Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Cidade Baixa

“Cidade Baixa” é feliz, também, por não cair no clichê quando inúmeras possibilidades disto foram dadas. Seria preciso apenas um pequeno escorregão para que tragédias corriqueiras sempre vistas no cinema, acontecessem. Deus salve Sérgio Machado.

Certamente há poucas coisas tão agradáveis quanto rever um colega de quem se tem saudade e, com ele, assistir a um ótimo filme.

Eu estava muito curiosa para assistir a “Cidade Baixa”, mas receosa por carregar a responsabilidade de levar alguém comigo para isso. Acerca do filme, munida de três comentários positivos e três negativos, fui enfrentá-lo e matar a minha curiosidade. Nada de muita violência ou sexo em demasia ou qualquer outro bicho papão: eis que me deparo com uma obra maravilhosa e suspiro aliviada.

“Cidade Baixa” mostra como uma relação sórdida e sustentada por interesses, inicialmente, torna-se um caso de amor doentio. Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura) trabalham como carregadores que sobrevivem de bicos. Os dois se conhecem desde meninos, quando praticavam pequenos furtos juntos, e, desde então, sustentam uma amizade verdadeira, baseada em confiança e lealdade recíprocas. Certo dia, encontram Karinna (Alice Braga), uma moça que lhes pede carona para a capital baiana, e que, em troca, concorda oferecer-lhes sexo durante a viagem. Após um trágico incidente no percurso, a moça acaba ficando mais próxima dos dois amigos, e assim continua, mesmo após conseguir um emprego como dançarina e prostituta em uma boate. A trama é desenvolvida ao redor do amor que, cedo ou tarde, Deco e Naldinho despertam por Karinna. O que é mais importante? O carinho e afago da mulher que ama ou a amizade sincera que perdura há anos?

“Cidade Baixa” é um drama envolvente e despudorado, sem máscaras, fato que incomodou parte de seu público. As sensuais cenas de sexo, conduzidas magistralmente pelo cineasta Sérgio Machado, foram severamente censuradas, fato deveras injusto. O que mais poderia acontecer entre três jovens livres, bonitos, sexualmente ativos? A atriz Alice Braga é belíssima, com seu rosto angelical e corpo de mulher, sempre pronto para o ato. Lázaro Ramos e Wagner Moura, ambos em ótima forma, arrancam suspiros da platéia feminina (assumo que 50% do meu interesse pelo filme foi nessa dupla). Resumindo, o trio de atores é extremamente competente e trabalha de forma impecável. “Cidade Baixa” é feliz, também, por não cair no clichê quando inúmeras possibilidades disto foram dadas. Seria preciso apenas um pequeno escorregão para que tragédias corriqueiras sempre vistas no cinema, acontecessem. Deus salve Sérgio Machado.

Em Cannes, “Cidade Baixa” foi exibido na mostra Un Certain Regard, e conquistou o prêmio da Juventude, concedido pelo Ministério da Juventude da França. O filme é a estréia do cineasta baiano Sérgio Machado em longa-metragem. Sérgio, que é responsável pelo premiado documentário “Onde a terra acaba”, foi assistente de direção de Walter Salles (um dos responsáveis pela produção do filme) em “O primeiro dia”, “Central do Brasil” e “Abril Despedaçado”. Para o roteiro, Sérgio convidou o nosso conterrâneo Karim Aïnouz, cineasta responsável por “Madame Satã”. A primorosa trilha sonora é de Carlinhos Brown e Beto Vilares.

Se você já assistiu ao filme, sinta-se livre para continuar a leitura. Se não, é recomendável que pare, pois citarei algumas cenas do filme.

As cenas memoráveis de “Cidade Baixa” são cerca de três: Lázaro Ramos e Alice Braga no meio da rua, entre tapas e beijos, fazendo amor ao mesmo tempo em que sentem ódio recíproco; a angustiante briga entre os dois colegas é impedida de continuar depois de uma troca de olhares em que diversos sentimentos são questionados; a câmera focalizada nos olhares expressivos e angustiados dos personagens, em um belo final de filme, que é encerrado com o domínio da mulher sob os dois. Ela é o motivo da discórdia, só ela pode controlar a situação. Cena impagável que me fez chorar feito boba até o fim dos créditos de encerramento do filme.

Depois da sessão, uma parada para um sorvete bem colorido e uma conversa regada a comentários sobre as cenas marcantes do filme. Depois de tudo isso, se o leitor não souber apreciar “Cidade Baixa”, só nos resta lastimar, pois como diz um colega, não se fazem espectadores do cinema brasileiro como antigamente.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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