, além de paralelos com situações da realidade atual como os alertas do guru sobre a possível avalanche que destruirá a cidade dos roedores, que pode muito bem ser remetida às previsões de novos Tsunamis no planeta. Esses são detalhes que certamente criam uma particularidade à produção, mas não atingem o objetivo de salvá-la do marasmo e da homogeneidade durante todo o tempo de duração. Afinal, a maioria das pessoas que vão assistir a esse estilo de filme não liga muito para simbologias, e isto pode ser sobressaído quando elas são bem dosadas com inúmeros outros fatores – dentre eles, o humor é o mais forte – que tornam a película irretocável e agradável a todas as idades, assim como fora em "Os Incríveis". Infelizmente, faltou uma maior preocupação nessa "dosagem".

Como filme de comédia, são muitas as falhas. Quem viu o trailer sabe que simplesmente as piadas mais engraçadas estão lá, perdendo muito o encanto. E, convenhamos, o trailer foi reprisado por muito tempo, e sempre ríamos com a cena em que Roddy e a enguia gritam assustados um com o outro, e ela tenta desesperadamente correr se arrastando… quando chega no filme, como vamos rir de algo que já vimos tanto e já sabemos de antemão o que vai acontecer? Muitas são as tentativas de arrancar risos, mas são falhas, por pura falta de criatividade. Ainda assim, os melhores momentos ficam por conta das enguias cantoras, que conseguem quebrar momentos sérios com uma descontração muito agradável. A entrada de muitas piadas soa demasiadamente sem sentido – como as próprias enguias cantoras que aparecem repentinamente – e isso acaba se tornando um ponto positivo, pois dá todo um ar de comédia pastelão. Pena que sejam poucos os momentos do tal bom humor non sense.

Uma pena ter chego aqui na cidade apenas cópias dubladas (que, diga-se de passagem, a dublagem ficou muito artificial), pois certamente o respeitável time de dubladores originais daria um peso maior à animação. Só em imaginar Hugh Jackman esbanjando o ar de playboy e cantando Tom Jones (quem assistiu a "Happy Feet – O Pingüim" sabe o quanto ele é bom cantando); Kate Winslet ("Titanic") dublando a corajosa Rita; Ian McKellen (o Magneto de "X-Men") e Jean Reno ("O Código Da Vinci") como os divertidos sapos vilões; e, principalmente, Andy Serkis (o Gollum de "O Senhor dos Anéis") e Bill Nighy ("Simplesmente Amor") como a divertida dupla de ratos capangas… nos dá vontade de exigir urgentemente uma cópia com as vozes originais.

Um ponto que ainda se mostra positivo é a trilha sonora. Passando por The Strokes, The Cure, Fatboy Slim e Tina Turner, todas as canções estão muito condizentes com suas respectivas cenas. Seja a alegria e despreocupação de Roddy ao som de The Cure, sua descida pelo cano e entrando em desespero ao som de The Strokes; além da bem feita cena de perseguição que se torna bem mais emocionante graças à trilha, esse é um destaque da produção.

"Por Água Abaixo" não chega a ser um desastre, mas é uma pena que os pontos positivos não consigam suprir a sensação de vazio predominante durante toda a projeção. Para as crianças, mais uma diversão passageira que não deve entrar para a lista de seus desenhos favoritos; para os maiores, um filme que com uma maior cuidado no roteiro, certamente seria um bom divertimento. Mas, como diz o ditado, errando é que se aprende, ouviu DreamWorks e Aardman?

Thiago Sampaio
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