Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de julho de 2006

Carros (2006): um filme completo e com uma bela mensagem

Consolidando o poderio da parceria Disney/Pixar, “Carros” é um longa que não deixa simplesmente nada a desejar no quesito animação. Personagens divertidos, roteiro bem trabalhado, adrenalina que certamente irá agradar aos fãs de velocidade, ótima trilha sonora; esses são alguns ingredientes que fazem de “Carros” um filme para todas as idades.

Nos últimos anos, o número de animações lançadas vem se tornando cada vez maior, mas convenhamos, nenhum estúdio se mostra mais onipresente no ramo do que a parceria entre Disney e Pixar. A Dreamworks até que mostrou seu grande valor com os dois “Shrek”, mas também vem surfando em produções medianas como “Madagascar”. A Disney sozinha, que tanto encantou as crianças de antigamente com seus desenhos clássicos, já mostrou que sem sua parceira especialista em animação, tem dificuldades em emplacar um filme realmente de qualidade, como os recentes “O Galinho Chicken Little” e “Selvagem”. Agora, Disney e Pixar retomam a parceria, sob a direção de ninguém menos que John Lasseter, diretor da animação pioneira “Toy Story” e sua continuação, além de ter atuado como produtor em diversas outras excelentes animações da Disney/Pixar, como “Procurando Nemo”, “Monstros S.A.” e o sensacional “Os Incríveis”, mas como diretor, seu último trabalho foi “Toy Story 2”, em 1999. O que esperar, então, desse promissor retorno da parceria entre esses “gigantes”? Certamente, uma animação de muita qualidade e que agradasse em cheio os fãs do gênero. E não é que “Carros” conseguiu esse feito, e até um tanto mais?! Um filme não só divertido, mas carismático, eletrizante e muito, mas muito convincente!

Relâmpago McQueen é um carro de corridas ambicioso, que já em sua 1ª temporada na Copa Pistão torna-se um astro. A fama faz com que Relâmpago acredite que não precisa da ajuda de ninguém, sendo uma “equipe de um carro só”. Esta arrogância lhe custa caro na última corrida da temporada, fazendo com que seus dois pneus traseiros estourem na última volta, de modo que ele cruza a linha de chegada juntamente com seus dois principais adversários. Uma corrida de desempate é agendada então na Califórnia, e Relâmpago é levado para o local da corrida pelo caminhão Mack. Mack termina dormindo em pleno trânsito, o que faz com que a caçamba se abra e Relâmpago, que também estava dormindo, seja largado em plena estrada. Em seu desespero, Relâmpago chega à pequena Radiator Springs, uma cidade do interior que tem pouquíssimo movimento. Porém, por ter destruído a principal rua da cidade, Relâmpago é condenado a reconstruí-la. Obrigado a permanecer na cidade contra a sua vontade, aos poucos ele conhece os habitantes locais e começa a se afeiçoar por eles.

“Carros” mostra seu diferencial ao fugir do lugar comum e não funcionar apenas pelas piadas, os personagens cômicos, a diversão gratuita propriamente dita. O filme possui um roteiro muito bem trabalhado pelo próprio diretor John Lasseter, que se baseou em uma experiência própria na hora de escrever a história, e claramente se percebe o carinho com que ela fora tratada. “Eu descobri que a maior recompensa da vida é a própria jornada. É ótimo realizar coisas importantes, mas você vai querer ter a família e os amigos por perto na hora de comemorar”, conta o diretor. Lógico que na visão de muitos tudo não passará de mais uma história simples com a intenção de transmitir alguma lição para as criancinhas, mas tudo se encaixa de uma maneira eficiente no longa, de forma que os 116 minutos de projeção (um tempo considerado longo para uma animação) em nenhum instante se tornam cansativos ou apelativos para a infantilização abusiva.

