Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de dezembro de 2006

Ilusionista, O

"O Ilusionista", em geral, consegue agradar o público, trazendo uma trama envolvente e cativante. Embora, certas vezes, caia em alguns momentos não tão esplendorosos, o resultado final é mais do que satisfatório.

Após inúmeras produções descartáveis vistas nos últimos meses, o fim e começo de anos realmente são as melhores épocas para conferirmos bons filmes. Thrillers intrigantes e envolventes estão surgindo para que possamos nos deliciar nos cinemas. E assim é "O Ilusionista", repleto de momentos de encher os olhos e os ouvidos, claro, haja vista que a sua trilha sonora é composta por Philip Glass.

Ainda quando jovem, Edward (Edward Norton), um filho de camponeses, apaixona-se por Sophie (Jessica Biel), uma adolescente pertencente a uma família da classe alta. Os dois, então, se vêem obrigados a se separarem devido às diferenças perceptíveis. Após um tempo, Edward, agora conhecido como Eisenheim, decide retornar a Viena. Desde jovem, o sujeito já possuía um talento para mágica, que, com o decorrer dos anos, apenas foi aperfeiçoado. E é exatamente como mágico que volta à cidade. Ele consegue assombrar as platéias de Viena com os seus espetáculos e, devido a isso, desperta a curiosidade do cético Príncipe Leopold (Rufus Sewell). A duquesa Sophie, neste momento, já é noiva do príncipe e bastante vigiada pelo inspetor de polícia Uhl (Paul Giamatti), homem de confiança de Leopold. No entanto, mesmo comprometida, a jovem percebe em Eisenheim a figura da sua paixão juvenil, e os dois retomam um romance clandestino.

Ao contrário do que possa parecer, "O Ilusionista" não é apenas um filme de romance água com açúcar facilmente encontrado por aí. Ele traz perseguições, mistérios, situações inusitadas e, claro, ilusões. Apenas pelo trailer já é notável a dimensão do longa, sendo deduzidos os espetáculos que ele irá nos proporcionar. O diretor e roteirista Neil Burger pode não ser especialista em cinema, visto que, antes deste filme, apenas esteve envolvido em um projeto cinematográfico chamado "Interview with the Assassin", todavia, mesmo assim, é capaz de ganhar o público desde o primeiro momento, com flashbacks bem trabalhados. Em algumas ocasiões, a sua direção pode parecer normal e piegas, o que desagrada um pouco aqueles mais chatos, porém em nenhuma hora isso se torna prejudicial ao longa.

Através dessa história, Burger nos apresentou a um mundo novo, que, fundido ao velho, uma vez que a época em que a trama se passa é antiga, transformou-se em completamente irresistível e cativante. Os efeitos usados nas ilusões de Eisenheim não são primorosos, porém, ainda assim, são belos. A parte, por exemplo, em que o mágico consegue fazer nascer uma laranjeira é bonita não a ponto de deixar o espectador boquiaberto, mas é capaz de agradar completamente. Para incrementar ainda mais o projeto, foram usados sempre tons escuros, dando, assim, uma sombriedade maior ao filme, que envolve ainda mais o público com o mundo da magia. O cineasta também consegue dotar o longa de um ritmo envolvente e aborda de maneira razoável o romance vivido pelos protagonistas. Sem cair no marasmo, Burger, após um tempo de projeção, sai do romance, que era aparentemente o foco principal, para outra abordagem. Embora a produção perca um pouco nesta aparente transição, o resultado final é agradável.

Como roteirista, por sua vez, Burger também desempenha bem o trabalho, sabendo amarrar bem os nós vistos no decorrer da trama para a criação de um final que, embora um pouco previsível, torna-se aceitável. Talvez o ponto fraco do roteiro seja não se aprofundar tão bem nos personagens. Sabemos que a duquesa Sophie não gosta tanto de sua vida e claro que deduzimos que deve ser por causa das obrigações impostas por sua rica família, mas, mesmo assim, a abordagem feita disso tudo é muito breve e superficial. Já Eisenheim mostra-se misterioso e inatingível, porém, assim como Sophie, muita coisa não foi explicada sobre ele. Ainda bem que esses fatos não prejudicam o saldo final do filme.

A trilha sonora composta por Philip Glass também é repleta de melodias envolventes e tocantes. As canções, em sua maioria, são bastante parecidas com as figuradas em "As Horas", outro trabalho cujo responsável pela trilha também foi Philip. A meu ver, as melodias de "As Horas" são absurdamente bem compostas e trazem um quê depressivo tão necessário ao longa. Portanto, era praticamente inevitável que eu não gostasse das canções tocadas em "O Ilusionista", que apenas contribuem para que o filme torne-se mais cativante do que já é. Boas canções aliadas a imagens belas apenas poderiam resultar em uma produção cinematográfica marcante.

Todavia, não são apenas esses fatores que fazem do longa um exemplar que deva ser conferido nos cinemas. O elenco, igualmente responsável como os outros fatores citados, ajudam o projeto a engatar definitivamente. Edward Norton compõe um Eisenheim misterioso e fechado. Ele é um ator que, sem dúvida alguma, consegue transpor-se para o personagem e é exatamente isso que faz em "O Ilusionista". Norton parece que esquece totalmente quem é para captar a essência dos seus papéis, fazendo isso de forma magistral. Transforma Eisenheim em um personagem intrigante e de personalidade marcante. Rufus Sewell, por sua vez, também demonstra capacidade ao dotar o Príncipe Leopold de um ar severo. Seu olhar de desaprovação faz do papel um exemplo do que a autoridade pode fazer com alguém. Paul Giamatti sempre possuiu minha simpatia. Mesmo sendo responsável por desempenhar trabalhos coadjuvantes, Giamatti é talentoso e mostra isso neste filme. A beldade feminina do elenco, Jessica Biel, também trouxe um aspecto cativante à sua personagem. E conseguiu desvencilhar-se dos seus trabalhos anteriores, principalmente em filmes cuja ação é maior, como "Ameaça Invisível – Stealth" e "Blade: Trinity".

"O Ilusionista", portanto, é um daqueles projetos que deve ser saboreado paulatinamente, para que não corra o risco de sua essência se perder. Na realidade, confesso que já estou ansiosa para revê-lo. Embora coloque no longa alguns elementos piegas, o cineasta Neil Burger não decepciona em praticamente nenhum momento, envolvendo totalmente o espectador no meio da trama da produção. Ao sair do cinema, foi inevitável que eu escutasse o comentário de uma pessoa ao seu companheiro. "Viu! Eu gosto é de filme assim!", disse ela. É, minha cara, felizmente, não somente você. Nós gostamos é de filme assim!

Andreisa Caminha
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