Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Flashdance

Quando se fala em filmes marcantes dos anos 80, é impossível não citar “Flashdance”, não somente por ser um clássico, mas também por possuir uma trilha sonora inesquecível e pelas seqüências de dança inovadoras para a época. Só.

A história gira em torno de Alexandra Owens (Jennifer Beals), uma típica jovem de garra e muito talento que tem um sonho de ser bailarina. Até conseguir atingir seu reconhecimento e enfrentar os seus medos de ser recusada ou de não ser boa o suficiente, a moça faz shows impecáveis na discoteca onde trabalha, enquanto durante o dia é uma das poucas mulheres operárias e vive chamando a atenção dos colegas, inclusive de seu chefe Nick Hurley (Michael Nouri), que demonstra um interesse extra-profissional em Alex e tenta conquista-la, mas a tarefa que parecia fácil para o galã, vai sofrendo com o temperamento da dançarina.

Mais do que um marco na vida de muita gente, “Flashdance” é conhecido nem que seja pela sua música tema, que mesmo não sabendo de que filme ela veio, tornou-se uma obrigação conhece-la. “What a Feeling” foi um dos hits mais ouvidos pelos jovens dos anos 80 que, juntamente com o longa metragem, viam-se cheio de sonhos e determinações. Estou falando isso para afirmar que me embasarei na época em que a produção foi feita, já que de lá para cá muitas idéias mudaram e talvez se o diretor Adrian Lyne fosse refazer o filme, mudaria muita coisa para melhora-lo, o que talvez também pode ser usado para o roteiro. Atualmente os cinéfilos da vida já viram praticamente de tudo. Quando vamos resgatar algumas obras que marcaram a história, percebemos que têm um valor muito mais histórico do que estético, visto as novas tecnologias e panoramas que os cineastas e roteiristas contemporâneos vêm adotando para aperfeiçoar seus enredos. Em “Flashdance” é possível perceber que a trama não é nada mais do que aquela água com açúcar tendendo, em alguns momentos, ao estilo mexicano de fazer novelas. Sem muita perspectiva de crescimento de seu roteiro, Joe Eszterhas e Thomas Hedley Jr. construíram uma história basicamente rala e sem muita expressividade, que não sei ao certo se pode ser chamada de um musical, visto que o gênero requer muito mais refinamento para que um filme possa ser chamado assim.

Apenas incluindo danças perfeitamente coreografadas e inovadoras para a época, os roteiristas não tiveram a harmonia necessária para saber criar uma linha que envolvesse o espectador e que realmente o fizesse acreditar que a jovem Alex tinha o sonho de ser dançarina. Talvez seu sonho pudesse ter sido mais trabalhado para que não caísse na superficialidade e chegasse a não convencer em nenhum momento. Parece até que ela dança por puro hobby e pouco se menciona sobre ser um projeto de vida. Nas tentativas que o roteiro faz para maquiar isso, acaba se perdendo meio a história paralela que é montada, justamente o tal romance com o galã Nick. Tais eventos não chegam a ter sequer afinidade e revela sérios problemas no roteiro que, se adaptado hoje, talvez ganhasse um pouco mais de energia na trama como um todo. Além do que, a superficialidade também fica gritante nos seus personagens, que não sabemos de onde vieram nem seus anseios, sendo meras peças de uso descartável em cena, mas que acabam, de uma forma ou de outra, rendendo alguns momentos bons, com destaque para a dança no gelo feita pela amiga da protagonista, mas que não tem muita lógica se vista dentro de um panorama geral da história.

Falhas de roteiro à parte, Adrian Lyne fez realmente o que pode. Jogou cor quando conseguiu um espaço para faze-lo, disponibilizou do recurso de contraste, iluminação e sobra que trouxe um aspecto novo à película, revelando tamanho carinho em ser visualmente brilhante, para condizer com a trilha sonora espetacular, fazendo do filme quase todo um show visual agradável de assistir, e confirmando que se tivesse seguido mais a linha do musical e que tal sonho da protagonista fosse realmente bem avaliado e que a atuação de Jennifer Beals não tivesse ficado tão limitada, teria conseguido um maior resultado. Acredito até que Beals não seja uma atriz ruim, mas não dispôs de momentos interessantes para fazer seu personagem crescer. Assim acontece também com outros do elenco, que chegamos até a nos questionar o por quê de estarem ali. Outro recurso utilizado que na época passou despercebido foi o fato de que nas danças mais elaboradas onde mostravam o corpo inteiro de Alex, a dublê ganhava uma peruca parecida com o cabelo original de Beals e assim “enganava” a platéia que achava que a própria atriz estava realizando os passos tão bem elaborados. Em alguns momentos até nota-se a total diferença de perfil e movimentos que a dublê e a protagonista tinham, fato este que no cinema de hoje seria uma das primeiras preocupações de uma produção: encontrar alguém que se dê bem e mostre seus talentos. De qualquer forma, a coreografia utilizada está impecável e junto à trilha sonora rendem momentos excitantes e impossíveis de não sacudirem o espectador.

Mesmo com tais eventualidades que hoje seriam inaceitáveis, é óbvio que “Flashdance” não vai parar de ser referência de uma época completamente diferente da atual e o sucesso da trilha sonora será eterna, independente de quanto tempo passe. Talvez por isso minha nota não seja menor, justamente por respeitar um clássico praticamente obrigatório a todas as próximas gerações, mas também não posso ser compreensivo demais e perdoar as falhas gritantes de seu roteiro e limites que poderiam ter sido quebrados para construir uma narrativa mais interessante e menos fragmentada. Cultuando a sensibilidade de Lyne ao assumir a direção e sem esquecer de dizer que Beals exala sensualidade e simpatia, “Flashdance” agrada em sua parte musical e só. Talvez um remake viesse a calhar e quem sabe até novas músicas marcassem mais uma época da vida dos cinéfilos de hoje em dia. Quem sabe trazer de volta o carisma de Beals, né? Já que hoje a falta de criatividade de Hollywood sempre acaba apelando ou pra continuação ou pra remake. Nunca se sabe…

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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