Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Alexandre

Apesar de ter sido massacrado pela crítica mundial, este novo filme de Oliver Stone não é uma obra-prima e sim, uma grande ousadia de seu diretor. Algo que, venhamos e convenhamos, é algo louvável.

Em “Alexandre”, Oliver Stone ousou: abordou um fato incontestável – a bissexualidade de Alexandre – e optou por contar a história do seu jeito, com todas as dubiedades e todas as polêmicas. Após quase quinze anos de projetos negados por estúdios que não estavam dispostos a investir mais de 100 milhões de dólares em um projeto polêmico, com locações em, no mínimo, três países e que tinha o risco de naufragar nas bilheterias (pois a temática de contar a história de personagens históricos só voltou à moda em 2000 com “Gladiador”), Stone acabou bancando 50 milhões do seu bolso para realizar o filme.

Na verdade, em seu tempo, Alexandre, assim como a grande maioria dos gregos, era considerado, pelos nossos atuais rótulos sexuais, pansexual. Naquela época, havia festas (os famigerados bacanais) em que a grande maioria que estava presente tinha relações sexuais com o que aparecesse em sua frente: desde seres humanos a objetos, passando por diversas espécies animais. Tudo isso regado a muito vinho para cultuar Baco, o deus do vinho.

Deixando um pouco de lado essa questão da sexualidade de Alexandre, pois, apesar de ser o que o filme evidencia mais, não é apenas ela que povoa os 176 minutos de projeção. Durante esse tempo, somos apresentados, provavelmente, a duas das batalhas mais impressionantes que o cinema já nos mostrou: insanamente bela, com uma grandiloqüência invejável a muitos Wolfgang Petersen, imprimindo uma veracidade enorme. Além do filtro vermelho que Stone colocou na segunda, que corresponde, ao meu ver, a sua “assinatura”.

Juntamente com Martin Scorcese, Oliver Stone destaca-se entre os diretores que mantiveram sua visão sobre algum personagem histórico, independente das acusações e más interpretações de suas obras. Cada um com suas peculiaridades, ambos souberam equilibrar-se entre o polêmico e o instigante. Scorcese, em 1988, com “A última tentação de Cristo”, quando se atreveu a nos mostrar um Jesus humano, com dúvidas, traumas e indecisões como qualquer pessoa (Será que Jesus, sendo um carpinteiro, chegou a cogitar a possibilidade de confeccionar alguma cruz para os romanos?) tocou em um dos assuntos mais controversos da Igreja Católica e, porque não dizer, do cristianismo: a relação entre Cristo e Maria Madalena, a suposta prostituta que Jesus perdoou (algo em voga novamente com o romance “O Código Da Vinci”). Agora em 2004, outra polêmica está em alta, comandada desta vez por Oliver Stone e seu Alexandre não-idealizado, que exibe a saga de um rei novo, inexperiente, que subiu ao trono por intrigas contra seu pai, mas que conseguiu se sobressair dos outros através das suas magistrais estratégias de guerra, sua incrível ganância de conquista e que não hesitava em chorar quando julgava necessário, expressando seus sentimentos sem o mínimo de pudor.

Uma semelhança interessante e uma discussão pertinente nos tempos atuais é a incrível similitude das idéias de Alexandre com as de George W. Bush. Apesar de Alexandre ter feito história há mais de 350 a.C., o paralelo é inevitável: Alexandre, muitas vezes, era impulsionado nas suas batalhas com o intuito de agradar seu pai; Bush dá-nos entender que isso também se aplica à sua política internacional. Alexandre montou parte de seu império nas sobras do que corresponde atualmente ao Afeganistão, Iraque e Irã; parece que Bush está seguindo os mesmos passos do imperador macedônio. Após a frase proferida por Alexandre, ao finalmente conseguir conquistar a Babilônia – “Um dia, a Babilônia será o centro do mundo” -, vemos que ela se torna assustadoramente irônica, tendo em vista que ela é, nos tempos atuais, a porção de terra que corresponde ao Iraque. Contudo, existem algumas coisas que Alexandre não se assemelha a George W. Bush: Alexandre sempre lutava na linha de frente; nunca chegou a pedir para algum de seus subordinados fazer algo que ele não seria capaz; sempre respeitava a cultura e os costumes dos impérios conquistados (ele chegou a fundar bibliotecas e apoiar a miscigenação). Sem levar em consideração sua estratégia bélica que é superior à de Bush.

Mais interessante do que a ousadia de Stone foi sua recepção pelo público norte-americano. Estreando em um amargo sexto lugar, o filme foi detonado pela crítica e, obviamente, teve um desempenho vergonhoso nas bilheterias. O porquê não saberia dizer ao certo: ou é pela ojeriza que grande parte dos americanos tem com Stone ou simplesmente não estão acostumados a assistir a um épico imperfeito, dirigido por um diretor controverso e com um protagonista/herói não-idealizado. Aproveite as próximas 3 horas vagas que você tem e se deixe levar para a Macedônia no tempo de Alexandre. A viajem, lhe garanto, é espetacular.

Pedro Marques
@

Compartilhe

Saiba mais sobre