Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de dezembro de 2006

Ilusionista, O

Mais uma história envolvendo magia chega às telonas trazendo somente um bom entretenimento que acaba revelando alguns problemas graves no roteiro e acaba incluindo "O Ilusionista" na lista das produções medianas, mas passíveis de serem conferidas.

2006 foi um ano um tanto quanto arrastado para o cinema hollywoodiano. Cheio de produções medíocres e semelhantes, parece mesmo sempre querer guardar suas melhores armas para o final do ano, o que é totalmente justificável, pois é quando começam as seleções para as maiores premiações cinematográficas mundiais. Depois do excelente "O Grande Truque", chega "O Ilusionista" se ambientando em uma época semelhante àquele e com leves toques de igualdade, mas que acabam rumando para lados totalmente diferentes e mostram, individualmente, para o que vieram. "O Ilusionista" conta a história do famoso mágico Eisenheim (Edward Norton), que lota teatros com seus shows e mexe com a cabeça das platéias de Viena com suas habilidades. Na tentativa de desmistificar o poder ilusionista (ou seria sobrenatural?) de Eisenheim, o Príncipe Leopold (Rufus Sewell) busca desvendar seus truques, inclusive o que sua noiva, a Duquesa Sophie (Jessica Biel), participa em uma das apresentações. Eisenheim e Sophie descobrem que foram amigos e apaixonados desde a infância e começam a reviver este amor, que passa a ser atormentado pelo Príncipe Leopold e seus planos de ficar cada vez mais poderoso. É aí que entre o inspetor de polícia Uhl (Paul Giamatti) com a missão de vigiar a Duquesa e de expôr a verdade por trás do trabalho do mágico.

Responsabilizado tanto pelo roteiro quanto pela direção, Neil Burger traz verdadeiros shows ilusórios, transportando a platéia aos teatros mostrados no decorrer do filme. Essa aproximação é algo fundamental para causar um verdadeiro delírio em alguns truques e para criar um elo de interesse entre trama e espectador. Mesmo com suas semelhanças com "O Grande Truque", é impossível apontar quem copiou quem, pois estão totalmente livres de cópias. Por mais que se ambientem em uma mesma época onde a magia era motivo de exaltação da população nos grandes teatros das mais famosas cidades do mundo, vemos dois âmbitos diferentes. A pauta aqui não é compará-los, então me restringirei apenas ao filme então analisado. "O Ilusionista" constrói uma história nos conformes. Usando de recursos não inovadores, como a narração da história por um dos personagens que vai sendo ilustrada com eventos que aconteceram em um passado recente e dando um banho de tratamento impecável na película, usando tons pastéis e passando uma visão bastante rudimentar de uma época totalmente diferente da nossa, a trama vai fluindo naturalmente, mas acaba sofrendo com a superexposição do tempo, alongando-o demais. Não que não seja interessante acompanhar cada nível que o roteiro vai atingindo, o problema é que, se pegarmos o filme como um todo, percebemos algumas fragmentações que alteram a qualidade da produção, incluindo a capacidade de deixar furos enormes atrapalhar o desfecho, apelando também para flashbacks mais do que batidos para explicar a história a quem não entendeu.

Burger é bastante sucinto em tudo que faz, mas consegue construir um roteiro deficiente quando se trata de conseguir interligar seus acontecimentos. Quebrando um pouco a linearidade nos primeiros minutos de trama, quando a narração do inspetor Uhl mexe com o presente e remete ao passado, começando "pelo começo", onde o roteiro mostra uma passagem praticamente típica para explicar o envolvimento de Eisenheim e Sophie, que se refletiria mais tarde, a história engata criando um clima quente e depois perde um pouco da sua força. Os primeiros momentos onde o ilusionista mostra suas habilidades para o público do cinema que é muito bem representado pelo público do teatro, dentro do filme, são de inteiro êxtase. Saindo bastante de mágicas prontas e previsíveis, Burger só pecou em alguns pequenos pontos ao mecanizar demais seus truques, o que em certos momentos exalava artificialidade, mas, de uma maneira geral, ficaram bastante atraentes. Este primeiro momento acaba perdendo o eixo com uma quebra no que o filme veio propor. Por mais que fosse notável o fato de que Eisenheim e Sophie, a relação de ambos deixou que a história se perdesse. O ilusionista passa a criar um truque misterioso que acaba nem sendo totalmente explicado, ao mesmo tempo em que seus objetivos com isso não são totalmente atingidos, a não ser pela pseudo-inteligência com que o filme desfecha, até porque em um mundo de ilusões tudo é possível, acabando na previsibilidade, o que é uma pena. Já na direção, Burger registra pontos altos e baixos. Este desnível pode até passar despercebido por alguns olhares, mas acaba prejudicando também na intenção central do filme. Mesmo assim, o diretor dispôs de um elenco de apoio e direção de arte impecáveis que permitiram ir além do básico da trama. Atualmente não é novidade trabalhar a coloração da película ao querer registrar a época exata onde a história se passou, então este recurso foi apenas bem aplicado, sem alardes.

Bem fotografado e ambientado, senti falta de um sistema de controle mais repressor ao tipo de mágica que Eisenheim apresentava. O inspetor Uhl não passou a mínima realidade ao agir de forma piegas em relação aos truques, igualando-se às outras camadas da população. Mesmo assim, o roteiro agrada e ainda sai como inteligente, mas. se formos analisar direitinho, os furos são quase imperdoáveis. Dispondo de uma trilha sonora bem construída por Philip Glass, que, por sinal, acabou fazendo acompanhamentos instrumentais semelhantes do que ele fez em "As Horas", ficou apenas desagradável pela trilha ter ficado mais de background, enquanto ela poderia sair gritante para mexer mais com o feeling do público e seguir com a atuação um bom nível de entendimento. O elenco principal demonstra segurança no que está fazendo, mas o destaque maior está para Edward Norton. Particularmente nunca tive uma adoração maior por ele, mas em "O Ilusionista" a construção de seu papel está fantástica, sempre exalando expressividade e instigando a curiosidade do público. Paul Giamatti tem lá suas oportunidades de crescer na trama e está apenas "nos conformes" e claramente melhor do que esteve em "A Dama na Água", felizmente sem nenhum tique irritante e com uma presença cênica forte, sabendo inclusive moldar as diferentes sintonias de seu personagem. Jessica Biel e sua beleza inegável acabam conquistando o carisma do público, mas também não há nenhuma exaltação na sua interpretação, o que serve também para Rufus Sewell.

Um bom entretenimento que fisga a atenção do público, mas acaba revelando alguns problemas no roteiro que seriam fundamentais terem sido enxutos, evitando sair com fama de inteligente. Instigante e misterioso, "O Ilusionista" conta uma história simples que ganha mais ao se comunicar com o público, nos localizando até dentro do teatro onde se passam as magias de Eisenheim, e faz com que nos esqueçamos ligeiramente que estamos vendo um filme. Se por um lado a atração estética é competente, aqueles com um feeling cinematográfico mais apurado poderão perceber o quão o roteiro peca. Mesmo assim, não deixa de ser uma boa opção para quem gosta do assunto e está disposto a deixar se envolver em uma trama histórica usual, porém atrativa.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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