Claro que tudo é previsível: você de antemão já prevê o que o carro protagonista fará no clímax; o destino do seu possível romance com a Porshe Sally; as decisões dos personagens secundários… tudo está desenhado desde o início, mas nem por isso o enredo perde seu valor. É uma história de superações em todos os sentidos, que remete diretamente a qualquer foco da nossa sociedade e faz até o adulto mais conservador refletir sobre algumas questões. Todo aquele negócio de progresso a qualquer preço em depreciação às belezas da vida cotidiana, o orgulho junto ao individualismo que atinge ambições extremas em nome da realização própria em detrimento do trabalho de equipe, tudo é mostrado de uma maneira muito eficaz, principalmente se o espectador fizer paralelos com o mundo real. Querem exemplo melhor do que o fiasco mostrado pela seleção de Parreira na Copa da Alemanha, que se queimou na própria fogueira de vaidades, onde se viu imperar a falta de conjunto em um elenco lotado de estrelas com o ego maior do que o próprio brilho? É, temos mais é que esquecer esse episódio deprimente.

Como elemento fundamental de uma animação, “Carros” conta com personagens eficientes, mesmo não deixando de ser estereótipos. Relâmpago McQueen (dublado por Owen Wilson no original, e Marcelo Faria na versão dublada) é um protagonista muito carismático e, mesmo com o aparente egocentrismo inicial, criamos uma simpatia por ele. Além dele, obviamente encontramos a mocinha, Sally, uma Porshe 2002 (Bonnie Hunt/Priscila Fantin); o misterioso Doc Hudson (Paul Newmann/Daniel Filho) é aquele que aparentemente é um ser (não estranhem o fato de eu tratar os carros como seres, apenas estou me adequando à realidade do filme) rude, mas que esconde um bom coração por trás das sombras do passado; e uma série de outros que aparecem menos, mas possuem seus momentos de glória provocando risos, como o caso de Fillmore (George Carlin/Cláudio Galvan), a Kombi Hippie e os sofríveis tratores. Como não podiam faltar, estão lá presentes aqueles coadjuvantes com a responsabilidade de arrancar risos toda vez que entram em cena, ofuscando o brilho dos protagonistas, sendo o principal o hilário guincho Mate (Larry the Cable Guy/Mário Jorge). Mate é aquele personagem típico de voz irritante que é impossível não nos identificarmos pelo seu jeito ingênuo e irreverente de ser, e a grande maioria das cenas cômicas ficam a seu cargo. Além de Mate, a dupla de italianos apaixonados por Ferrari, Luigi e Guido, são outro ponto alto do filme, fazendo-nos rir sempre que estão em cena. Quando Guido entra em ação nos momentos finais, o momento é de puro êxtase.

O filme acerta até na atmosfera pseudo-infantil apresentada. As idéias de mostrar um mundo onde inexistem humanos e os carros constituem a própria população, interagindo uns com os outros como seres-humanos, não deixa de ser interessante. Tudo é cuidadosamente trabalhado, desde os detalhes pequenos, como o fato de até os mosquitos serem miniaturas de carros, até o design dos carros, mantendo propositalmente o clima de mundo fantasioso. Há de lembrar que o filme agrada não só a quem procura cenas cômicas, pois é um verdadeiro prato cheio para quem busca adrenalina, velocidade e, óbvio, quem tem admiração por automóveis. Ver as disputas da Copa Pistão (torneio disputado por Relâmpago McQueen), podem ter certeza que é bem mais emocionante que qualquer cena de racha de “Velozes e Furiosos”. Não posso deixar de citar a perfeita trilha sonora, em que cada canção se encaixa como uma luva em cada momento, proporcionando uma variação de atmosfera espetacular. Um ótimo trabalho do vencedor do Oscar, Randy Newman, que intercalou com muito estilo na animação canções de Sheryl Crow, James Taylor, entre outros.

Enfim, “Carros” é um filme completo no quesito animação, contendo todos os ingredientes para agradar a todos, sejam as crianças que buscam apenas ver os carrinhos fofinhos, os demais que procuram boas piadas e uma boa história, e até os que vão pelas cenas de velocidade. Pode parecer exagero da minha parte, mas “Carros” é, na minha opinião, umas das melhores animações já feitas, ficando no páreo com “Os Incríveis”. Mais um exemplo que prova que John Lasseter é o mestre no ramo das animações. A Dreamworks pode até estar no páreo com um certo ogro verde, mas com Disney em parceria com a Pixar o produto final é quase sempre irretocável.

Thiago Sampaio
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