Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 04 de janeiro de 2007

Vanilla Sky

Deslumbrante e totalmente surreal, "Vanilla Sky" é mais um que entra para a lista de filmes destinados a momentos de "auto-reflexão". Definitivamente, o conjunto dessa maravilhosa obra de Cameron Crowe é digno de, no minimo, respeito e, sem dúvida, admiração.

Inspirada em "Abra Los Ojos", filme espanhol de 1997 que também contava com Penélope Cruz em seu elenco, a trama relata a vida de David Ammes Jr. (Tom Cruise), um legítimo playboy que vive em um mundo onde nada aparenta despertar a sua atenção. O rapaz lida com diversas situações no seu dia-a-dia, como o relacionamento confuso com Julie Gianni (Cameron Diaz), a grande amizade com o escritor Ryan Shelby (Jason Lee) e ainda uma outra "herança" de seu pai, a empresa na qual é visto com desconfiança pelos seus sócios (os chamados "Sete Anões") e que apenas esperam seu fracasso para poder tomar o controle de todas as ações. Todos esses fatos unem-se ao seu encontro com a bela Sophia Cerrano (Penélope Cruz), que simplesmente mexe com a mente do rapaz como ninguém nunca havia feito antes. No entanto, um fato envolvendo Julie acaba mudando completamente a vida de David e agora ele precisa finalmente enfrentar as conseqüencias de seus atos, atitude que nunca tomou. Paralelo a isso, o psicólogo Dr. MacCabe (Kurt Russell) tenta entender as decisões e pensamentos do rapaz, levando a misteriosa trama a um surpreendente desfecho.

Os elogios iniciais são automaticamente direcionados ao incrível e alucinante roteiro escrito por Cameron Crowe. Por se tratar de uma temática que inevitavelmente envolve o estudo da mente e o lado psicológico das personagens, o roteiro assemelha-se à criatividade e ousadia de Charlie Kaufman em "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças". Logo no início do filme, o espectador mais interessado e atento já pode perceber que se trata de uma daquelas histórias que mexerá com sua mente e, por isso, requer um pouco mais de atenção do que o usual. Durante toda a história, os fatos e revelações são distribuídos de maneira muito inteligente, aspecto que atrai ainda mais a atenção do espectador e não deixa que a trama torne-se algo cansativo (é claro, para os mais interessados em descobrir as razões para os acontecimentos do filme). No entanto, quando você pensa que nada pode ser capaz de solucionar as angustiantes reviravoltas decorrentes das situações criadas por Crowe, eis que um maravilhoso desfecho surge para unir todas as peças do quebra-cabeça que se tornou a mente de David. Enfim, um roteiro extremamente trabalhado e estruturado para que não haja furos ou detalhes que possam estragar a série de situações inusitadas do longa.

Chegando ao quesito "elenco", talvez esse possa ter sido o fator que mais oscilou em questões de qualidade durante o decorrer do filme. Tom Cruise está bem, mas não consegue manter uma atuação constante. Por muitas vezes, o ator exagerou nos seus sorrisos e expressões desnecessárias enquanto esteve com o rosto intacto. No entanto, sua atuação melhorou muito quando a personagem enfrentou a deformação na face. Aí sim, Cruise encontrou seu melhor momento da história, incorporando muito bem o drama de sua personagem. Penélope Cruz também não se mostrou sensacional, mas conseguiu desempenhar um bom papel, já que foi capaz de transmitir sutilmente a essência de sua personagem (uma moça pura, um tanto quanto misteriosa e confusa, apaixonada e, de certa forma, ambiciosa por buscar seus sonhos). Talvez a mesma análise sirva para descrever a atuação de Kurt Russel. O ator foi bem, mas nada que mereça muito destaque. Na verdade, sua atuação acabou por se tornar comum e não impressiona muito, já que sua personagem também não foi nada de outro mundo. O destaque mesmo fica por conta da excelente Cameron Diaz como Julie Gianni. Talvez a melhor atuação de sua carreira, diga-se de passagem, conseguindo trazer a tona toda a essência de sua personagem e, sem dúvidas, incorporando muito bem todos os trejeitos e sentimentos de Julie. Ao lado dela, outro que também fez um bom trabalho foi o ator Jason Lee como o melhor amigo de Cruise. Lee conseguiu encarnar de maneira muito eficiente sua personagem, trabalho que consegue exercer em outros papéis de sua carreira. Apesar de não conseguir tanto destaque na indústria, considero-o um bom ator.

A equipe técnica pode ser facilmente considerada o ponto alto do filme. Confesso que sou admirador do trabalho de Cameron Crowe e, mais uma vez, sua direção foi algo a parte. O uso de planos (excesso de closes, super closes) e também o controle perante todas as situações descritas no filme foram muito satisfatórios e dignos de muitos elogios. Diversos aspectos em seu trabalho podem ser exaltados além dos já citados, como também a excelente iluminação e a atmosfera criada pelo cineasta. Tudo está muito relacionado a artefatos oníricos e ao surrealismo (principal tema do filme), fazendo com que o espectador mergulhe numa verdadeira onda de sonhos e sentimentos para realmente compreender o universo das personagens. Ao lado de seu excelente trabalho, merecem destaque também a bela edição de imagens e a fotografia, que conseguem trazer imagens realmente oportunas e que reforçam as intenções do diretor.

Para completar, nada melhor do que uma sensacional trilha sonora que conta com o indicado ao Oscar Paul MacCartney com a música tema e ainda as bandas REM, Radiohead, U2, Bob Dylan, Rolling Stones, dentre outros. Tudo muito sincronizado e entrosado com o ambiente descrito pelo filme.

Enfim, se analisarmos rapidamente, "Vanilla Sky" pode, sim, ser considerado um filme complexo. No entanto, a mente prega peças e a tal complicação pode, na verdade, estar toda na cabeça do espectador. Vale muito a pena conferir essa ótima produção, que com certeza pode ser considerada muito interessante e atrativa. Como conseguiu chamar a minha atenção e fazer com que eu fique pensando no desenvolvimento da excelente trama depois de acabado o filme, merece pelo menos umas cinco estrelas. Três são dedicadas à equipe técnica e à bela trilha sonora, que acredito terem sido os grandes destaques. Portanto, oito estrelas estão de muito bom tamanho!

Ícaro Ripari
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