Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 23 de dezembro de 2006

Pequena Miss Sunshine

Contendo todos os ingredientes básicos de um road-movie, “Pequena Miss Sunshine” perde ao não sair dos clichês, mas ganha na maneira como foi conduzida, sendo uma boa diversão com lições importantes, porém redundantes.

Baseando-se em simples estereótipos, a trama mostra a vida de uma família bastante estranha que ganha a estrada em busca do sonho da pequena Olive (Abigail Breslin) e passa a viver momentos de pura aventura, emoção e auto-conhecimento. Richard (Greg Kinnear) é o chefe da família e trabalha dando palestras motivacionais, exalando seu otimismo ao tentar desesperadamente vender seu programa de nove etapas para o sucesso. Enquanto isso, a mãe dos Hoover, Sheryl (Toni Collette), é assombrada constantemente pelos segredos excêntricos da família, principalmente os de seu irmão Frank (Steve Carell), um acadêmico com tendências suicidas especializado em Proust, que acaba de sair do hospital depois de ter uma decepção amorosa. Além de Olive, o casal é pai do silencioso Dwayne (Paul Dano), um adolescente movido a raiva, leitor de Nietzsche, com um firme voto de silêncio que pretende manter até entrar na Academia da Força Aérea. Para completar a linha de clichês, ainda tem o avô (Alan Arkin), um desbocado hedonista recentemente expulso de sua casa de repouso por consumo de heroína. Olive acaba recebendo um convite para participar do concurso extremamente competitivo "Pequena Miss Sunshine", na Califórnia, e toda a família a acompanha.

Estreando no roteiro, Michael Ardnt nos traz uma história para lá de batida. A família problemática é apresentada nos primeiros minutos e transporta o público a uma sensação familiar, mesmo repleta de exageros e caricaturas. Todo mundo tem problemas familiares e é por isso que filmes do gênero acabam sendo até relevados por investir em um clichê, de certa forma, infinito. Repleto de diálogos básicos, "Pequena Miss Sunshine" acaba fluindo mais do que o esperado. Sempre metódica e leve, a história vai sendo contada de uma maneira peculiar e que prende a atenção do público, sendo impossível não criar algum tipo de carisma pelos Hoovers. Ardnt não erra no nível de cada problemática que vai aparecendo no decorrer da viagem da família, mas acaba caindo em alguns conceitos inaceitáveis. Em vários momentos a história acaba sendo forçada e fica impossível tratar com naturalidade fatos friamente encaixados entre um diálogo e outro que tentam dar densidade à trama, mas só conseguem desviar a atenção ao real objetivo dela. Talvez precisasse ser só mais um pouquinho menos objetivo e desse espaço para que alguns dos acontecimentos importantes conseguissem fluir de forma aceitável. Não estou dizendo que o filme é todo forçado, mas que as partes onde isso aconteceu são particularmente desgostosas.

A dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris mostrou que não entende somente de clipes musicais. Fazendo suas gloriosas estréias no mundo cinematográfico, Dayton e Faris tratam o roteiro com uma familiaridade e entendimento impecáveis, o que dá um ritmo descontraído e interessante ao longa, não deixando o espectador cansado daquela longa viagem que os Hoovers precisariam fazer. Isto é muito importante, pois é preciso bastante feeling para captar a melhor forma de condução a se fazer especialmente quando o gênero é road-movie e tem a tendência a entediar. Se por um lado a dupla faz um trabalho digno de aplausos, por outro acabam pecando aqui e acolá com planos de certa forma nonsênsicos e dispensáveis à trama. Mesmo assim, o aproveitamento do cenário e as elipses utilizadas funcionaram completamente, sem falar que a boa administração do elenco foi essencial para que "Pequena Miss Sunshine" realmente funcionasse. Particularmente, senti a falta de uma fotografia melhor articulada, já que o filme dispunha de quadros peculiares que renderiam belíssimos momentos.

O elenco sem dúvidas é o ponto forte do filme. Mesmo dispostos a diálogos meramente ralos, a maneira como cada um foi construído está impecável e dá um ar de naturalidade, fazendo-nos acreditar que somos tão exagerados e, diga-se de passagem, loucos como os Hoovers. O que mais os personagens nos ensinam, além do básico do básico, é que meio a tanta confusão, nenhuma família se conhece direito, nem dividindo o mesmo teto. A viagem para o concurso de "Miss Sunshine" é o motivo mais simples para fazer com que aquela família realmente tivesse uma oportunidade de estar perto, já que em casa cada um vivia em sua individualidade. A soma de cada individualidade e o toque humano e sensível que cada ator do elenco doou à trama foram impagáveis e realmente merecem ser aplaudidos de pé.

Acredito que o maior destaque tenha sido mesmo a pequena Abigail Breslin, que mistura sua fofura e ingenuidade para fazer de Olive o modelo de patinho-feio do colégio, mas que sonha do mesmo jeito ser reconhecida pelo que ela realmente é. Steve Carell nem parece o mesmo que fez "O Virgem de 40 Anos" e comprova que seu timing é competente em qualquer gênero. Mesmo tendo a oportunidade de trabalhar um pouco do humor negro do personagem, é inevitável não sentir uma densidade em Frank, o que nos permite criar uma relação mais íntima com ele do que com os outros, talvez por ser o mais próximo da realidade. Os outros integrantes do elenco mereceriam mais algumas linhas aqui, mas vamos resumir que sempre é bom ver Toni Collette em ação e que Paul Dano merece um olhar especial, pois tem boa desenvoltura para conquistar a atenção em um mundo cinematográfico mais adiante.

Apesar de ter sido alvo do exagero das ovações em festivais e no cinema americano, é óbvio que para um filme independente cujos diretores e o roteirista são praticamente novatos, "Pequena Miss Sunshine" impressiona do começo ao fim. Porém, infelizmente, alguns contratempos mal-utilizados durante a projeção vão descaracterizando sua pseudo-originalidade, mas não cai no desgosto de uma forma geral, até porque consegue o principal: ganhar a simpatia do público e gerar momentos de comédia bem empregados e dramas interessantes, mesmo que aqui ou acolá pareçam um pouco forçadamente. De qualquer forma, o longa traz de volta o bom estilo road-movie que havia sido visto recentemente também em "Transamérica", onde ambos trazem uma nova roupagem em sua condução e conseguem captar a atenção do espectador até o que antecede os créditos finais. Não é perfeito, porém é recomendável para todas as idades. Sem falar que o desfecho é uma completa aula de como devemos encarar a vida. Ficou curioso? Então não ouse perder!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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